Os Loangos ou Bantu da África central e Simón Bolívar na história da libertação escravagista e colonial da Venezuela(XVIIII-XIX séculos)

Por Justes Axel SAMBA TOMBA (*)

 

 

 

 

 

Após a penetração portuguesa na África a partir de 1415 em Ceuta no período das expedições e a chegada do comerciante português Diego Cão em 1482 no porto natural de Mpinda na província de Soyo do Reino Kongo na África central; o poderoso do Kongo Dia Ntotila estabeleceu uma relação igualitária de amizade com o Reino de Portugal em 1485, a partir da segunda viagem de Cão.

“O Passado nunca passa. É nossa consciência que às vezes, o recusa pela ignorância ou pelo Interesse” disse Matondo Kubu Ture, um sociólogo do Congo Brazzaville. É nessa perspectiva que vou falar dos fatos históricos escravistas dos Loangos em Venezuela com Simón Bolívar.

Com efeito, nessa relação igualitária que começou em 1485 entre os reinos do Kongo e de Portugal, o tempo de alegria não demorou, pois a partir de 1501 começou oficialmente, no Reino Kongo, o comércio transatlântico liderado pelos portugueses, segundo o professor Georges Balandier no livro dele: “A vida cotidiana no Reino do Kongo dos séculos XVI-XVIII”, Paris, Hachette 1962. Naquela época, os escravizados Bantu, foram para ilhas de São Tomé e Príncipe e o Brasil. Precisa dizer que o Reino do Kongo e vassalos dele, eram um dos principais fornecedores dos escravos, senão o primeiro durante todo o comércio triangular.

A partir de 1510, o rei de Aragão (norte actual da Espanha) passou um mercado aos comerciantes portugueses baseados na África central envolvidos no comércio transatlântico para fornecer 200 escravizados por ano, nas colónias espanholas da América.

E em 1518, outro soberano espanhol Carlos I conhecido como Carlos V (de Hamburgo) promulgou o “Asiento do Negro”, esse direito oficial ou autorização que deu aos comerciantes portugueses negreiros para vender escravizados africanos nas colónias espanholas da América e mais tarde, a Holanda forneceu também escravos Loangos para essas colônias.

É neste contexto que, milhares dos escravizados Bantu do Reino do Kongo Dia Ntotila e vassalos (Reinos de Loango, Ngoyo e Kakongo) cerca de 5 a 10.000 escravos por ano, foram deportados para as províncias de Venezuela e Maracaibo (actual Venezuela) e outros lugares das colónias espanholas e portuguesas da América.

Assim, segundo o professor venezuelano-cubano José Millet da Universidade Simón Bolívar (USB), na chegada nas costas venezuelanas, há uma ilha (no atual estado de Falcón) que se chama Caribe, que serviu de depósito dos africanos Loangos e de outros grupos africanos, que em seguida foram encaminhados à terra firme, começando para povoar as costas do actual estado de Falcón.

Outros escravos Loangos ou Bantu, em grande parte, foram transportados na região de Barvolenta, onde está concentrada hoje as comunidades Afrodescendentes e as tradições ancestrais delas mais importantes no actual estado de Miranda e na região de Caracas (capital atual da Venezuela). E como sempre na toda história escravagista, houve revoltas no âmbito de alcançar a liberdade, os escravizados Loangos ou Bantu, uma vêz chegados em Venezuela, começaram também rebeliões para se libertar.

Mas antes de falar disso, preciso lembrar que a palavra “Loango” era um termo genérico usado na Venezuela e Guiana holandesa, para designar escravizados que vieram de África-central, sobretudo das costas Kongo e vassalos. Como por exemplo, na ilha de Curaçao, os escravos de África-central foram chamados “Pretos Loangos”. E vários escravizados tiveram como sobrenomes de “Loango”, como Francisco Loango, Manuel e Simón Loango, na história colonial da Venezuela, segundo Alain Charier no livro dele intitulado: “Le Mouvement Noir au Venezuela: Revendication identitaire et Modernite,
2000, P.160).

Então falando das revoltas anti-escravagistas, em 1749, houve uma revolta dos escravizados liderada por Miguel Loango em Caracas. No atual estado de Falcón, houve um cenário das insurreições escravagistas, cuja a mais importante, a alta simbólicamente, foi de 10 de maio de 1795, que protagonizou os
afrodescendentes contra a escravatura e o domínio imperial da Espanha em Venezuela.

Entre revoltados, houve em primeiro lugar: o Zambo José Leonardo Chrino e o capitão de marrom Jozeph Charidad Gonzalez, chefe do batalhão Kongo ou Loango, que se escapou da armadilha de Curaçao, perto do território de Falcón. E em segundo lugar, houve vários grupos dos afrodescendentes escravizados. E este território de Falcón é ligado na história das várias rebeliões dos africanos e Afrodescendentes Loangos e outros grupos africanos na Venezuela colonial.

