O meu contributo para paz em Angola, o meu regresso ao Uíge.

Imagem fictiva.

Por Filipr Nkosi

 

 

 

 

 

O MEU REGRESSO Á UIJE MINHAS MEMÓRIAS  MEU CONTRIBUTO PARA A PAZ EM ANGOLA, COMO ANÓNIMO

O meu amigo já trabalhava, no Uije, para a CCF (Cristian Children´s Fund) nos finais da década de 90, mas precisamente em 1999 ele conseguira um outro posto de trabalho, já em Luanda (ele furava e bem naquela época), no CDR, uma ONG Dinamarquesa. Na saída dele do Uije para Luanda ele, o meu amigo, recomenda o meu nome desta para concorrer e eventualmente ocupar o lugar deixado por ele na CCF, como assistente administrativo.

Os meus pais e irmãos, 2 anos antes haviam regressado de Maquela do Zombo onde se refugiaram no descambar da situação politico militar de 1992; O meu amigo abordou-me e me pôs ao corrente de toda a situação e montamos uma estratégia de como seria o meu regresso à Província do Uije. Então falei com a pessoa com quem eu vivia, ele é o irmão do meu pai, meu pai menor o “Ti Ferry”…dele senti um pouco de temor pelo facto de estarmos a viver naquela altura o auge, embora já com tendências a declinar, da guerra civil angolana, mas ainda assim desejou-me sucessos. Falara também com os meus pais (Nkosi e Diavita) dela recebi a bênção e a promessa de que tudo correria bem porque por mim ela sempre iria rezar, dele recebi a já habitual chamada de atenção que me fez chegar onde cheguei! Obrigado. Falara também com o MIzu, o meu irmão menor na altura era seminarista Capuchinho, me desejara sorte na nova aventura.

Só restava mesmo então embarcar para o Uije. Minha avo também desejou-me uma boa viagem e oferecera uma lata de sardinhas, para me alimentar na viagem, pensava ela que faria o caminho de volta á Província do Uije de estrada e em coluna militar como eles haviam feito no longínquo 1997, agradeci e recebi, já nem me recordo do destino da mesma lata!

Estávamos então no mês de Outubro de 1999, fui a casa dos pais do meu amigo (Velho Dambi e Moza), fui la ter com o meu amigo o Ramiro, e informar-lhe que estava pronto para uma nova aventura. Depois de tudo combinado e porque estávamos no final do mês de Outubro marcamos a minha viagem de regresso a Uije, já não me recordo se falhara antes ou não, no entanto embarquei para o Uije no dia 2 de Novembro…naquela manhã deslocamo-nos para o TAM (terminal aéreo militar) tentar a sorte de poder apanhar um avião até Uije. Havia um serviço naquele dia para Uije, um MI17 fretado/alugado pela Helitour, cujo bilhete de passagem custava U$D 100, pagos pelo Benvindo Calunga Dambi Dambi, o meu amigo. No mesmo helicóptero viajaram carga e passageiros, até dava medo, ao ver aquelas malas de peixe seco a serem carregadas, pois que dava a sensação de ter sido ultrapassado o limite autorizado do peso que suporta um MI17. Viajou comigo entre outros um coronel que reclamou da situação, recordo-me que estava o Cdte Tudo (não foi ele que pilotou o MI17, ele havia cursado na invicta do Negage), já não recordo quem foi o piloto desse e nesse dia, e simplesmente lhe respondeu que – Coronel também tenho vida e gosto muito dela, portanto não hei-de fazer nada que ponha em risco a minha vida! La fiquei com alguma tranquilidade. Levantamos o voo penso que por volta das 13 ou 14 horas, hora e meia depois estávamos no Uije. Chegados no Uije uma cara amiga reconheci logo no aeroporto, o Man Filas, um kota que já conheço desde a minha infância vivida na invicta do Negage. Depois dos trâmites próprios de um aeroporto deram-me uma boleia numa pick up até o escritório da CCF que se situava ali frente ao Estádio 4 de Janeiro (esse mesmo que teve o mortífero acidente em 2017 a quando do Jogo de futebol entre as equipas de Santa Rita e o Libolo), antes paramos no antigo escritório ali junto ao mercado municipal, na rua detrás.

