A organização social Kongo

Por Camilo Afonso Nanizau Nsaovinga

A organização social e política Kongo assemelham – se aos demais estados costeiros africanos antes da presença europeia no continente africano. Os escritos europeus surgidos após este período do final do século XV, e mesmo na segunda metade do século XVI, de forma generalista apontam que este tipo de organização encontrada no Estado do Kongo, teria sido introduzido logo após os primeiros contactos mantidos entre o Estado do Kongo e os portugueses.

Segundo Vansina (1965) no seu estudo sobre Les Anciens Royaumes de la Savane,e Munanga(2009) sobre As Origens Africanas do Brasil Contemporâneo, atestam:

A estrutura política do Kongo do século XVI segue o exemplo das estruturas políticas dos reinos costeiros africanos, cuja característica principal é o Estado com o poder centralizado. O grau de aperfeiçoamento deste reino levou alguns autores ocidentais a pensar que foi criada pelos portugueses no início do século XVI, hipótese que não resiste às provas históricas.

Como se pode constatar nos escritos de Vansina (1965) e Munanga (2009), a realidade política encontrada dos estados africanos nunca foi descrita e tratada tal como tinha sido encontrada. A tendência dos escritos europeus foi sempre a de generalização uniforme do quadro social e político africano, como sendo um modelo único e sem alternativas no seu conjunto.

Porém, a estrutura de base da organização política e social do Kongo, tanto no passado antes da presença europeia, como no passado colonial teve sempre como unidade de base, a aldeia, Lumbu de linhagens matrilineares comuns e colaterais vão formar a Aldeia. Pois, o conjunto de várias aldeias e de Lumbu, familiares dá lugar ao surgimento da Mbanza,o que significa o centro, a aldeia principal, cidade africana por excelência. Finalmente, é esta Mbanza que vai dar nome a capital do Estado do Kongo, Mbanza-a- Kongo. A cidade dos Bakongo. Pois, Zidi (2013, p.89) afirma que em relação ao o topônimo Kongo, este designa também o nome da capital do reino.A capital do reino tomou sucessivamente no espaço e no tempo,os seguintes nomes: Mongo wa Kaila,Nkumba -a- Ngudi,Mbanza-a- aKongo,S.Salvador. Hoje continua a ser o marco histórico memorável de toda realidade sociocultural Kongo.

Entretanto, uma característica geral das aldeias do Estado do Kongo, no passado e na atualidade da identidade Kongo, são as aldeias que preservam ainda o histórico das suas linhagens, a Kanda. Quer com isto dizer, que os seus membros constituintes pertencem ao mesmo chefe de família, fundador da linhagem materna, o antepassado chefe, o Mfumu-a-Kanda. Ele é o detentor do poder familiar e que se vai repassando de tio para o sobrinho dentro das normas e princípios das relações sociais e culturais bakongo. E no quadro do sistema de avunculato. Para Jean-F. Dortier (2010.p.37-38): – É a relação privilegiada estabelecida entre um tio e seu sobrinho, filho de sua irmã. Em muitas sociedades“tradicionais”, o tio deve proteção e assistência particulares ao filho de sua irmã. Com frequência, o tio tem autoridade sobre o sobrinho enquanto o pai tem apenas relações afetivas e amigáveis com o filho. Essa relação foi estudada por Alfred R. Radcilffe-Brown e ainda por Claude Lévi Strauss.

Contudo, esta linhagem materna ou uterina é a determinante do poder familiar, cuja sucessão é de Tio, Ngudi-a- Nkazi, para o Sobrinho, Mwana-Nkazi, filho da irmã uterina. Neste sentido, o tio materno é o Mfumu-a- Kanda, o pai social de todos os seus sobrinhos uterinos e colaterais por parte da irmã ou das irmãs, Mpangi e por alianças. E daí em diante se procede o quadro do poder de sucessão familiar e mesmo político e social.

Para Van Wing (1959, p.84), sobre o conceito da família africana, escreveu: Não existe nenhuma palavra ou um conceito que correspondem ao que nós apelidamos de: família, no sentido restrito de pai, da mãe e dos seus filhos, nem no sentido largo da colectividade de todas as pessoas descendentes de um autor comum. O Mukongo conhece a sua mãe e a clã da sua mãe. A clã da mãe é a clã do filho. Ele conhece o seu pai, é o seu kitata ou kise. Kitata no sentido largo significa a clã do pai; no sentido restrito, é a aldeia onde o Mukongo nasceu (…). Cada clã tem o seu próprio nome. Para nomear as pessoas se diz, zina ou nkumbu. Para significar o nome do clã há três termos: Ndumbululu, luvila, zimi.

