Angolanidade: construção das identidades angolanas

Por Patrício Batsikama

 

 

 

 

 

A formação do território da Angola de hoje é o resultado de uma luta consciente de uma elite diversificada e consciente dos seus objetivos que, em três fases (1961/1975; 1975/1992 e 1992/2002), criaram o Estado angolano. Neste território chamado Angola havia inúmeras identidades patrimoniais que realizaram interessantes dinâmicas com as novas identidades oriundas de fora. Desde então, fervem-se várias propostas identitárias na construção da sociedade angolana.

Para compreender esta construção vertiginosa das identidades angolanas, dividimos os agentes sociais angolanos em “Eu”, “Não-Eu” e “Outro”. A partir deste modelo, confrontamos várias teorias existentes e compreendemos outras.

Etimologicamente, angolanidade pode significar: (1) valores de Angola/angolanos; (2) qualidades dos Angolanos. Ao longo de tempo, o termo foi amplamente utilizado, ganhou outros sentidos e, até hoje, é ainda motivo de releitura. Geralmente, a “pouca história” desta teorização leva-nos a resumir a definição da maneira seguinte: “Angolanidade é a idealização ou tentativa de teorização sobre o Estado-nação angolano”. É na base desta definição que vamos aqui abordar:

Diálogos das Angolanidades 

Do ponto de vista histórico e partindo da definição acima mencionada, houve várias angolanidades, e mencionamos as principais:

(1)  Angolanidade apriorística. Esta teoria – amplamente sustentada pelo MPLA no seu projeto sobre Angola enquanto “Estado-nação” – quer que “todos angolanos constituam uma só nação; um só povo” partindo do pressuposto de que o povo angolano estaria acima das etnias (forma de congregar as partes) e abrindo espaço para africanos, europeus e angolanos “viverem em conjunto”, como um só povo (Staatnation).

(2)  Angolanidade rizomática e angolanitude. Esta teoria – energicamente sustentada pela FNLA e readaptada pela UNITA – afirma que a construção de Angola enquanto Estado-nação partirá das raízes culturais africanas, por um lado em busca do modelo africano (rompimento com a colonização) e, por outro, a independência total (independência cultural, talvez). O Angolano “de fora” (euro-angolano, sobretudo) é convidado, mas secundarizado (kulturnation).

(3)  Angolanidade aposteriorística. Com a americanização do mundo, ou melhor, a democratização consoante do modelo americano – surgem as novas ideias nos anos 90 (do século passado): uns reclamam da participação de todas forças sociopolíticas, outros (na maioria) expressam anti-mplaismo como forma de construir “o país que o MPLA terá destruído”. Aqui, mencionamos todos os outros partidos políticos que surgiram oficialmente nos anos 90 (confrontação de Staatnation e Kulturnation).

Angolanidade apriorística

De forma estruturalista, eis como apresentamos os “agentes sociais angolanos”, partindo das suas heranças e capitais face às dinâmicas históricas: EU/luso-descendente angolano; Outro/afro-angolano. Reparamos que o EU e Não-EU/Eu(-1) são contrários: EU ≠ EU(-1). Isso implicaria que se EU for a língua portuguesa, Não-EU seria língua angolana patrimonial (língua nacional). De modo igual, importa reconsiderarmos OUTRO como afro-angolano pela obra portuguesa (O mundo que o Português criou) que implica a fraternidade entre Angolano e outras colônias africanas. Cada um trouxe um pouco da sua cultura originária.

Consideramos o MPLA/local onde Ambundu/luso-descendente assumem o “Eu”. Quem será o “Não-Eu” e quem poderá ser o “Outro”? Fazendo a pergunta de outra forma, como funcionariam as relações epistemológicas (Bordieu, 1964: 32-34) entre os traços culturais constituintes da “Cultura nacional” entre os diferentes “atores identitários” nessa angolanidade?

Vamos parametrizar as nossas análises num período de 1975-2008 por duas razões: (i) a composição dos dirigentes do MPLA nas propostas dos Acordos de Alvor em 1975; (ii) a composição dos dirigentes do MPLA depois das eleições gerais de 1992 e de 2008. Desse quadro, podemos tirar algumas conclusões que nos façam compreender quem seria o “Eu” (grupo social hegemônico), quem seria o “Não-Eu” (grupo social dominado) e quem poderia ser o “Outro” (grupo social dialógico do “Eu”). Daí, compreenderemos o jogo simbólico do poder (Bordieu, 1989).