Chegados ao escritório, fui recebido pelos, que seriam os, futuros colegas e acabei conhecendo o Dr Jorge (in memoria), Tino Costa, Madina e o kota Vita Ngola. De todos só conhecia o kota Vita, dos tempos de infância na invicta, porque ele fora nosso professor na preparatória e também nosso vizinho ali no Bairro 2. Eu me senti um estranho, até porque nunca antes vivera na cidade do Uije…passados uns 20 minutos chegou ao meu encontro o Man Toy (Júlio Cristóvão), uma cara mais bem conhecida e da minha geração dos tempos do Cine Teatro, dos Kankebes e dos mortais ali na palha! Coisas que fizeram a nossa delícia na infância, hoje, já não existem…o cine teatro, este já virou Templo da IURD, os Kankebes penso que já ninguém faz e sabe fazer como nós até porque as bananeiras ao redor da cidade e periferia já deixaram de existir e os mortais na palha? Ah! Nunca mais…a palha era a de café ao redor das fábricas de descasque do Tumbwasa, como já não existem, portanto, adeus os mortais…haviam verdadeiros craques! Saudades! Mas voltamos ao que realmente me leva a escrever esta memória.

O Man Toy( Júlio Cristóvão ), minha busca…ajudou-me a carregar a minha mala e lá seguimos rua acima (já não me recordo se fomos de carro ou a pé), aquela que fica entre a Área municipal da Educação do Uije e o 4 de Janeiro, a rua da Agricultura, contornamos a rotunda 4 de Janeiro e descemos até na rotunda do Kitexe e subimos pela direita ate ao prédio Kikoko, naquela altura ali onde hoje é o Nosso Super era a praça da Feira. No apartamento que estava alugado pelo meu amigo Ramiro, la vivia a sua actual esposa na altura namorada a minha cunhada Angelina Manuel Calunga, outra cara que já conhecera quando me foi apresentada pelo meu amigo ai na zona da FTU, em Luanda. Recordas? Era exatamente o dia 2 de Novembro de 1999, uma terça-feira. Senti-me em casa, pois la estavam o Man Toy e a Mana Angelina.

Foram decorrendo os dias e levava uma vida normal, comecei a conhecer novas pessoas, cruzei-me com alguns velhos amigos de infância na invicta do Negage…entre eles Julio Dos Santos Kamavo (in Memoria) e Daniel Paulo. No domingo fui a missa na Paroquia de São Francisco de Assis, onde 4 anos depois contrai o meu matrimónio com a minha bela esposa, a mãe dos meus príncipes, a The Queen Paulina Nkosi. Nessa paroquia o sitio onde me sentei no primeiro Domingo, no corredor central no lado esquerdo no segundo bloco de cima para baixo na terceira fila de cima para baixo nas primeiras 3 cadeiras passou a ser o meu sitio preferido para sentar-se e participar na eucaristia. Entretanto, em Dezembro fizemos o teste na CCF e fui apurado entre outros candidatos e comecei a exercer a função de Assistente Administrativo no escritório do Uije, no início de Janeiro do ano de 2000, na altura a equipa era liderada pelo finado Dr Jorge Antonio, estavam também o Tino Costa e a Madina como assistentes sociais e o motorista o kota Vita Ngola e ja a Dona Guida era a assistente de limpeza e ainda estavam os seguranças do escritório. Eu já encontrara uma equipa que desenvolvera já atividades de assistência social tudo voltado a criança, – no princípio era a volta da criança soldado. Enquadrei-me na equipa, eu era o homem do back.

Durante o período que foi de novembro de 1999 até a primeira semana de julho de 2001, muitas coisas boas aconteceram…havia voltado ao meu Negage, revi e vi gente do meu tempo, fiz novas amizades, ganhei dinheiro (salario). Desenvolvemos atividades no Cambila, Kakenge (Construímos escola), ajudamos meninos a aprenderem alguma profissão (hoje pelo menos 2 deles são profissionais de Carpintaria), desenvolvi habilidades profissionais de gestão…muita coisa boa!

