SERÁ MBÔNGI’A ÑGÎNDU A ESCOLA DAS CIÊNCIAS POLÍTICAS NO ANTIGO KÔNGO?

Por Patrício Batsîkama

Na sua obra, Doutreloux define mbôngi como a residência do Chefe. Fukyawu kya Bunseki argumenta na sua Tese que mbôngi seria uma Filosofia política no antigo reino do Kôngo. Raphaël Batsîkama que nos falou abundantemente sobre mbôngi é de opinião que seja Escola de Administração Pública, onde jovens aprendem a gerir o património público e manter a integridade simbólica. Reformulamos a pergunta: o que é mbôngi?

Na nossa pesquisa – bibliográfica e etnográfica – percebemos que todas as informações à respeito culminariam numa só: Mbôngi’a ñgîndu seria uma Escola onde se ensinava a Filosofia do Poder no antigo reino do Kôngo.

Essa é o desafio que temos, ao publicar esse texto, com suporte bibliográfico de fácil acesso. Já o termo ñgîndu significa: (i) pensamento; (ii) cálculo; (iii) memória. O termo deriva do verbo yîndula que, a sua vez, significa: (i) examinar ou analisar; (ii) reflectir ou raciocinar; (iii) calcular ou conjecturar; (iv) combinar ou concertar; (v) prevenir obstáculo; (vi) explicar bem uma coisa.

Etimologicamente, Mbôngi’a ñgîndu é uma escola onde aprende-se a prevenir os obstáculos, analisar informação profundamente e encontrar nela instruções, examinar metodologicamente vários factos e categorizá-los para melhor construir uma explicação. Das nossas explorações bibliográficas e etnográficas, percebemos que a Escola Mbôngi’a ñgîndu tinha três ciclos, e cada um compunha níveis escolares que determinavam a evolução dos alunos.

Neste artigo, tentamos reconstruir o 1º ciclo na base das informações existentes, mas com um olhar crítico. Tentaremos de descrever as classes deste ciclo, com algumas contextualizações, para perceber como era percebido o Poder no antigo reino do Kôngo. Era obrigatório que os funcionários públicos passassem uma formação antes de se candidatar, principalmente aqueles que almejavam os cargos de administradores municipais ou governadores de províncias. Mpôlo’a lêmba era a instituição que escolhia os candidatos para cargos públicos, e outra para avaliar o dossier dos candidatos. Uma das provas obrigatórias foi de certificar-se se o candidato tinha passado pela escola das Ciências políticas – mbôngi’a ñgîndu – que, aqui, realçamos apenas o 1º ciclo.

Mbôngi’a ñgîndu: 1º Ciclo

Se a filosofia nasceu – na Grécia, embora não partilhemos essa ideia – por apresentar modelos de formulação lógica nas perguntas e procurou obter respostas coerentes para formular argumento e compreender a existência, há pelo menos duas preocupações que inquietariam todo ser pensante: (1) quem sou eu, de onde sou oriundo e, depois da morte, o que será de mim?; (2) como o mundo surgiu ou, quem o criou com todas as espécies que povoam nele?

Daí surge a figura simbólica de um Deus criador, associando as criações da Natureza com a criação do homem. Iremos começar essa questão de “Escola de Ciências Políticas” com a explicação básica sobre o “conceito de Deus e origem da vida”. Pensamos que isso nos situe melhor. Depois abordaremos a explicação da própria escola, Mbôngi’a ñgîndu. No fim deste texto faremos uma sucinta crítica à luz das teorias genéricas sobre a origem do Poder (Aristóteles, Weber, etc.), para verificar se há ou não alguma originalidade em Mbôngi’a ñgîndu.

