Portugal em Mbanza Kongo

Por Leonel Cosme

O Novo Jornal de Luanda noticiou que num encontro, em Lisboa, decorrido no dia 5 de Dezembro, o Ministro da Cultura português, Luís de Castro Mendes, garantiu à homóloga angolana, Carolina Cerqueira, a prontidão de Portugal no apoio à candidatura de Mbanza Kongo a património mundial.

No mês anterior, na capital da província do Zaire, tinha ocorrido um colóquio internacional centrado na história daquela cidade, que reuniu historiadores de vários países estudiosos dos antigos reinos da África subsaariana. Aliás, a candidatura da antiga capital do reino do Kongo já fora apresentada em 2007, no contexto de uma mesa-redonda internacional centrada no lema “Mbanza Kongo, Cidade a Desenterrar para Preservar”, cujo dossier as autoridades angolanas haviam submetido à consideração da UNESCO.

“Desenterrar”, historicamente falando, as “pedras mortas” da também chamada, pelos portugueses, ainda no século XVI, Cidade de São Salvador, é como que exortar o ministro português da Cultura, que já representou Portugal na UNESCO, a lembrar, angolanos e portugueses, que a colonização de Angola começou com a chegada de Diogo Cão, em 1482, ao reino de Manicongo, Nzinga-a-Cuum. E mesmo hoje— decorridos mais de 40 anos desde que a antiga colónia conquistou a sua independência, sobrenadando catarses e revanchismos que ocasionalmente afloram em mentes não apaziguadas —, continuará a valer dizer que com o navegador Diogo Cão, primeiro na sua chegada, em 1482, à foz do Rio Zaire, o Rio Poderoso — facto gravado nas rochas de Yelala —, e em 1486, numa segunda viagem, a visita, já esperada, à corte do Manicongo, na cidade interior de Mbanza Kongo, se estabeleceram os laços de um relacionamento de mútuo interesse que frutificou, para ambas as partes, durante algumas décadas. O curso da história iniciada em Mbanza Kongo só mudou substancialmente, nos interesses e objectivos, após a chegada das caravelas de Paulo Dias de Novais à ilha de Luanda, em 1575.

Nesta altura, já Diogo Cão tinha sido votado a um deplorável esquecimento, na pátria que ajudou a celebrizar e em que não se sabe mesmo quando e onde morreu — provavelmente por não ter conseguidointerpretar, no meio das suas jornadas gloriosas, a par da evangelização dos autóctones, porventura o grande objectivo do rei D. João II: encontrar um caminho para o lendário reino cristão de Preste João, algures na Etiópia; um segundo desejado caminho para a Índia, produtora de especiarias apetecidas na Europa, tais como pimenta, cravo e canela; e para Portugal, no Congo e outros reinos a conquistar: ouro, prata e escravos, que começaram a ser necessários na exploração da Ilha de São Tomé.

Falando-se, hoje, desse considerado

Tempo Pré-Colonial, é obrigatório referir Diogo Cão e a sua acção em Mbanza Kongo, pelo que foi e dela sobreveio: a implantação da religião católica por frades missionários que com ela confrontaram as crenças tradicionais, ao mesmo tempo que disseminavam a língua, tradições e práticas dos portugueses, verificáveis logo na maneira como se manifestavam os primeiros emigrantes idos de Portugal para se fixarem no território: pedreiros, carpinteiros e agricultores, graças aos quais a mbanza-cidade natural foi recebendo contornos das urbes portuguesas. Mas para a ideia do que era Portugal, o não menor contributo foi dado pelos quatro nativos que Diogo Cão cativara na sua primeira  viagem para os tornar “emissários” no regresso, após uma demorada estadia no Convento dos Loios, onde foram instruídos sobre Portugal e a sua acção no mundo.

Os resultados viram-se depressa: o Manicongo e seus príncipes adoptaram nomes portugueses no seu baptizado na fé católica, tendo o renomeado D. Álvaro I chegado a escrever ao Papa Urbano II, falando-lhe certamente dos milhares de baptismos já realizados e da primeira igreja do reino construída em 1549, elevada a Catedral em 1596. Neste contexto, o maior significado para uma população que secalculava de cerca de 100.000 habitantes foi obviamente o da visita, em 1992, do Papa João Paulo II.

Enfim, o homem viajado e de cultura que é o ministro Castro Mendes não deixaria seguramente de defender que nem todos os cronistas e historiadores portugueses pecam por alheamento ou desmemória. E no que respeita ao navegador Diogo Cão, o Ministro que também é poeta e, como diplomata, passou por Angola, não deixaria de referir grandes poetas, como Luís de Camões e Fernando Pessoa, que, tendo “navegado” também por África, distinguiram o primeiro como um dos fautores das glórias nacionais.

A causa do alheamento de muitos outros, portugueses e angolanos, terá sido — parafraseando Pessoa, no fim da “Mensagem” — o Nevoeiro e a não chegada ainda da Hora de reconhecer, como asseverou recentemente o escritor e filósofo camaronês Achille Mbembe: “A história de África baseia-se no que chamei de ‘circulações’. As nossas culturas foram produzidas ao longo do tempo pelo movimento, a multiplicidade e a junção de elementos aparentemente heterogéneos e incompatíveis.”

Não foi sempre assim a história da humanidade?

Via NJ/ As Artes entre as Letras.

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