Falando de Simón Bolívar com seus soldados africanos e Afrodescendentes, cujos Loangos ou Bantu na luta de libertação colonial, preciso dizer que o destino de Simón Bolívar confundiu-se cedo na infância dele com africanos e Afrodescendentes que eram escravizados nas propriedades da família dele, nomeadamente, Hipólita Bolívar, que amamentou ele e a Matea Bolívar, ensinando-o muitas coisas na sua infância, um tipo de educadora. E Bolívar reconheceu numa carta enviada a irmã dele, o papel da primeira escravizada (que não foi totalmente considerada como escravizada, mas um membro da família) como a pessoa que alimentou a vida dele e reconheceu a segunda como “mãe e pai dele”, que o acompanhou nas várias batalha. Esses destinos cruzados de Bolívar com africanos e Afrodescendentes sucederam-se, até nas lutas de libertação de uma grande parte da América latina.

Após crescer, estudar em Venezuela e Espanha e casar-se com María Teresa até a morte desta, no dia 22 de janeiro de 1803, o jovem Bolívar dedicou-se a viajar, pela segunda vêz, para Europa no mesmo ano. E foi ao longo desta viagem, que em 1805, em Roma na Itália, que Bolívar prometeu solenemente diante do ex-professor e do primo da falecida esposa dele, de lutar contra os espanhóis, a fim de libertar a terra natal dele.

Assim em meados do ano de 1807, quando Bolívar voltou para Caracas, ele encontrou lá, vários transtornos políticos com a instabilidade da Coroa espanhola. Daí, ele lançou-se nos vários papéis de lutas e tratados, para alcançar a independência de uma grande parte da América latina, como a Venezuela, Colômbia, Bolívia, Equador, Panamá e Perú.

Nessas lutas, o Bolívar, libertando os países espanhóis da dominação espanhola, ele teve nas tropas dele, pretos do grupo étnico Kongo ou Loango do antigo Reino do Kongo de África Central (actuais República do Congo ou Congo-Brazzaville, República Democrática do Congo, Angola e Gabão), que foram antigos escravizados venezuelanos e haitianos, quando Bolivar fugiu para Haiti.

E são aqueles Kongo-haitianos e Venezuelanos que ajudaram Simon Bolívar na luta dele contra os espanhóis. Aquelas tropas africanas Kongo e de outros povos africanos lutaram em 1816 a partir do porto de Jacmel, e ganhando a independência dos 5 países espanhóis. E no dia 17 de dezembro de 1830, Bolívar morreu em Santa Marta, Colômbia, após ter sofrido de tuberculose. Matea compartilhou com a família do herói morto, a grande tristeza, que os dominou. Ela com uma idade bem avançada, assistiu aos segundos funerais do Libertador, em 1842,  ao lado do então presidente José Antonio Paez.

Pessoas em Caracas foram surpreendidas com a longevidade de Matea, que acompanhou o então Presidente da República, Antonio Guzman Blanco , quando se mudaram os restos do Libertador da Catedral de Caracas para o Panteão Nacional em 28 de outubro de 1876. Matea teve então 103 anos.

E é importante dizer que as duas ex-escravizadas da família Bolívar, a saber: Hipólita Bolívar e Matea Bolívar, entraram, em março de 2017, no panteão nacional da Venezuela, ao lado de Bolívar, em Caracas, graça à vontade do governo boliviano. Facto muito raro na história das Américas, de ver escravizadas negras entrar no panteão nacional de um país, talvez é o primeiro caso, pois nós já vimos que o sistema racista faz com que vários afrodescendentes que lutaram pela liberdade desses países, não beneficiaram
estátuas, nem homenagem nas avenidas, nem fala nos programas de história das escolas e universidades.

É importante saudar essa iniciativa do governo bolivariano da Venezuela que elevou duas Afrodescendentes na fila de heroínas nacionais.

Em suma de tudo que foi dito, podemos dizer que, entre os africanos que chegaram em Venezuela durante época colonial, os Loangos marcaram mais a história da Venezuela nas lutas contra o inferno escravagista e colonial. Eles foram e são um dos componentes na construção da actual sociedade Venezuelana ao lado do Libertador Bolívar.

E hoje, a herança dos Bantu da África Central está presente e forte na Venezuela, como as religiões afrodescendentes Palo Mayombe (que lembra o nome da grande floresta equatorial ao sul do actual Congo Brazzaville, esta floresta faz parte do território do reino actual Loango), Birimba ou há uma divindade chamada Loango, o carnaval de Callao no estado de Bolívar com o desfile Las madamas (Mulheres vestidas com pano africano) que lembra as mulheres com roupas Kongos ou a dança da rede ou de Hamac que lembra as danças Kongo.

(*) Historiador e pesquisador do Congo Brazzaville

 

Wizi-kongo

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