Conceito de Deus e origem da vida

Entre os Bantu em geral, há quatro domínios onde se manifestam o Espírito da Existência que doravante chamaremos por Espírito de Deus ou simplesmente por Deus. Entre os Kôngo, podemos apresentar o quadro que se segue:

DEUS — (Terra/Nzambi) —(Águas/Kalunga)—(Ar/Mbumba)—(Sol-Luz/Nsuku-Nsundi)

A expressão “Nzâ ya mbi” parece explicar a origem do Espírito que vivificou a existência terrestre e estruturou-a, na forma como o homem muntu-angolano o entende. Derivado do verbo yâmba [ou zâmba], o substantivo Nzâmbi implica a ideia de fixação e de edificação primitiva: a criação da terra por um Espírito maior que esta última. Por isso, os Kôngo chamaram por Mbâmba ou Mbâmbi as terras da origem. Interessante ainda é o sentido da sociedade estruturada no velho kimbundu que se dizia nzamba. Isto é, sociedade humana com leis (jiku ou nsiku são oriundas dos ancestrais, divindade) e com hierarquia sagrada/respeitada. Este mundo invisível predefine o comportamento humano.

As águas estão associadas à criação do homem: argila e água. Acredita-se que o espírito de Deus esteja nas águas e é chamado de Kalûnga, termo que se confunde com as águas profundas (mar) em kimbûndu9 . Curioso ainda é que o termo lûnga designa espermatozoide em várias línguas Bantu e não apenas no velho kikongo.

O ar que se respira marca a presença de Deus. Isto é, asfixiar traduz-se por “privar alguém do Espírito de Deus”. Da mesma forma que o ar é sentido, mas não pode ser visto, Mbûmba que criou o homem não é visível. Em kimbûndu, temos o termo mbungulu que significa: (a) divindade; (b) Espírito das trevas; (c) Génio que habita no ar10. A verdade é que encontramos a mesma raiz ûng que está no Kalûnga anterior.

Finalmente, Nsûndi é o nome que os ancestrais Kôngo davam a Deus dos Céus [algo por alcançar], pelo pacto das chuvas e da luz do sol. No kimbundu antigo, o termo sundu11 que equivale ao nkundu dos Umbundu quer dizer “origem térrea do Ser Humano”. Sinónimo de nsûndi é nsuka: a luz da aurora e, simultaneamente, a luz do crepúsculo. O termo Nsuku designa o “Grande Espírito” no velho kimbûndu. Associase nele a divindade masculina/feminina, caso nasça o casal gémeo/Ñsîmba e uma gémea/Nzuzi. Isto quer dizer, gémeo/Sol e gémea/Lua para identificar a atemporalidade de Nsuka/Nsundi. Em suma, o espírito de Deus aparece, desaparece e reaparece: que são os três momentos do ciclo teosófico.

Quer dizer com isso que, Deus é origem de tudo, na concepção Bantu. E, visto que eles acreditavam que o homem seja espiritualmente oriundo do Espírito de Deus [convém deixar claro que não é uma cópia cristã], a existência reparte-se em: (a) Pre-existência; (b) Existência activa; (c) Pós-existência.

Os quatro domínios de Deus têm uma importância na construção da Filosofia e a sua ligação com o Homem quer com a Pré-existência (Espírito), quer com a Existência (Corpo) e ainda quer com a Pós-existência (Vontade). Convém salientar a correspondência metonímica que há entre (1) Existência = “despontar-do-sol” = Corpo; (2) Pós-Existência = “aparecer-do-sol” (zénite) = Vontade; (3) Pré-Existência = “desaparecer-do-sol” = Espírito.

Como podemos notar, o Espírito de Deus é a forma de designar a origem da Inteligência, razão pela qual este Espírito no homem habita na cabeça, mas também no coração. Dito de outra maneira, a Inteligência é racional (cabeça) e sentimental (coração). Por isso, os Kôngo aprendem que a inteligência deve ser acompanhada de valores. Os espaços do saber que proporcionam a inteligência são: terra, ar, águas e luz/fogo.

1º Ciclo

Começamos com a seguinte pergunta: quem poderia candidatar-se para a primeira classe do 1.º Ciclo na Escola de Filosofia do Poder (Escola de Administração Pública).

Depois da iniciação de puberdade – nzo’a lôngo, nos rapazes e nzo’a ñkûmbi nas raparigas – haviam duas possibilidades de inscrever/matricular os recém-iniciados a essa escola. A primeira consistia na orientação pedagógica de um terço dos assistentes e iniciadores da puberdade. A segunda possibilidade partia da família, caso o recém- iniciado assim optava. Partia-se do pressuposto que o inscrito/matriculado na Escola terá mostrado algumas habilidades em termo de raciocínio nas iniciações anteriores.