Entretanto, destas três designações apenas duas são a mais usuais:

– Ndumbululu, é empregue como um nome de prestigioso pessoal, como nome do clã e da sua origem. Ele deriva provavelmente de lumbulula: fazer conhecer a fundo a sua origem, que deriva de lumbu, o conjunto de casas de um chefe e da sua família. Por exemplo,quando duas pessoas se encontram e como forma de saudação, o primeiro pergunta; Kuna Lumbu? E o segundo responde pelo seu Ndumbululu: Kulele, estamos todos bem. Desta forma se saúdam se identificam partindo da linhagem de cada um e assim ficam, a saber, do estado de saúde dos demais familiares.

– Luvila no singular e mvila no plural são os termos mais empregues dentre os três, por significar o nome do clã fundador da linhagem ou linhagens.

Porém, tratam-se das linhagens matriarcais; Ngudi-mãe; kingudi é a parte materna; Tata, Se-pai; kitata ou kise é a parte paterna. Ngudi-a- Nkazi é o tio materno; Tata-Nkento é a tia paterna; Muana-filho ou filha; Muana-Nkazi é o sobrinho ou sobrinha.

No prosseguimento da compreensão desta organização social e familiar Bakongo, Ngwilu Mpemba ya Musungu (2013, p.17) do Congo Brazzaville, sobre a questão da matrilineagem esclarece:

O mukongo é por natureza matrilinear. Ele reivindica o seu matriarcado que visivelmente se funda na organização social Kongo. A estrutura de parentesco desta organização assenta sobre a luvila, quer dizer, sobre a linhagem, como elemento central. A luvila é a fraternidade, é a irmandade. A luvila é mais alargada que a família e a kanda. Mas, não importa qualquer família, é a família matriarcal. É daí que a Kanda advém sinônimo de Luvila. Assim, cada (di) Kanda se situa sob a responsabilidade de um chefe de família que se chama Mfumu-Kanda, pela sua competência de Kimbuta da (sabedoria ancestral).

Contudo, uma particularidade indispensável para o exercício do poder é a posse do território -Nsi. A terra-Ntoto é a propriedade que lhes foi legada pelos seus ancestrais, os Akulu ou Bakulu. O mesmo que antepassados comuns da linhagem mãe fundadora, ou colateral. O Kimfumu- Poder, só tem sentido entre os Bakongo quando o soberano ou o chefe da Kanda tem a sua população e a território-Nsi. A terra-Ntoto é a fonte de todas as riquezas para melhor governar e sustentar as suas populações e as circunvizinhas.

Nsi, Ntoto, (território e terra) representam entre os Bakongo um dos primeiro marcos de registo para se exercer o poder, cognominado de Kimfumu; Luyaalu. E o seu detentor é o Ntinu-a- Wene. O Senhor detentor de todas as riquezas, incluindo a riqueza humana. E para sê-lo é preciso ter a população para dar-lhe esta credibilidade. O ato de sustentação do poder requer a sua entronização e perante o testemunho da sua população e de outras entidades e populações circunvizinhas que são convidadas para darem testemunho ao acto. O exercício do poder no Kongo requeria a eleição-massola e a investidura-tumbwa. Daí a máxima Kongo:

Kimfumu ma kya tumbwa.O poder requer investidura. Assim, surge o Ntotila, o Soberano Real, que para os Bakongo é o Ntotila-a- Kongo. De acordo com os princípios normativos do Kongo, o acto de investidura ao poder é sagrado, o liga a terra e aos seus antepassados. No sentido simbólico, só assim o torna legitimo.

Contudo, para os Bakongo, a questão de Nsi, Ntoto (território e terra) são indissociáveis do Muntu Homem. A terra que lhe foi legada pelos seus antepassados fundadores do clã ou da linhagem matriarcal. Por isso têm a máxima que diz: Kala ya Ntoto, Kala ya Wantu, Kala ya Nzimbu ye bosi toma.Significa dizer,que um soberano, um chefe da linhagem e da família só se sente realizado quando tem terra,família e dinheiro. É deste modo que o apego dos Bakongo a sua terra, a sua família e ao dinheiro tem origem neste princípio. É um princípio basilar da educação Kongo. A terra liga os seus aos antepassados genitores que primeiro ocuparam este espaço territorial. Foi este princípio basilar Kongo que fez crescer e fortificar o antigo Estado Kongo. A sua localização geoestratégica, os seus recursos naturais, econômicos, e minerais na região de África Central contribuíram para a engrenagem do Kongo.

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