Na angolanidade apriorística construída pelo MPLA podemos encontrar as seguintes características dos constituintes[1]:

(a)   “Eu”: assimilado do litoral; luso-descendente[2];

(b)  “Não-Eu”: não-assimilado do interior; angolanos autóctones[3];

(c)   “Outro”: afro-angolano do litoral; português/antigo colono[4]

Angolanidade rizomática e angolanitude – FNLA

A região onde nasce o UPA/FNLA tem características peculiares que não permitiram a implantação efetiva do luso-tropicalismo[5]. A resistência kôngo perante a implantação portuguesa: (i) entre 1492-1497, os Kôngo resistem na forma dos portugueses imiscuírem-se através da evangelização nos assuntos públicos e no trono; (ii) em 1506 outra resistência contra a entronização anticonstitucional de Afonso I Mvemb’a Nzinga; (iii) de 1567 até 1665 vários reis são assassinados pelos portugueses e espanhóis: declínio (Batsîkama, 2012: 242-245); (iv) em 1706 Ndona Beatriz Nsimb’a Vita (Kimp’a Vita), a restauradora do reino, é queimada viva pelos padres católicos.[6]

Como Luanda já estava conquistada e lá tinha uma fortaleza construída, o reino do Kôngo deixava de interessar aos portugueses (cansados com as guerras de resistência) que expandiriam sua autoridade pelo resto de Angola. Tendo o apoio dos E.U.A. (Stockwell, 1979), o luso-tropicalismo era logo desmascarado.

Das quatro constituições hierárquicas da UPA/FNLA (1959-2006)[7], importa salientar esse quadro significativo:

(a)   68,14%: Salvador/aristocratas;

(b)  21,06%: Bazômbo comerciantes;

(c)   3%: Umbundu

(d)  2,8%: Ambundu

(e)   2,33%: afro-descendentes/luso-descendentes

UNITA

Há considerações preliminares por fazer aqui: em 1961, os Umbûndu que trabalhavam nas vivendas dos portugueses instalados no Norte não participaram nas atrocidades de 15 de Março (por manter-se fieis ao patrono colono), e muitos pagaram com a vida.[8] O “Outro” da angolanidade rizomática/UPA conhecera uma ruptura epistemológica com o “Eu/UPA”. Os Umbûndu injustiçados na Frente de Leste pela angolanidade apriorística/MPLA seguirão o mesmo caminho: (i) as prévias relações de cordialidade/cooperação tornaram-se relações de inimizade/conflitualidade; (ii) as dinâmicas históricas e sociológicas providenciarão “amargura” dos Umbûndu em relação as duas angolanidades e seus suportes institucionais (MPLA e FNLA): se por um lado os reinos umbûndu foram criados pelo poderoso kamundôngo[9] Katyavala Mbwîla, proporcionando intercâmbios onde o Norte pretendia dominar o Sul, por outro, a supremacia de Norte (fundador) ora era protestada internamente (entre os Umbûndu), ora era manifestamente posta em causa/duvida[10] quer pela auto-estima umbûndu quer pela novas dinâmicas socioeconômicas (Muekalia, 2010: 187-186); (iii) a necessidade de uma força sociopolítica oriunda do Sul interessa os superpoderosos (E.U.A e U.R.S.S.) nas suas expedições geoestratégicas em relação a África Central/Ocidental, e a popularidade dos Umbûndu parecia-lhes muito significante para suas estratégias em toda África meridional[11].

Essas observações acima mencionadas estão na forja da angolanidade rizomática da UNITA, expressivamente diferente. Preferimos chamá-la de angolanitude por refutar (como a negritude) a sua inferioridade (em relação ao “Eu rizomático/UPA” e “Eu apriorístico/MPLA”) e negar toda sua submissão das outras angolanidades. Dai que Jonas Savimbi sublinhara uma “luta interna a partir de dentro”[12], como forma nocional da sua angolanitude (Savimbi, 1979). Era uma questão fundamental de não perder a sua ancestralidade num mundo tão moderno (Neto, 1997b); construir a “identidade cultural nacional” na base da realidade sociológica angolana onde interviriam os traços culturais umbûndu.[13]

Passamos a estrutura da angolanitude/UNITA:

(a)   “Eu”: Umbûndu

(b)  “Outro”: Autóctone angolano[14]

(c)   “Não-Eu”: Todo angolanizado.

