Da origem ao declínio do Reino do Kongo Mielo Miankananga1 (O Marquês de Katendy)

Por Dr. José Carlos de Oliveira

 

Jose Carlos de Oliveira l

Este foi o tempo do reverendo John H. Weeks, que antecedeu em Banza Kongo o reverendo George Grenfell (1878), dentro das estruturas da Baptist Missionary Society que, por sua vez, antecedeu por três anos a prolongada permanência do missionário católico António Barroso (1881) e o tenente Faria Leal (1896), na capital Kongo, a partir do terceiro quartel do século XIX. Qualquer deles, conheceu de sobremaneira, as vicissitudes que tiveram de passar para conseguirem manter as relações amistosas com políticos e homens de negócios kongo. Naquele tempo, as notícias tanto de Inglaterra, França, Bélgica, e de Portugal demoravam muitos meses a chegar à foz do rio Zaire. E por vezes, quando aí chegavam, já algumas resoluções haviam sido localmente tomadas e os missionários mais do que ninguém, tinham de encontrar soluções adequadas à sua continuada permanência.
A fotografia com que começa o presente capítulo é de um ilustre kongo, com reputação reconhecida entre os homens de negócio kongo e europeus conhecido entre os seus por Elelo, o Rei dos Panos (lele em kikongo). Estes epítetos laudatórios e outros títulos nobiliárquicos, reflectem de sobre maneira, o ascendente dos valores ocidentais e como os kongo os assumiam. Outro dos grandes chefes guerreiros referidos por Faria Leal (1914) é Álvaro Kiga, soba de Pangala. Álvaro Kiga era filho de Dª Ana de Água Rosada (com outro nome em Kikongo), rainha viúva de D. Pedro V, D. Garcia Bumba, soba de Banza Puto. Depois vinham os filhos e os sobrinhos, sobas Tulante do Luvo, na Madimba e Mfutila (ou N’Miala) do Zombo e Sengle, como fidalgos hereditários. Seguiam-se-lhes Capitão, Catende, Muicote e Nemisse, em postos de comando; Nembambu, Nepango, Kiangala, Neusala e Nemuandu, títulos de segunda nobreza2.
Mesmo a questão do título de marquês só era atribuído a quem comandava os guardas das marcas ou fronteiras de um Estado. Só a alta nobreza o podia utilizar e acima dessa honraria só a de duque havia, uma vez que o título de conde lhe estava logo abaixo. Assim, antes de vir a ser D.Pedro V de Água Rosada, Elelo era Wene Katendy,para os seus e Marquês de Katendy para o governo de Luanda. Prova que as diplomacias (tanto inglesa como portuguesa) nada deixavam ao acaso na transformação politico religiosa da ideologia Kongo.
 
  D. Pedro V de Água Rosada conhecido entre os seus por Elello, (o rei dos Panos) Ntotela, Ntinu a Kongo e Weni W’ezulu.
Foi o último rei do Kongo, que conservou todas as prerrogativas inclusive a de mandar executar um réu no célebre tronco da árvore Yalankwo3. Tinha o cognome de D. Pedro V ou D. Pedro de Água Rosada. Ultimamente, o soberano do Kongo, já tomado de receios do que lhe viesse a acontecer em termos do poder ancestral representado pelos nkisi (estatueta kongo “encarregada” de transmitir a justiça divina), materializada pelos minkisi, que podemos traduzir pelo conceito de oráculo, embora não seja a mesma coisa, mandava os condenados para fora de Banza Kongo, mais propriamente para Banza Kimanda, afim de que o soba local, espécie de algoz, procedesse à execução.
Foi também no seu reinado que aconteceu a Conferência de Berlim e, a partir daí, começou o esfacelamento dos domínios Kongo e se efectuou a reocupação de S. Salvador, por tropas e autoridades portuguesas.
Resumindo, esta contribuição para o conhecimento da cultura tradicional Kongo não tem outra pretensão senão procurar sintetizar o que já se sabe, optei assim, pela apresentação do capítulo O Reino do Kongo em três fases distintas relativamente à sua existência que incidem sobre a fundação do reino do Kongo e se prolongam até aos primórdios do século XX. Nesta perspectiva, apresentarei, de seguida, uma pequena epítome, de cada uma das fases supracitadas:
(1º) O Antigo Reino do Kongo – trata-se da fase que corresponde aos mitos da sua génese, à sua implantação e independência, assim como à afirmação simbólica, que se entende (dentro das informações compulsadas) ter-se iniciado por volta do século XV e termina, com fases intermitentes de maior ou menor independência, por volta de meados do século XIX. Basicamente, neste espaço temporal, exerceram os europeus e em especial os portugueses, enorme pressão económica, cultural e religiosa, sobre os povos da Bacia Convencional do Zaire, como ficou conhecida pelas potências coloniais a área do espaço geográfico, (considerando como elementos estruturais a exploração de matérias primas e o comércio liberal) ocupado pelo rio Zaire, seus afluentes e confluentes.
(2º) O Reino do Kongo dya Ntotila ou Ntotela: Esta fase corresponde ao declínio dos contactos diplomáticos portugueses pois uma vez estabelecida a confusão das potências negociantes e depois ocupantes, se tivermos em conta as suas próprias formas de entender o processo socioeconómico, os meios materiais e intelectuais de que dispunham, a experiência anterior adquirida e especialmente a capacidade de adaptação física que permitiu, com o tempo, um mais profundo internamento no sertão e uma menor dependência dos autóctones. Foi o caso dos portugueses, ao verem-se envolvidos no processo de mestiçagem física. Os estrategas da expansão marítima sabiam das suas vantagens e desvantagens. Do que se tem escrito, sou mais sensível ao século XIX; aqueles que contactaram, por períodos mais ou menos longos, com as populações ultramarinas, ajudaram a entender melhor as relações sociais e económicas que se desenvolveram naquele século, altura em que se intensificaram as explorações científicas na Bacia Convencional do rio Zaire. Foi o período das grandes caravanas, incluindo as que escondiam já os desígnios da ocupação com o intuito da repartição de África pelos poderes europeus, a chamada expansão colonial africana. Embora esteja uma panóplia documental por “descobrir”, há que regozijarmo-nos dos muitos dos documentos legados, por exemplo, as cartas geográficas dos acessos portuários, dos relevos, entre outras, através das quais, as potências coloniais trocaram informações de relevante importância. Este tipo de documentação, reputada do maior interesse, foi sempre sigilosa e nela residiram informações que permitiram a exploração de matérias-primas, defendidas a todo o custo pelos potentados negros.
(3.º) O Reino do Kongo dya Xingongo e dya Gunga: O último quartel do século XIX, é a fase da consolidação diplomática cristã, junto do então rei do Kongo, conhecido, em todas as terras do kongo, por Elelo, (o rei dos Panos) Ntotela, Ntinu a Kongo e Weni W’ezulu (1859-1891). Entretanto, o Estado Português vinha já de há muito, tomando progressivamente conhecimento das mais secretas informações, numa fase que iria prolongar-se durante décadas, repletas de percalços, até à fixação do imposto de cubata, por volta do início da segunda década do século vinte. Dedicarei maior atenção a esta fase por ser nela que repousam documentos essenciais de cariz científico, testemunhos vivos, visto tratar-se de um passado mais recente.
Comentário

1 Comment

  1. Boa noite
    Dr Jose Carlos de Oliveira
    desejo que me envie relatorios que fala sobre kimpa Vita
    Nome do seu pai e mae onde nasceu ,como cresceu, documentos escritos pelos padres Bernardo Di Gallo e Lourenzo de luccas e outros.

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