No primeiro ciclo, o programa visa a treinar os alunos a dominar o “conhecimento introspectiva” para prepará-los em dominar as três dimensões do coração (na cosmogonia kôngo). No que diz respeito a periodicidade, cada nível escolar (classe) levava três mbângala, o que se traduz por um ano e meio.

A primeira classe era chamada ngânda ou ngûndu (ou Kingûndu). Isto é, “local de meditação”, ou melhor “ciência dos cálculos e dos dizeres”. A meditação é uma aprendizagem que passa por sete ou nove fases. Com objectivo de os alunos perceberemse que o indivíduo é plural, composto de: o corpo, o espírito e a vontade. Para isso, quatro “disciplinas” são fundamentais para permitir que cada aluno se perceba disso. As disciplinas são: kimôyo, kiñtima, kimwânda e kiñtemo.

1. Kimôyo: a vida é essencialmente a presença do Espírito no corpo, de maneira que kimôyo é definido como “vida corrente”, ou “existência activa”. Aqui o indivíduo aprende que o Espírito de Deus no Homem proporciona a Inteligência que se cultiva, aprende-se na humildade e pratica-se assiduamente para ganhar experiência idiossincrática. Kimôyo é a fase que se desenvolve o “Pensamento lógico”, a partir de exercícios relacionados ao concreto (cálculo): compreender a vida com realismos e espírito lógico.

2. Kiñtima: é “Pensamento afectivo” por associar a Razão lógica à Razão sentimental. Trata-se do coração afectivo – quer dizer ñtima – para especificar que a Razão é uma construção lógica da verdade que precisa de quatro virtudes: amor (luzolo), coerência ontológica (kimuñtu), beleza (wete) ou sinceridade/honestidade (lûdi) e bondade (ñkôndo’a kimuñtu). Aprende-se os valores e a construção da personalidade de um futuro funcionário público (empregado do povo ou gestor dos bens públicos).

3. Kimwânda: os quatro Espíritos de Deus (consoante o seu domínio: águas, ar, luz/sol e terra) determinam o mwânda do indivíduo que depende do local de nascimento (luvila/linhagem, sobretudo e o clã territorial) e as condições natalícias (tipo de parto, sinais pré-natais, etc.). Aqui os estudantes aprendem a assimilar as leis dos ancestrais e praticá-las, tanto como aprendem as normas e outras práticas necessárias.

4. Kiñtêmo: traduz-se por luz interior ou luz espiritual (no secular e no religioso) que emana do coração puro e de uma análise correcta. Pressupõe-se que quem assimilou as virtudes, percebe-se que não há dicotomia entre palavra e acção, entre enunciado e matéria ou entre imagem no Espírito e a realidade. Cultiva nela a capacidade de receber a informação sem ideias pré-estabelecidas, opta pela honestidade de interpretar as instruções e, consequentemente, esforça-se à emitir uma crítica desinteressada na informação recebida. Os estudantes terminam essa disciplina conectando os saberes oriundos dos quatro domínios da Inteligência (Espírito da Inteligência; Espírito de Deus).

Existe uma coincidência aqui, em relação a terminologia: kimoyo, kiñtima, kimwânda e kiñtemo. Todos estes termos significam coração, mas com diferentes nuances. O termo môyo, junta o coração com o Espírito de Deus enquanto ancestralidade (origem do Espírito). A palavra ñtima (coração) está ligada com a consciência por causa das leis que o indivíduo aprende e que deve aplicar16. O vocábulo mwânda traz a ideia de que o Espírito de Deus no homem deve ser visto pelas práticas. Por normas, todo possuidor de Espírito deve desenvolver-se (mwânda significa isso). Esse conceito tornase exigente uma vez que os alunos devem constantemente ser avaliados em três aspectos: rapidez de reflectir e tranquilidade em responder as perguntas, capacidade de desenvolver questões e profundeza do coração nas suas nações. Finaliza-se com kiñtemo, e isso implica que todos os aprovados na primeira classe sejam ñtemoni. Isto é, jovens que brilham. Os iluminados, pelo facto de conhecer os “segredos” (do Espírito de Deus), visto que aprenderam os métodos de construir e discutir ideias sapientes.

