Ingombota: uma análise toponímica

Por Patrício Batsikama

Geralmente, os especialistas defendem que o topónimo Ingombota significaria “local dos foragidos”. O termo seria composto de “ngômbo” (foragido, em kimbûndu) e de “kûta” (estabelecer-se, em kimbûndu). Óscar Ribas defende essa versão (Ribas, 2014:192). O professor Washington Santos Nascimento, na sua Tese de Doutoramento, fornece-nos a versão de “ngamba”, que é “escravo”. Com isso, percebe-se porque Ingombota foi tido por vários autores, Ladislau Batalha por exemplo, como “local dos escravizados foragidos” (Batalha, 1889:12). Essa é a “Tradição” que chegou até nós.

Uma informação adicional e fundamental nos situa melhor, ao indicar Engombota – em 1668 – entre o jardim do actual palácio do Governo Provincial de Luanda e a Igreja do Carmo (Cardoso, 1954:13).

Qual seria a razão que levaria a que, na sua fundação, as Ingombotas significásse “Local dos escravizados foragidos”?

A Batalha de Mbwîla data de 1665, é a resposta possível e historicamente correcta. O rei do Kôngo Vit’a Ñkânga foi morto na gruta de Nzenzo (Uige) – depois de ter sido heroicamente protegido pelos jovens militares – e a sua cabeça foi levada à Luanda para ser enterrada na Igreja da Nossa Senhora de Nazaré. Os relatos apresentam-nos informações preciosas, em relação a isso, entre as quais a instalação dos militares nessa zona. Mas antes da chegada destes militares, as populações que lá viviam – na zona entre o actual término de autocarro (ao pé do Governo Provincialde Luanda) e a Universidade Lusíadas de Angola – praticavam comércio, especificamente “troca de nzimbu com outros dinheiros e produtos oriundos do interior”. Essa troca fazia-se debaixo das árvores chamadas de mutâmba (Grewia Welwitschii Burret). Óscar Ribas nos dá uma explicação interessante: “a denominação resultou de um enorme tamarindeiro, ou regionalmente, mutamba, aí existente, e a cuja sombra negociavam quintadeiras” (Ribas, 2014:286). Não é por acaso que até nos dias de hoje há “Rua dos Mercadores” (nos Coqueiros). Por outro, as relações antigas apontam a exstência – a partir do actual edifício do Ministério das Finanças – daas árvores Raphia laurentii (um tipo de palmeira), Raphia textilis Welwitcha (Palmeira-bordão). Ora, sabe-se que desta árvore os locais poderia tirar o vinho (maruvu/malavu), cobrir as suas habitações (Óscar, 2014: 310; Pigafetta, 1591:37, 39-40) e, acima de tudo, buscar as fibras que servem para fabricar o lubôngo.

Com esses dados, acho que Ingombota não significaria “Local dos escravizados foragidos” da forma como a informação chegou até nós. A minha contrargumentação fundamenta-se no fundo histórico destes foragidos da Batalha de Mbwîla e das outras circunstâncias, nas actividades realizadas na Mutâmba (antes de 1668) e na reconstrução sociolinguística do próprio termo.

Primeiro, se for “Local dos escravizados foragidos”, deveria fornecer “peças” aos negreiros: entre 1666 e 1710 Luanda exporta mais de 207.809 escravizados (Rinchon, 1921). Os relatos e códices na Biblioteca municipal de Luanda e no Arquivo Histórico Ultramar em Lisboa dão provas de que Ingombotas continuou povoado (embora não tenha escapado, de alguma forma) a pesar do comércio negreiro. Por outro, os comerciantes europeus que visitaram Luwânda e os religiosos que aí operam apresentam “imundices” de um povo que gastam muito dinheiro para adquirir aguardente e vivem precariamente apesar de ter acesso aos bens. Ngômbo enquanto militares de patrulha ou assemelham-se da descrição do Jagas feita em 1584 pelo Francisco Medeiros (ANTT, Proc. 2522, fl.134). Mesmo quando foi criada a Capela do Espirito Santo em 1628, assinala-se militares com descrições de Ngombo e mesmo na Cidade Alta (actualmente no Jardim).