“Não-Eu” pode, filosoficamente, ser considerado como o “Nada” de Sartre.[15] Parece-nos que seria desta forma que se construiu a estrutura ontológica da angolanitude. Essa angolanitude/UNITA pretende romper com as angolanidades,[16] e traz a ideia da existência sociocultural como percepção real da nação/Estado angolana. Assim sendo, apenas “Eu” e “Outro” predominam os suportes existenciais (Appiah, 2010: 67, 68;), ao passo que “Não-Eu” (O “Nada”) que é apenas referenciado[17], e por conseguinte, é geralmente ausente no relacionamento directo entre “Eu” e “Outro”[18].

Em relação às primeiras militâncias[19], nota-se o seguinte quadro:

(a)   93,3%: Umbundu[20] Interior;

(b)  2,62%: Angolano do Centro-Norte/Norte;

(c)   2,33%: Angolanizado africano[21]

(d)  1,73%: Litoral/Ango-descendente.[22]

Angolanidade Aposteriorística 

Essa angolanidade não é original no seu nascimento. Ela se  desenvolve sem originalidade interna. Ela é consequencial (a priori), logo, nela encontramos várias causas, uma complexidade definicional e, sobretudo, uma transformação contínua. Dos traços identitários definidores, essa angolanidade tem uma origem plural: (1) efeitos da democratização/globalização “angolanamente” vividos; (2) as insatisfações dos independentistas na pós-independência[23]; (3) integração econômica e busca de justiça social pretendem romper o statuquo sequenciado pelo nacionalismo administrativo/económico (Pimenta, 2008). Trata-se da angolanidade economicus.[24]

A estrutura dessa angolanidade ainda pode parecer complexa por estar ainda em ebulição. Quem é o “Eu”? Quem seria o “Não-Eu” e, a quem encontramos características de “Outro”? Se reparamos bem, cada angolanidade responde a uma linha peculiar na categorização desses constituintes, o seu cruzamento aqui devera responder a uma teoria coerente (partindo das angolanidade/teorias estruturantes diferentes).

No período que surge essa angolanidade, o capitalismo torna-se condicionado pelas dinâmicas do petróleo (e produtos derivados) e diamante[25]. Razão pela qual esta angolanidade parece-nos mais econômica e, por conseguinte, neo-capitalista.[26]

(a)   “Eu”: economicamente assumido pelo “Eu/apriorístico”; territorialmente o “Eu/rizomático”, “Eu/angolanitude” e “Eu/apriorístico” estão em contínuo duelo.[27] Esse duelo parece dinamizar e integrar as diferentes angolanidades;

(b)  “Outro: economicamente, temos “Eu/rizomático” e “Eu/angolanitude”; na perspectiva do território, parece parcialmente ser “Eu/apriorístico”/luso-descendente e afro-angolano.

(c)   “Não-Eu” passa a ser “Eu/rizomático” rural, “Eu/angolanitude” rural e “Eu/apriorístico” rural e periférico.

Como podemos notar, o cruzamento de cada agente nessas diferentes angolanidades não parece estabelecer seu espaço comum exclusivo. Os espaços aproximam-se na construção da angolanidade. Contudo, notamos:

(a)   Pseudo-intercâmbio dos “Eu”: a politização desse discurso faz com que a estruturação nos seja inviável. Apesar do elemento “finanças” promover o “Eu” apriorístico, a sua hegemonia é ainda instável perante o “Eu” rizomático e “Eu” da angolanitude[28] por outras razões;

(b)  Incompatibilidade de “Outro”: as funções dos “a priori ontológicos” confundem-se entre “Outro” e “Não-Eu”, por um lado. Por outro, as realidades definidoras das dinâmicas relacionais são incompatíveis, e o seu percurso histórico é intermitentemente conflitual.

(c)   Distanciamento das partes em “Não-Eu”: a dialéctica entre os “a priori ontológicos” contribui mais para afastamento de um de outro, pelas suas naturezas estruturais conflituosas; o diálogo é neste momento uma pausa musical[29], quase nulo nos momentos/espaços que envolvem centros de “habitus definidor” de “Não-Eu” comum.

