VIAGEM AO BEMBE E DAMBA de 1912 – Ocupação militar e administração local

 

Por José Cardoso – Governador do Distrito do Congo Português em 1912

 

…Os serviços de ocupação dos territórios que constituem o distrito do Congo, e em especial a ocupação daqueles que ficam para sul do rio Zaire, têm sido feitos com uma lentidão excepcional, perdendo-se, de ordinário, o efeito da acção militar exercida por cada etapa desses serviços, pela grande demora que, em regra, medeia entre a montagem de cada um dos estabelecimentos destinados a fixar as vantagens da ocupação, tornando-se portanto muito dispendiosa a execução de cada novo empreendimento, feito para continuar a disseminar a acção da autoridade, pois que pelo intervalo de tempo decorrido entre a instalação dos nossos postos se perde o efeito de continuidade que tanto facilita as empresas desta natureza.

(…) O estado da ocupação na região para sul do Zaire, em 1910, quando assumi o governo do Congo, pouco mais era que o seguinte: dominávamos o litoral, a margem esquerda do Zaire e uma estreita faixa da fronteira terrestre do norte, prolongando a ocupação do Zaire Como desgarrado, nos confins de leste do distrito, estava o posto do Quango que era então, dos postos do Congo, o mais internado.
O posto mais avançado em relação ao litoral, era o Tomboco, a três dias da costa partindo do Ambrisete, e a dois dias partindo da Mucula: O posto mais internado em relação à fronteira era em San-Salvador. A ocupação do Enclave, do litoral, da margem esquerda do Zaire e o nosso estabelecimento administrativo em San-Salvador, são, pode dizer-se, coetâneos da fundação do distrito. Era todavia uma ocupação descontínua, e tão pouco efectiva que até 1901 o gentio, que vivia a menos de um quilómetro da costa, cobrava impostos e impunha multas aos negociantes europeus estabelecidos no litoral.

A circunstância de nada se exigir ao gentio e de consentir-se-lhe que viesse comerciar livremente as feitorias do litoral, o facto do estado da ocupação da colónia belga não nos ainda ter cortado o acesso comercial à margem direita do Quango, e a felicidade de serem largamente remuneradores os preços que a borracha obtinha então nos mercados da Europa, formava um conjunto de factores que contribuíam para que se mantivesse no Congo uma atmosfera artificial, dando ao céu um tom azul que não deixava denunciar os defeitos desse impróprio sistema de ocupação, que o público e o próprio Estado só reconhecem quando se manifestam sob um ponto de vista económico. Não havia pressa de sair desse vexame estado de coisas, que é tão sugestivamente descrito pelo tenente João Jardim no seu relatório da coluna de operações à Quincumguila.

Pode dizer-se que foi a decadência económica do litoral que veio lembrar a necessidade de se prosseguir na ocupação como meio de por termo a esses vexames, que se suportavam de animo leve nos dias de abundância, mas que se tornavam intoleráveis nos tempos de crise, a qual para mais prejuízo era agravada pelos caprichos do gentio que dificultava, quando queria, a já de si frouxa corrente de negócio para a costa, com os seus impostos de transito e com o frequente encerramento do caminho, motivado pelas constantes rixas entre povos rivais.”

Em 1896 (portaria provincial nº. 30, de 30 de Janeiro de 1896), ocupou-se Maquela do Zombo a pedido do próprio gentio que reclamava, do Governo, defesa contra os soldados do Estado Independente, os quais, sempre, que actuavam fora das vistas dos funcionários europeus, se internavam no território português, exercendo violências e extorsões sobre os habitantes do Zombo. A certeza da impunidade das suas façanhas animava-os a essas aventuras.

O Cuilo e o Quango foram ocupados alguns anos depois por motivos análogos (portarias provinciais nº 280, de 17 de Junho de 1899 e 449, de 10 de Agosto de 1900). Como já dissemos, foi por assim dizer a crise comercial do litoral que determinou a organização da coluna que em 1901 operou na circunscrição do Ambrisete sob o comando do governador João Jardim, e do qual resultou a ocupação do Tomboco e o estabelecimento do posto militar Cabral Moncada , hojes uprimido por desnecessário.

Quão fictícia era a ocupação do litoral, mostra a circunstância frequente dos mussorongos inquietarem constantemente a autoridade de Santo António, que viveu como que bloqueada na vila desse nome até 1899, o governador Pedro de Azevedo Coutinho mandou ocupar o Quifuma, onde o capitão Luis Augusto Pimentel montou o posto militar daquele nome.