Mas quero aqui centrar-me um pouco na abertura das festas da Cidade do Uije, no dia 2 de julho de 2001, uma segunda-feira, estávamos no segundo dia das festas da cidade do Uije. Depois das nossas atividades laborais, alguns amigos decidimos nos encontrar em frente ao largo da Administração municipal do Uije, recordo-me claramente do Daniel Paulo e do Júlio dos Santos (de feliz memoria). Havia na cidade, ao nosso ver, gente a mais comparado aos outros dias, talvez e influenciados pelas festas que estavam a decorrer. Estávamos a tomar um copo, me recordo que estávamos a fazer uso do The Best em pacote, havíamos bebido um pouco acima dos limites, mesmo sabendo que no dia seguinte haveríamos de trabalhar. Por volta das 22 horas nos despedimos e cada um aparentemente havia, se, dirigido a sua residência. Estava eu com o nível de álcool no sangue muito acima do normal.

Eu vivia sozinho naquela altura, num apartamento que comportava 3 quartos, no prédio do Bar Kikoko, hoje, a loja onde está a MOVICEL, em paralelo (frente) a estação da Angola Telecom e frente (paralelo) a Feira (hoje onde está o Nosso Super); Dois dias antes minha tia chegara de Luanda com mercadoria para vender, peixe seco, no entanto por motivos de negócios se deslocara em Negage…pois depois da chupeta fui para casa. La por volta das 2 da manha ouvi disparos de armas de fogo. Dentro de mim ainda disse: mas quem este bêbado que está a fazer estes disparos? Tinha hábito de dormir com Pijama e estava de Pijamas naquela noite e ainda sob efeito de álcool. De tanto disparo que tive que me concentrar e fazer um “assessment” rápido da situação. Peguei no Motorola (a marca de radio de comunicação que usávamos) liguei e acompanhei as comunicações naquela altura, foi quando me apercebi que a cidade estava “under attack” das Forças Militares da UNITA (FMU) afinal de contas ainda o país estava em conflito armado…chamei rapidamente o segurança do escritório em serviço; Charlie Foxtrot Uniform Zero, Charlie Foxtrot Uniform Zero, Charlie Foxtrot Uniform Seis! Do outro lado tremulo mas respondendo: Charlie Foxtrot Uniform Seis estou a escuta! Que se passa? Uniform Seis estamos sobre ataque, melhor se proteger, Over. Eu já: Copiado, over and out! Levantei-me da cama (quer dizer do colchão), fui contra a parede e por cima do pijama coloquei uma calça Jeans azul, calcei uns ténis, botei uma camisola e depois o casaco. Sem largar o radio peguei nos 500 dólares que tinha em casa coloquei no bolso da calça pinjama a ver se conseguia sair de casa e buscar refugio numa mata qualquer.

Durante este período o tiroteio ainda não se fazia sentir nos lados onde eu morava, estava concentrado nos lados onde entraram, na periferia da cidade. Mas com o passar dos minutos, diga-se poucos minutos a FMU se estendeu na cidade de uma forma muito rápida, porque ate havia poucos FAAs e PIR na cidade, porque haviam sido deslocados para outros teatros de operações. Depois de me ataviar vou a correr na única entrada para a casa e mesmo pela varanda fiquei assustado, mesmo empregando as técnicas de preparação militar inicial, aprendidas em Cuba, estava trémulo. Porque no prédio Vanguarda, ali onde vivia a Gugu num andar acima, estava um militar das FAA com uma PKM e que aparentemente despejava com raiva e uma cadencia espetacular as balas na direção da Feira por onde em principio eu queria descer e descair pelo Ferro Velho passar naqueles lados onde vivia a Rebeca e que se encontrava gravida, estava, o homem da PKM, a fazer tampão contra os da FMU (enquanto disparavam gritavam hoje é hoje, matabicho é aqui – pareciam felizes) que queriam subir por aquela avenida. Então decidi dar a volta e fui pela varanda do quarto tentar encontrar formas como iria descer os aparentemente 4 metros de altura, mas uma vez encontre dificuldades. Já a bebedeira havia passado, e a guarnição da Angola Telecom também estava a defender a posição deles, o Mosquito, um policia daquele posto e seus companheiros estavam firmes conta a investida das FMU, de tanto tiroteio que fiquei sem hipóteses de sair de casa, de repente apanhei diarreia e como as balas estava a bater nas paredes de casa rastejando fui ao quarto de banho e como era o lugar mais seguro la fiquei, espetei-me dentro da banheira depois de despejar a agua que la estava, mas antes aliviei-me na sanita, nem sei se havia posto agua! Deitei-me na banheira até que senti que as coisas haviam acalmado.

