Povoado faz hoje 103 anos: Kimakungu, a mãe da cidade do Uíge

Kimakungu, uns dos bairros tradicionais do Uíge, está esquecido pelas autoridades da província, pois debate-se com a falta dos serviços essenciais Fotografia: Mavitide Mulaza. Ediçoes Novembro

Por  Silvino Fortunato

O bairro Kimakungu, que dista pouco menos de dois quilómetros do centro da cidade do Uíge, está na génese da formação desta urbe, que completa hoje, 1 de Julho, 103 anos de existência desde que em 1917 foi fundada por colonos portugueses

A cidade foi edificada num território que pertencia os soberanos de Kimakungu e de Me Katete, sendo esta a razão que leva a que os anciões considerem o povoado como “a mãe da cidade do Uíge”. Reza a história, segundo os mesmos, que, por indicação do soberano Mbunzo de Kimakungu, foi concedida ao colono português Júlio Tomás Berberan o espaço onde foram erguidas as primeiras casas, incluindo fortes, que mais tarde constituiriam a cidade do Uíge.

Em 1917, por ordem do capitão-mor do Mbembe, Manuel José Pereira, é enviado Júlio Berberan, com a finalidade de localizar um lugar para ser construído um novo posto militar na região do Uíge. De acordo com o ancião José Santos, 75 anos de idade, o emissário fixou-se inicialmente na região de Luhombo, junto à encosta da Serra do Uíge, tendo-se deslocado posteriormente até à aldeia do Kiongua, ocupando o deserto diante do rio Kangombo.

Por ter se deparado com uma anormalidade, que julgou perigar a vida dos integrantes da expedição, regressou ao Luhombo. “No terceiro dia da sua permanência neste deserto, os portugueses foram urpreendidos com a água do rio em cor de sangue. Não era sangue, segundo os nossos mais velhos, os povos daquela época, discordaram da presença de colonos na região, trituraram algumas plantas, chamada caxiki, e pedras, até se tornarem avermelhadas. Deitaram-nas no rio e, quando os colonos iam ao rio acarretar água, julgaram que ela se tinha transformado em sangue, o que os afugentou”, disse.

De acordo com José Santos, aconselhados por Me Kaxexi, os portugueses foram obrigados a negociar com o chefe da tribo de Kimakungu, que vivia em Makunku. Foi então que Berberan regressou com três intérpretes, que trazia desde Mbanza Kongo. Antes, Me Kaxexi enviou os mensageiros Kambaki, Luvaca e Katula, que convenceram Mbunzu a receber o português que, na altura, o tinham como albino (ndundu).

Assim, Mbunzu, na companhia dos velhos Mbundo a Katako, Mpaka e Me Kamba, aceitou o pedido do português, sendo-lhe indicado o lugar plano, garantido com a entrega de um feixe de capim, arrancado do solo, como certidão de titularidade do terreno.

A referida área dividia-se entre pertenças do Mwene Me Katete e Me Makungu e denominava-se deserto do Biba. Foram ainda os próprios povos de Me Makungu que limparam o lugar que permitiu as primeiras edificações de casas de pau-a-pique e capim, no lugar que hoje está o jardim da cidade, o tribunal militar, a delegação das Finanças, a antiga Câmara e a sede do Governo Provincial do Uíge.

Inicialmente, o ocupante português passou a chamar Kimakungu à região e UIE, propriamente, ao lugar onde estavam as casas, passando mais tarde a Uíge, provavelmente por dificuldade de pronúncia do termo.

Foi construído, posteriormente, o primeiro posto militar que se juntou à povoação em que viviam três militares e cinco civis comerciantes, como o capitão Manuel José Pereira, Silva Santos, António Figueiredo, Tristão Mendes, provenientes de Ambriz, e João Toyolar, que viera de Ambrizete.

Com o crescimento da cidade, o bairro Kimakungu afastou-se da proximidade da vila dos portugueses, indo fixar-se no lugar onde foi mais tarde construído o bairro Kandombe Velho.

A história dos jogadores negros

Nos anos de 1940 foi construído o actual estádio 4 de Janeiro, por Ferreira Lima, para o clube Recreativo do Uíge, que era mais conhecido por CRU, segundo testemunho de José Santos, actualmente o morador mais velho de Kimakungu, a quem os habitantes tratam por seculo. “Tinha pouca idade quando construíram o campo, através de máquinas, que foi vedado com ramos de palmeiras, cortados e colocados pelos povos de Kimakungu.