Ingombota: (1) “I” é prefixo locativo; (2) “ngômbo” não significa “foragido” da forma que nos é contado. Deriva do velho kimbûndu, hômbola ou kômbola que significa “trocar” ou “comerciar” (Maia, 2010:148). Ou, melhor “negócio de dinheiro”: Kombo ta, uma vez que “kuta” significa comerciar moeda (Maia, 2010:148): Ingombota quer dizer “local dos mercadores”. De salientar que os Ngômbo transportavam os cobre (makuta) entre outros objectos comerciáveis para as feiras (mercados).

Os ngômbo eram “militares da patrulha” ou militares que vinham até a zona de Mutâmba antiga para trocar “produtos dos seus Chefes” (Jadin, 1965). Entre 1646-1647 os Holandeses observaram que a antiga Mutamba (entre Governo Provincial de Luanda, Universidade Lusiadas e Mayânga) continham “mercados-chão de nzîmbu e lubôngo” com marfins/mpûngi (Dapper, 1685). Razão pelas quais uns são mbûmba, outros são chamados de ndêmbu, há quem que são agrupados em Nsôngo, Nzengo, etc.

Por último ngômbo que tem o proto-bantu +omb, relaciona-se com: (1) “comércio; economia; finanças”; (2) “pastoricia; exploração; guerra/vida militar”. Jan Vansina é de opinião que os primeiros reinos em Angola nasceram com uma personalidade nkani (nós defendemos que seja nkayi) que é acompanhado pelos nkômbi ou ngômbe tidos como chefes militares possuidores de riquezas (Vansina, 2015:108-107). Partilhamos essa posição, na verificação sociolinguística.

O termo “kuta” que se junta a Ngombo é discutível, também. Há uma hipótese interessante: o nome de “cobre” que os Ndêmbu utilizavam como dinheiro quando se instalaram em Luwânda, depois da Batalha de Mbwîla que equivalia a 30 réis português ainda em 1685. Sabe-se que uma das razões desta Batalha de Mbwîla foi a disputa das minas, pois nesta zona existiriam minas de cobre. Ainda há uma linhagem, entre os Kôngo, que se denomina “Ngômb’e Kuta” que é a ramificação de Mayaka (Cuvelier, 1934). Seria nesse caso receoso limitar a compreensão de Ingombota no mosaíco mbundu apenas. A própria anatomia social de Luwânda entre 1668-1800 apresenta-nos uma divergência “étnica”, pelo facto de ser uma cidade portuária que fornecia imensas peças de qualidade para o Tráfico negreiro.

Na nossa humilde opinião Ingombota significaria “Local onde os mercadores de dinheiro se instalaram”. Não se tratava de escravizados. Eram nobres senhores! Tratava-se de chefes militares: “Ngômbo kuta” significaria – em kimbûndu ou kikôngo antigo – mercadores de dinheiro, antes de passar a significar “militares foragidos” e não “escravizados foragidos”. Rua dos Mercadores terá sido precedida por eles.

Apenas abrimos o debate. Nada mais!

Bibliografia

ANTT Inquisição de Lisboa, Processo 2522, fol. 144, Veja o testemunho de Francisco de Medeiros, 4 Junho 1584

BATALHA, L. (1890), Costumes angolenses, Lisboa

CARDOSO, M. (1954), São Paulo de Assumpção de Luanda, Luanda

DAPPER, O. (1668), Naukeurige Beschrijvinge der Africa gewesten, Amsterdam

JADIN, L. (1968), “Relations sur le Congo et l’Angola tirées des archives de la Compagnie de Jésus, 1621-1631, “Bulletin de l’Institut historique belge de Rome 39

PIGAFETTA, F. (1591), Descritione de Regno de Congo e delle circonvincini contrade, Roma

RIBAS, O., (2014), Dicionário de regionalismos angolanos, Luanda: FenaCult

VANSINA, J. (2015), Como nascem as Sociedades, Mediapress: Luanda

Comentário

Seja o primeiro a comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*


Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.