Por volta das 8 horas do dia 3 de Julho de 2001, as coisas já se haviam acalmado, e podíamos andar, embora com algum medo ainda, e vi coisas que acontecem na guerra e que não são boas. Decidi passar pelo ferro velho e fui ver a Rebeca e a Wilma (filha dela pequena de 5 anos) que mesmo concebida com cerca de 7 ou 8 meses conseguiu fugir de casa; Passei também na casa da Luísa Antonio e constatei que ela e a família estavam bem. Passei no escritório para ver se estava tudo bem, falei com os colegas e assegurei-me que estávamos bem. A falta de conhecimento da cidade e se calhar um bom comando fez com que eles que estavam em vantagem fossem derrotados por um punhado (pequeno) de FAA e Policias de Ordem Publica e Convalescentes da PIR (tinham a Unidade no INCA) que estavam a ser comandados pelo General Soares. A tropa da logística das FAA que estavam no posto de logística ali juntos a rotunda Agostinho Neto, perderam um dos seus homens que foi atingido mortalmente no peito. No Bairro popular na zona sub urbana depois do comando da polícia, a população havia capturado um FMU e foi morto a paulada e pedras e adobes. O Tanque de Guerra que estava no aeroporto fez disparos, um dos disparos foi o que atingiu e destruiu uma casa no Mbemba Ngango, junto a 107, ate hoje continua destruída a mesma casa, não houve vítimas, porque minutos antes a família que la morava haviam abandonado a casa. E aconteceram outras cenas tristes. Não consegui sair de casa até que havia cessado o tiroteio. Pormenores mais sórdidos do ataque não são aqui chamados!

No período 8:30 – 10 horas, através do telefone fixo (ainda não havia no Uije a telefonia móvel) do meu vizinho entrei em contacto com familiares e o meu amigo para informar que estava bem. Dois dias depois do ataque através de um Kilo Alpha (code name da Avioneta das Nações Unidas) que apoiava na transportação do pessoal afeto as NU e ONG fui “evacuado” a Luanda, na genesis desta evacuação estava a Sra. Maria Flynn na altura a coordenadora do UNOCHA no Uije, que viria a tornar-se a minha chefe de missão.

Na altura do embarque no aeroporto do Uije, ela convidou-me se queria ser assistente do escritório onde ela trabalhava com um salario de 600 USD….Claro que aceitei logo! Mas isso implicava regressar a Uije, que veio a acontecer 15 a 20 dias depois do ataque a cidade.

O escritório da UNOCHA em Luanda se situava no edifício cor-de-rosa na avenida dos combatentes, o famoso prédio da comunicação social. Na semana a seguir a minha chegada a Luanda fui ter com ela, deu-me um computador e fiz um teste básico, passei como é óbvio. Mas por questões técnicas e administrativas não podia embarcar com ela na data prevista, segui a Uije mais tarde. Quando cheguei a Uije apresentei-me no escritório, reunimos para receber orientações do que faria naquele escritório…ela informou-me que a Administração impunha outro valor a pagar-me, 400 USD, e caberia a mim ali naquele momento decidir se aceitava ou não! E que ela estava disposta a mandar-me de volta a Luanda no dia seguinte…claro que aceitei o novo salário que era de todo bem mais alto do que, o que recebia, na CCF.

Próximo ano conto aqui as sagas das NU, num período em que o país já respirava a PAZ.

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