Na época vários jogadores negros, que despontavam nas equipas dos bairros, eram contratados para os clubes dos brancos”, lembrou.

Mencionou como exemplos os casos dos irmãos Fernando Correia, Jeremias e Alfredo, assim como Fernando Fieti, que foram jogar para o Clube Recreativo do Uíge.

Nos bairros circunvizinhos do Uíge existia o Académico de Kimakungu, onde despontavam os irmãos em referência, assim como João Kusambu, Joaquim Benjamim, Alfredo Correia e o Virgílio. “Era bom guarda-redes”. Na regedoria do Tangi recorda, eram mais visíveis o Domingos Zarra, o Distinto Wazaba, que era o guarda-redes, e o Paiva, a quem considerou um excelente defesa.

Havia ainda boas equipas como o Sporting de Kandombe Velho, o Porto de Kixikongo, o Sporting de Mbanza Mpolo, que depois participavam já nos torneios que o presidente da Câmara organizava.

O dia-a-dia na localidade de Kimakungu

José Santos lembra que quando foram transferidos para o actual local, o colono construiu um posto médico, que era assegurado por um enfermeiro negro, um centro social, um sistema de captação e distribuição de água e uma escola que era atendida por duas professoras portuguesas.

O sistema de canalização da água, por gravidade, e que abastece os mais de 8.750 habitantes do bairro de Kimakungu, foi construído ainda nos anos 60 do século passado, pela administração colonial. O centro de captação dista 12 quilómetros de Kimakungu, propriamente num dos pontos do rio Loé, na aldeia de Kadi. De acordo com Venâncio Raul Conto, o soba da comunidade de Kimakungu, por causa da caducidade dos condutores, a água sai a conta gotas das torneiras, também construídas na era colonial. “Há vezes que leva mais de cinco dias para encher o tanque que está lá mais acima, porque a água se perde quase toda nos inúmeros furos da conduta”, revelou.

As frequentes rupturas levam a que a população, que suportou a construção da cidade do Uíge, fique sem água potável por meses. “Há já muitos anos, um projecto do UNICEF, no tempo do doutor Malondo, permitiu a reparação da tubagem. Mas como também os remendos aconteceram já há muito tempo, os problemas voltaram, levando com que as mulheres busquem a água noutros bairros distantes ou nas cacimbas”.

Disse que as reclamações frequentemente apresentadas às autoridades municipais nunca foram atendidas. “Continuamos sem sinal para nos aumentarem o volume da água ou para nos renovarem o sistema que se encontra todo roto”, afirmou.

Entretanto, o Governo Provincial e a empresa nacional de águas estão a perspectivar construir um novo centro de captação, com capacidade para produzir mais de 15 mil metros cúbicos de água por hora.

Bairros sem água potável

Os habitantes dos bairros Mbemba Ngango suburbano, Sonangol, Quindenuco, Quilala, Paco e Bez, Aeroporto, Nguengue, 14 de Abril, Catapa, Quimacungo, Bairro Novo e Ana Candande, arredores da cidade do Uíge, consomem água extraída das cacimbas e fontenários em mau estado de conservação.

O consumo da água não tratada tem estado a provocar doenças diarreicas agudas e outras infecciosas no seio das famílias, um facto que pode ser ultrapassado com a construção de um novo sistema de captação e distribuição do líquido, segundo apurou o Jornal de Angola junto dos habitantes dos bairros afectados e da empresa gestora da água da província do Uíge.

Clamor popular

No bairro Mbemba Ngango, mais de 10 mil habitantes buscam água nas cacimbas e no único chafariz construído pela administração municipal na zona suburbana. O fontanário tem capacidade para abastecer três mil metros cúbicos. Entretanto, é incapaz de cobrir a demanda da população. “Em épocas chuvosas consumimos água dos poços artesanais e das chuvas. Nesta época seca essas fontes ficam sem água e o único recurso é no chafariz, onde não é fácil conseguir a água devido ao engarrafamento”, disse à nossa reportagem a moradora Angelina Soares, de 38 anos de idade.

A situação é a mesma vivida no bairro Sonangol, onde mais de 15 mil habitantes dependem, também, da água dos poços tradicionais que nesta época ficam sem água e a população faz do rio Loé o único recurso para adquirir o líquido para consumo.

O Jornal de Angola apurou não existir qualquer fontanário nesta zona, que regista um crescimento gradual dos seus habitantes. Suzana Afonso, 42 anos e mãe de cinco filhos, vive na Sonangol há 10 anos. Disse ser uma tarefa difícil nesta época seca conseguir água.

Via JA

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