Em cada disciplina, um ngânga (especialista) específico e conjunto de ñlôngi (professores) pautavam pela deontologia profissional em administrar as suas aulas, com amor, abnegação e entrega total. As suas aulas e outras actividades foram fiscalizadas.

Vamos recapitular

A primeira classe – kiñgûndu – consiste em fornecer aos alunos ferramentas para desenvolver as suas capacidades intelectuais. Nesse nível, o secular e o religioso são sincategoremáticos e distinctos imultaneamente. Todos que aprovam de classe percebemse de dois aspectos. O primeiro sabe fazer análise das coisas com fundamentos lógicos. O segundo aspecto é que, com esse treino ele irá integrar a segunda classe do 1.º Ciclo cujo objectivo é, através de prática, desenvolver capacidades que lhes facultam construir interpretações da Existência.

O ñtemoni (quem terminou a Primeira Classe do 1.º Ciclo) é considerado “iluminado pelo coração leve e veracidade do conhecimento alcançado. Isto é, ele alcançou o ñtima, a ferramenta para o pensamento lógico. Coração/ñtima implica isso. Também, o coração diz-se mbûndu. Como ver-se-á adiante, trata-se de um complemento.

A 2ª Classe do primeiro Ciclo assenta-se nas disciplinas que requer maior capacidade de raciocínio. Como as etimologias dos termos indicam, as aulas dadas centram-se no desenvolvimento cognoscitivo dos estudantes:

a. Sûngulu: significa inscrição, título, categorização ou ainda visão dedutiva (exposição lógica). Deriva do verbo: (i) sûnga: compreender algo, discernir, separar o verdadeiro e o falso; (ii) sûngula: ter disposição de espirito (para reflectir sobre um assunto difícil), construir uma concepção; (sûngika: apresentar uma ideia assente na razão; falar na base da verdade (do coração) e argumentar com máximo realismo num tribunal para ganhar a causa. Numa só palavra, sûngulu é arte de aperfeiçoar o discurso/ideia partindo de um exercício lógico complexo, de uma comparação sobre diversos factos e de dedução assertiva à partir de probabilidades.

b. Ñgîndu: que significa lógica (de forma estricta) deriva de: (i) yînda: compor, escrever um discurso; proclamar as leis ou fazer elogio fúnebre com honestidade; (ii) ser pensativo, reflectir; (iii) yîndula: examinar, calcular, combinar; (iv) yîndula: enganar-se na combinação, relembrar o erro e corrigir este erro de forma metodologicamente correcta; fazer uma revisão/crítica sobre as falhas numa concepção/ideia construída. Isto é, ngîndu resume-se na arte de calcular, examinar as contas, organizar os números e repartir simetricamente consoante as partes.

A 2ª Classe treina a matemática – aritmética – e aproxima o argumento à beleza dos cálculos elementares de adição, substracção, divisão e multiplicação. A “ciência dos cálculos e de dizer” seria a tradução de ngîndu uma vez que apresenta o problema e a resolução do mesmo mediante os cálculos. Os reprovados são aproveitados por outras funções, ou integram noutras escolas que correspondem às suas competências e capitais adquiridos.

A 3ª Classe do 1º Ciclo chamada Mbôngi compõe-se por três disciplinas, nomeadamente: (a) Kiñsîku – jusfilosofia; (b) Mpûsu’a lulêndo; (c) Mbôngi. A duração de cada disciplina não era diferente. A primeira implicava três mbângala, como nas classes anteriores. Mas mpûsu’a lulêndo demorava o dobro do tempo da disciplina anterior. Isto é, aproximadamente dois anos e três meses. Em relação a última disciplina, não há registo claro pelo menos nas referências consultadas por nós. Dependia do plano didáctico exclusivo dos ngânga e ñlôngi, uma vez que a Classe a seguir cingia-se em colocar os jovens entre si em permanente debate – num espaço chamado Mbôngi, para avaliação de outros ngânga e ñlôngi – onde se avaliava as suas capacidades de raciocinar, as virtudes que cada um expunha. A seguir a descrição destas disciplinas:

