A Casamansa (Senegal) e o povoamento dos Kongo do poderoso Reino do Kongo no século XIX

Por Justes Axel Samba Tomba

A região de Casamansa localizada no sul do Senegal, tendo fronteira com a Guiné-Bissau e a Gambia, uma ex colônia portuguesa até 1908 para ser cedido aos franceses, foi povoada pelos Kongo, escravizados liberados vindo do reino do Kongo, a partir da primeira metade do século XIX.

Durante o comercio negreiro entre os séculos XV e XIX, o golfo de Guiné, começando do norte atual de Angola, até as costas do sul da atual Mauritânia, foi um
dos grandes caminhos do tráfico negreiro para as Américas.

Nesse golfo de Guiné, como já é conhecido pelos vários historiadores, o poderoso reino do Kongo Dia Ntotila e seus vassalos (reinos do Loango, de Kakongo, Ngoyo e Ngola), foram os maiores fornecedores dos escravizados de 1520, ano do apogeu (1) do comercio negreiro nesse reino até no final do século XIX, durante o tráfico clandestino nas Américas sobretudo organizado pelos portugueses e brasileiros.

Segundo os dados de Davis Eltis (2), entre 1676 e 1800, entre as regiões fornecedoras dos escravizados no golfo de Guiné, a região África Central, foi a primeira e a maior fornecedora dos escravizados com 2473 ,8 mil escravizados, sendo contribuída a ela sozinha a África Central, a 37, 4% do todo comercio negreiro naquela época.

Contudo, após três séculos de efervescência do comércio negreiro, começou a partir no final do século XVIII, a nascer uma consciência de luta contra esse tráfico criminal e a partir daí, as campanhas abolicionistas começaram no mesmo período, com britânicos nos movimentos como a Society for the Abolition of the Slavery.

No ano de 1833, com essa pressão dos abolicionistas, o congresso britânico aboliu o comercio negreiro em todas as colônias do Reino Unido. A partir de 1815, o Reino Unido, em primeiro lugar, entre as potencias escravistas, foi o campeão da extinção do comercio negreiro, fazendo essa cruzada com tanto ardor, que ele manifestou-se durante os períodos que ele praticou esse comercio. É preciso dizer que, o monitoramento e as pressões exercidos pelos britânicos sobre negreiros, foram tão fortes, que esse ‘‘comercio vergonhoso’’ tornou-se quase impossível naquele momento.

Foi nesse sentido, que os britânicos obrigaram aos portugueses a assinar um tratado para diminuir o fluxo do comercio negreiro, quando Portugal tergiversava de abolir o comercio negreiro.

Assim, foi assinado o tratado de Viena de 22 de janeiro de 1815 entre Portugal e Inglaterra ratificado no dia 8 de junho do mesmo ano, no Rio de Janeiro no Brasil, que obrigou a supressão do tráfico ao norte do Equador (África Ocidental) e autorizou o comercio negreiro no hemisfério sul (África Central e Meridional) para abastecer em mão de obras, as colônias portuguesas da América.

A partir daquele momento do século XIX, o Kongo e seus vassalos tornaram-se o maior mercado dos escravizados no comercio negreiro na África inteira. Os números do banco de dados indicam que de 1816 a 1851, o total de escravizados desembarcados nas Américas provenientes de Luanda representavam mais de 71%, enquanto os de Costa da Mina (Gana, Benin, Togo atuais) representavam menos de 1% do total.

Então nessa cruzada abolicionista britânica, as unidades marinheiras de combate ao tráfico negreiro como a British Anty Slave Trade Squadron e a British Navy patrulharam costas da África na região de golfo de Guiné na África Ocidental de 1815 até 1865.

Por esta razão para usá-lo como base traseira para as cruzadas contra os navios negreiros, que os britânicos ‘compraram’ o território de Sierra Leone, e deram o nome de Freetown (cidade livre) à capital dessa colônia de então. E os franceses fizeram o mesmo com a capital atual do Gabão, Libreville, que serviu de base traseira contra otráfico negreiro, quando a França aboliu a escravidão em 1848.