Resumindo, a construção das identidades na angolanidade fundamenta-se na “vontade” de querer viver em conjunto (National Feelings) e, sobretudo, na expressão que os próprios angolanos (no sentido de “aqueles que vivem no espaço territorial chamado Angola”) enquanto “associados desta Angola”. Esta expressão está em todos os planos:

  • Cultural: conhecer a “Cultura” do Outro como “ponto de diálogo laico”, que é “démarche” de partilha de um mesmo “bem” e de reconhecimento ao Outro como condição fundamental de “querer” viver em conjunto.
  • Social: aceitação daquilo que é diferente a si como forma de construir – no modelo de vida – a mesma sociedade diferenciada nela mesma, dinâmica face as outras e em permanente reconstrução (consequente dos desafios).
  • Político: a “coisa pública: res publica” é construída pelas diferenças através de meios e concorrência de ofertas de “bem-estar global” no mosaico popular, com uma periodicidade e toda sua simbologia/crenças (ideologias).
  • Econômico: a justiça social – alcançável a partir de vários programas de oportunidade e de uma cidadania inclusiva – reconhece dois factos: (i) desigualdade ontológica (pessoas são herdeiras de capitais diferentes e desiguais) como dinâmica interna; (ii) igualdade dos “desiguais” perante as normas para alcançar o “bem-estar” individual.

[1] Partimos dos pressupostos de Pierre Bordieu: (i) construtivismo onde o “mundo social” funcionam partindo das estruturas que coagem na ação e na representação dos agentes (indivíduos); (ii) habitus são construídos socialmente e identificam-se através de um conjunto comportamental. As dinâmicas como aportes do tempo proporcionam alianças entre as partes.

[2] Importa salientar que o “Eu apriorístico” é potencilamente económico, por descendência: as famílias Lara, Silva, Machado, Almeida, Martins, Pereira, Coutinho, Magalhães, Santos, Lemos, Ferreira, Neves, Rodrigues, Galiano, Cruz, Espírito Santo, Prado, Braga, etc. (Lopo, 1965: 16,17, 18)

[3] Partimos do pressuposto que os afro-angolanos viviam mais no litoral e nas centralidades urbanísticas onde tinham, de facto, espaço. No interior, o seu estatuto levava-os na categoria de um “sub-angolano”, por não ter linhagem local. São autóctones por se oriundos só de Angola.

[4] Principalmente aqueles que constam na lista dos indicados para constituir o Governo, nos Acordos de Alvor.

[5] Conhecem o Discurso sur le Colonialisme de Aime Cesaire; Peau noire, Masque blanc, de Franz Fanon; e, já nos anos 70, conhecerão a Autobiography de Kwame Nkrumah; etc. Luso-tropicalismo não compactua com as ideologias prescritas naqueles livros. Outra coisa: Portugal sendo considerado o “menos civilizado” ou mesmo “Bárbaro” para França, Bélgica, Inglaterra… era visível o “desdém” dos militantes da UPA perante a cultura/civilização portuguesa.

[6] Os padres são: Lorenzo da Lucca e Bernardo da Gallo.

[7] Começa-se na fundação da UPA, a da FNLA, do GRAE, do GURN ate a morte do líder Holden Roberto. Dai para cá, há muitas dissidências que não nos facilita, ainda, estruturar comodamente.

[8] Há tese de que se tratava de tribalismo/racismo, tal como Marcos Kassanga o sustentara no caso de João Baptista Traves Pereira, o General que liderava na cidade de Bêmbe. Este terá sido assassinado.

[9] A expressão (kamundôngo) significa “Gente de Ndongo” (Coelho, 2009); “gente de cima” (aquele que habita nas montanhas sagradas). Por conseguinte, serão respeitados/reverenciados.

[10] Jonas Savimbi era presidente quer de Nzawu Puna, quer de António Dêmbo (o primeiro é kôngo de Cabinda, e o segundo foi kôngo de Bêngo: ambos de Norte).

[11] Caminho de Ferro de Benguela juntava dois oceanos através de Angola/Zâmbia e de Moçambique/Zâmbia. Logo, o Sul de Angola interessa os dois super-poderosos.

[12] MPLA e UPA/FNLA eram partidos no exílio e gastavam grande parte dos seus orçamentos para fora. UNITA, pelo contrário, nasce dentro (Dino Matrosse acha que UNITA nasceu na Zâmbia) e pretendia sua luta em Angola e concentrar os seus orçamentos ao favor dos angolanos.

[13] Esse era o princípio da cosmogonia umbûndu: na terra dos Umbûndu devem vigorar as suas leis (usos e costumes). Eis a razão pela qual Savimbi parece não poder compreender “luta da libertação” a partir de fora, no caso de MPLA e UPA/FNLA.

[14] Aqui, angolanitude inspira-se na versão de Hegel (retomado por Sartre): “O ser Para-si só é Para-si através do Outro”. Dai o “Nada” (“Não-Eu”), nesse caso, não existe, não serve para nada.