1. Kiñsîku: os Kôngo aceitam que as leis são severas, mas admitem também que não ferem os valores. Kiñsîku significa, na linguagem popular, “legalidade das normas” e, simultaneamente, designa o “local onde se estuda as questões ligadas as leis”. A génesis das leis/normas cristaliza-se no diálogo entre vontades contrárias. Os alunos aprendem a simbologia deste diálogo através de diferentes histórias das linhagens, fundação de aldeias e, também, através de instrumentos “musicais” principalmente com o batuque masikulu e o som das mãos. Cada som é um código cujo significado eles aprendem. Aqueles que aprenderem essa nova linguagem são chamados de nsîki. Mas isso não implica que tenham aprovada. Abrimos aqui entre parêntesis dizendo que “tocar batuque” diz-se correctamente sika ngôma. Nota-se aqui o verbo sika que significa “dictar as normas, as leis”. Fechamos os parêntesis. A aprovação requer debates profícuos fazendo referência as linguagens gestuais e sons codificados além de reflectir sobre as leis de cada linhagem e reflectir sobre quais leis optar em caso de convivência de várias linhagens. Os aprovados são Artigos Livres 487 Transversos: Revista de História. Rio de Janeiro, n. 15, Abril. 2019. chamados de nsîki-nsîki17. Isto é, são realmente capacitados para argumentar obedecendo os critérios e as virtudes, tanto quanto interpretar as leis sem intensões deturpadoras.

2. Mpûsu’a lulêndo: que, alguns dizem ser Mbôngo’a ñtalu, é o “trofeu” que todos nsiki-nsiki almejavam. Trata-se de um pano veludo que na verdade é insígnia do Poder no Kôngo. Raphael Batsîkama traduzia a expressão Mbôngo’a ñtâlu por “Política económica” e, explica-nos ele, nesta altura os estudantes aprenderem quatro principais matérias: (i) a importância dos dispositivos do desenvolvimento; (ii) mercado como espaço de concorrência e as leis relacionadas; (iii) dinheiro e espaços do Poder económico; (iv) gestão dos recursos (humanos, serviços, dinheiros, etc.) e do património (riquezas). Apesar destas informações estarem confirmadas por outras fontes18, pensamos que a expressão mais antiga terá sido Mpûsu’a lulêndo que significa a mesma coisa. O termo mpusu é mais antigo do que lubôngo.

3. Mbôngi: tem três sentidos, na verdade: (i) casa mortuária, espaço sagrado onde se confecciona as leis e se determina os horizontes da sua aplicação, assim como o funcionamento das instituições que velam pela lei: Tribunal, Escola de Direito Público; (ii) Espaço sagrado que junta os estrangeiros, onde se efectua o pacto dia musûngwa para deliberar as leis dos clãs territoriais recém-constituídos (à luz das exigências entre os Ñlêmbe em relação as novas linhagens formadas derivativamente); (ii) Escola das Artes: música, dança, escultura, arquitectura e caligrafia. Por se tratar de linguagens, a música e dança são úteis nas cerimónias – quer as de candidatura e quer as de investidura – ao passo que a escultura é para confecionar as esculturas/leis, cujos motivos geométricos são autênticas mensagens que podem ser descodificadas por qualquer iniciado que tenha passado as duas primeiras classes. A arquitectura (construir casa, mbôngi) também é uma aprendizagem nessa disciplina. Fukyawu fala de ntungasani para designar as actividades de mbôngi.