Entre esse período, essas duas unidades da marinha britânica capturaram nas costas da África Ocidental, os navios negreiros provenientes do reino do Kongo Dia Ntotila e da África meridional a partir de 1844.

Os escravizados que estavam a bordo, a maioria Kongo, foram liberados e instalados em Sierra Leone e em Casamansa no Senegal atual em 1844. Os povos Kongo instalados em Casamansa, que naquela época era administrada pelo Portugal junto com a Guiné Bissau, povoaram essa região senegalesa guardando suas
tradições e recebendo dos povos locais os Jolas, outras tradições para adaptarem-se ao novo meio ambiente.

É preciso dizer que antropologicamente falando, os povos Bantu cujos Kongo são caraterizados pelo dinamismo social, que consiste a dialogar entre suas tradições de origem e as tradições nativas para poder criar um diálogo e integrarem-se na sociedade, sem poder esquecer suas tradições iniciais e influenciado também a sociedade acolhedora.

Os Kongo de Casamansa são bem diferentes fisicamente e sociologicamente dos Jolas nativos. A maioria dos Kongo de Casamansa são cristãos e tradicionais, contudo os Jolas são mulçumanos. Por exemplo, a maioria do senhores de guerra em Casamansa são Cristãos. De ponto de vista da pele, os Kongo de Casamansa são de pele preta clara, enquanto os Jolas são de pele preta escura como o resto dos senegaleses nativos.

As mulheres Kongo de Casamansa usam geralmente o tecido africano mais usado pelas mulheres na África Central. A arquitetura de casas de Casamansa dos Kongo, é parecida às casas da África Central como as do Congo Brazzaville, de Angola. E mesmo o sotaque na fala de francês, é diferente do sotaque dos senegaleses nativos. Os Kongo de Casamansa contribuíram muito na formação sócio cultural dessa região.

Sendo uma região que luta pela autonomia ou pela independência para os movimentos rebeldes extremos, a Casamansa é bem diferente do resto do Senegal,
sobretudo com quase 30 anos de desconexão direta de rotas com Dacar, por falta de ponte, que obrigava às pessoas a contornar toda Gambia para chegar à Casamansa.

Uma das razões desse conflito, exceto da razões históricas de que a Casamansa fosse uma ex colônia portuguesa e uma parte dessa região fala português sobretudo territórios fronteiriços com a Guiné Bissau, é o fato de que a Casamansa é bem diferente sociologicamente do resto do Senegal como vimos acima com os habitantes Kongo nessa região. E a região também é a mais rica do todo o Senegal, pois ela tem reservas de petróleo e uma boa parte de amendoim do Senegal exportado vem de lá, mas os habitantes sentem-se marginalizados pelas políticas públicas do Estado Senegalês. Por exemplo, foi só esse ano, que foi inaugurado a ponte ligando Dacar à Casamansa.

Na minha opinião pessoal, como desejo a independência pela Cabinda, a Casamansa tem que ser também independente por várias razões evocadas nesse artigo e outras razões não evocadas. Pois não se pode pretender governar um país unificado e harmonioso, cujas autoridades não enviam recursos públicos às outras regiões, enquanto essas regiões são produtoras da riqueza do país, é melhor dar a independência aos próprios povos dessas regiões para governarem-se, como é o caso hoje do Sudão do Sul.

 

(1) NKOUKA MENGA, J.M. Chronique Politique Congolaise: Du Nani Kongo a la Guerre Civile. Brazzaville: l’Harmattan. 1991.
(2) ELTIS, David e RICHARDSON, David (Ed.). Extending the Frontiers: Essays on the New Transatlantic Slave Trade Database. New Haven: Yale University Press. 2008.

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