[15] Estamos a referir a obra do existencialista intitulada “L’Être e le Néant”. Traduzimos aqui o “Néant” por “Nada”. “Ser-atrás-de-aparição” reflecte ao “Não-eu” que, para integrar-se na Angola, buscou “ilusões ultra-mundo” (luso-tropicalismo, por exemplo). Ser, seria o “Eu”, e o Nada” seria aqui “Eu(-1)” ou ainda “Não-Eu”, caso interpretássemos bem os conceitos (Sartre, 1973: 12).

[16] Da mesma forma que “L’Être et le Néant” rompeu com o tradicional pensar francês nos anos 40-50 do século XX.

[17] Jean Paulo Sartre dizia: “Quando penso no meu amigo Pedro, este deixa de existir realmente. Ele passa a ser passivo” (Sartre, 1940[1973]).

[18] Não é necessária a presença de “Ele” quando “Eu” e “Outro/Tu” estiverem a conversar. Logo o “Ele” que é assimilado ao “Não-Eu”, pode ser presente/ausente nas realizações.

[19] Em titulo de exemplo, citamos o anexo V. Consultamos, também outras estruturas de 1975 até 2002: mudou pelo facto da integração de luso-descendentes e afro-angolanos.

[20] Margaret Anstee coloca na boca de Dr. Jonas Savimbi o seguinte: “Nós somos Ovimbûndu. Vivemos 300 anos debaixo das humilhações do norte, de Van Dúnem e de outros. Já chega. Os Ovimbundu apoiam-me a cem por cento e eu estou preparado para morrer por eles… Dos Santos nem sequer é angolano, ele é de São Tomé. Não podemos viver debaixo do jugo dos mulatos e dos Kimbundu” (Anstee, 1997: 364). Sobre Anstee aconselhamos consultar o dicionário de Martim James, 2004.

[21] Os angolanos de origem africana: aquele cuja origem está misturada com proveniências duvidosas.

[22] Nesta categoria, incluímos os luso-descendentes. Para perceber como eram excluídos, importa mencionar o que Margaret Anstee coloca na boca do Salupeto Pena estas palavras: “iria para ruas e que mataria todos os portugueses que encontrasse… Os estrangeiros eram ‘assassinos e racistas’, apoiantes de mulatos…” (Anstee, 1997: 362).

[23] Citamos o caso dos ex-militares: coloca-se três questões: (i) quer seja da FAPLA, quer da ENLA que da FALA, todos eles são na responsabilidade do Governo/MPLA; (ii) o ponto precedente, dá a impressão de que apenas os da FAPLA/MPLA são melhores beneficiários, gerindo assim descontentamentos e manifestações; (iii) injustiça social que eles sofrem frustra-nos por não ser integrados confortavelmente na sociedade. Isto é, por um lado. Por outro lado, assiste-se a um duelo entre: (i) os favorecidos e desfavorecidos económicos; (ii) integrados socioculturais dos centros e os imergentes socioculturais oriundos das periferias.

[24] Assiste-se a uma angolanidade apenas funcional por questões económicas, e não cultural. Logo a sua identidade é mais económica do que cultural: opera-se aqui uma larga crise de valores endógenos.

[25] Jonas Savimbi sustentou a sua guerrilha com diamante. Rafael Marques publicou um relatório interessante acusando governantes e altas patentes das FAA enriquecerem-se com “diamante de sangue”.

[26] Angolanidade economicus está ligada aos seguintes traços neo-capitalistas: (1) distracção e facilidades; (2) vícios financeiros; (3) degradação da cultura judaico-cristã ocidental; (4) imediatismo. Em suma, assiste-se a crise de identidade nos “a priori” ontológicos (“Eu”, “Não-Eu” e “Outro”).

[27] Trata-se de uma questão psicológica e social ao mesmo tempo. A identificação de cada constituinte implica, por conseguinte, uma tendência hegemónica: idealização identitária.

[28] Rafael Marques tem publicado no seu site www.makaangola.org vários relatórios denunciando a corrupção e enriquecimento ilícito dos “Eu” apriorísticos.Em relação a este activista aconselha-se Martin Jamas, 2004. Neste dicionário, menciona-se, também, Folha 8 (James, 2004: 55) e William Tonet (James, 2004), etc. que são mais “críticos” em relação ao poder do central do MPLA.

[29] A “pausa” na música não significa a ausência do som/música. Assim nos parece haver um diálogo mudo entre os “a priori ontológicos” que aqui intervêm.

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