A Terceira Classe era decisiva. Durante as lições de Kiñsîku o programa pedagógico era orientado consoante vários objectivos pedagógicos convergentes. Mas principalmente, aprende-se a essência das leis, a sua origem metafísica e a sua contextualização social. A legalidade nasce de dois domínios: (i) valor simbólico da conduta dos ancestrais que determina a integridade territorial; (ii) o concerto simbólico dos vivos cuja dinâmica parte de um pacto regularizado (um tipo de Tratado). Os Espíritos dos Ancestrais, os Espíritos da Natureza e o Espírito de Deus (consoante os domínios acima citados) concorrem, também. Desde nzo’a lôngo ou nzo’a ñkûmbi, os jovens aprendem a comunicar-se através da dança. Retoma-se aqui esses ensinamentos da iniciação da puberdade, mas num outro olhar. Os instrumentos musicais são considerados como ferramentas comunicacionais das leis irrevogáveis bem específicas. Daí, a dança enquanto espaço de interlocução simbólica – no Mundo dos vivos – torna-se uma linguagem de suma importância por estar ligada às leis (sîka ngoma). Na parte dos Ancestrais, o som é sagrado: palavra falada, ou palavra tocada. Para os vivos, o som é a voz dos Ancestrais ou de Deus. Basta dominar os códigos, os alunos comunicam-se bem e são considerados de Ñsiki. Essa arte distinguirá os estudantes que poderiam manter uma longa conversação gestual sem referir uma única palavra. Essa disciplina almeja formar pessoas competentes na interpretação das leis ancestrais, na confecção das novas leis consoante as demandas. Isso quer dizer que se trata, a priori, de “pensadores virtuosos” com propósito de enriquecer o debate, com fim de encontrar solução em diferentes demandas sociais, na elaboração das “leis necessárias”. É nessa qualidade que os alunos se tornam ñsiki-nsiki, logo depois de aprovar a essa disciplina.

As aulas da disciplina Mpûsu’a lulêndo inclinam, especialmente, nas questões do Poder, Liderança e Gestão. Há um mito que associam essas aulas com a palmeira mavûsu e, curiosamente, as aulas passam-se num espaço cuja paisagem rica em palmeiras à rafia. Realçar, também, que mavûsu significa algodão, cuja plantação embeleza a paisagem dos espaços das aulas. Os alunos aprendem também a fabricar o tecido veludo (não muito diferente do pano-moeda) e o famoso pano do Kôngo que os Portugueses encontraram em 1482 e que os Holandeses estimaram tanto no século XVII19. Nas crónicas de Pigafetta/Lopes, compilações de Cavazzi e tantos outros, trata-se de Raphia gentilii plantados nos espaços específicos. Balandier é da seguinte opinião sobre a importância desta planta:

Assim, em todos os lugares são as dádivas da palmeira: nas cercas e telhados das casas, nas armadilhas de caça e armadilhas de pescadores, no Tesouro público como na roupa, na cosmética, na terapêutica, na alimentação e, enfim, no sistema de símbolos que ligam os homens entre eles e os homens a seus deuses.

Essa Raphia gentilii assim como o algodão (com que se fabricava o pano de veludo) diz-se mvusu em kikôngo ou ainda mpûsu, e as suas funções no antigo Kôngo são várias. Por essa razão as crónicas consideram os jovens que frequentam o mbôngi como fidalgo, pela vestimenta, retórica, comportamento, etc. Na verdade, os aprovados vestem veludo, como símbolo do êxito e podem já intervir nas questões públicas de menor escalão. Por isso, na 4ª Classe, para simbolizar o último ano do 1º Ciclo, todos os estudantes vestiam-se com pano luvôngo ou mpûsu22. A sociedade olhava neles com algum respeito por serem futuros funcionários públicos, realça-se que o termo luvôngo ou mpûsu significa “valor, respeito e honra.

Na 4ª Classe, todos os aprovados no Mbôngi construíam – num espaço vasto – várias casas grandes que chamam de Mbôngi. São locais de debates assíduos situados perto das tumbas dos ancestrais. É justamente deste Mbôngi que os autores se limitam em falar entre os quais, Rui Pina, Duarte Lopes (Filippo Pigateffa), Bernardo da Gallo, Raimundo Dicomano, etc. E identificam os estudantes/mbôngi como “fidalgo”. Eles apreciam, sobretudo, essa Escola que comparam com Ágora grego, no caso de Rui Pina, Duartes Lopes, etc. Em cada mbôngi estava lá os iniciadores (professores/ñlôngi e sacerdotes/ngânga) para avaliar os estudantes. Estes fiscalizadores verificavam se os estudantes desenvolviam outras competências e tornaram-se autónomos em termo de conhecimento.

Na verdade, a 4ª classe era uma “mini-escola” de Direito, onde aprendia-se duas disciplinas principais: (1) Direito Económico e Fundiário; (2) Direito Público. Vamos descrever os pontos principais para cada lição, com sugestões bibliográficas de autores que já tenham abordado diferentes temas à esse respeito.

Comentário

Seja o primeiro a comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*


Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.