Em 1900, foi montado pelo então primeiro sargento Nicolau Perdigão o posto militar do Lunuango, hoje suprimido por desnecessário com o fim de proteger a missão católica que ainda existe ali. Houve relativa tranquilidade na região dos mussorongos até 1908, ano que se pretendeu compelir aqueles povos a pagar o imposto de cubata. Capitaneados pelo velho soba do Tombe, reuniram-se todos os povos mussorongos para reagir contra a inovação, sendo necessário organizar-se uma coluna móvel, cujo comando foi confiado por Paiva Couceiro ao então alferes Angêlo Lima. Essa coluna percorreu toda a zona do litoral e margem do Zaire, deixando montados os postos militares do Quelo e do Sumba (este último já suprimido), por desnecessário para tornar efectiva a imposição do Governo e deixar vestígios da acção exercida.

Para avaliar do carácter irrequieto e turbulento desta raça, recordarei aqui que Paiva Couceiro esteve quase perdido entre Santo António e Quifuma, enquanto a guarnição deste último posto se achava bloqueada. Ainda no ano corrente o velho soba do Tombe (o mesmo já citado) teve veleidades de reagir contra a cobrança de imposto, e senão fora o comandante do posto militar do Quifuma tê-lo preso imediatamente, ter-nos-iam surgido novas dificuldades, porquanto suspeito. Que a rebelião dos mussorongos do Quingombe, acorrida em Abril próximo passado, tenha sido resultado de algum concerto para a resistência entres os povos do litoral, que rebentou contra Quinzau por ser
desguarnecido de força militar.

Foi este último povo castigado por uma força que, sob o comando do tenente Angêlo Lima, percorreu em Maio último parte da área sob jurisdição do posto militar do Quelo que contem os povos que se haviam declarado rebeldes. Ao tomar conta do governo em Agosto de 1910, percorria a região do Quizau,na circunscrição do Ambrisete, uma coluna móvel que, sob comando do tenente Melo, andou castigando os povos dessa região que se haviam insurreccionado para resistir também ao pagamento imposto de cubata, instigados por um tal Lengo, recentemente falecido, exilado do seu povo.

Em consequência destes últimas operações montou-se o posto militar de Bessa Monteiro, em Novembro de 1910, consagrando-se com a aquela dominação do posto a memória do desditoso oficial que sacrificou a sua vida ao bem da Pátria,durante essas operações, e cujos os restos descansam sob os parapeitos da fortaleza ali edificada”.

“Não podia porém, o governador fazer justiça sem a formalidade consagrada pela usança de ouvi-los em fundação, especialmente, dadas as circunstâncias de passividade de atitude que esses povos conservaram até a minha chegada.

Preparava-se, talvez desde longa data, uma sublevação geral dos povos do Zombo, que se estendia, provavelmente, até os povos do sueste de San-Salvador, com o fim de se libertarem da acção da nossa autoridade, e interpretei, então, como devendo ter sido os primeiros prenúncios dessa rebelião, a manifestação hostil que teve lugar em Setembro de 1910, quando os povos de Quimbubuje, armados, foram declarar à residência de San-Salvador que não pagariam o imposto de cubata que lhes havia sido intimado, atrevimento que, com muito pesar meu, ficou sem castigo imediato. Tendo-me transportado a Maquela com a coluna de socorro e respectiva impedimenta, com a rapidez considerável, que me foi proporcionada por ter obtido do Governo belga autorização para utilizar o caminho de ferro de Matadi, conseguiu-se, só com a demonstração de força, frustrar a sublevação, que teria sido de desastrosas consequências se houvesse vingado.

Fácil me foi compreender, pelo exame da situação geral, que a causa oculta da sublevação estava em gente do Zombo reconhecer que mais cómodo lhe seria viver livre, como os povos da Damba, esquecendo-se, o que é natural mesmo na humanidade preta, os benefícios que o posto de Maquela lhe tinha trazido. Catorze anos sem ser importunada pelos soldados do Bula matadi, é realmente um período de tempo suficiente para esquecer agruras passadas.

Havia para mais a instigá-los a revolta à proeza dos dambas, praticada em 1909, quando o major Galhardo foi maltratado na povoação de Nsangui pelo SOBA MPUTU (hoje preso em Loanda), que havia ficado sem castigo até 1911.

Eram também estimulados pelos mesmos dambas, que apodavam os muzombos de fracalhões e os achincalhavam com o alcunha de muleques do Governo e outras corrimaças de igual jaez. Como castigo do acto de rebelião praticado, foram presos e enviados para Loanda, acto contínuo, os sobas dos povos amotinados, e pagar por estes uma multa que cobriu as despesas extraordinárias feitas com deslocamento da coluna, que havia sido forçado por eles: A multa imposta deu entrada nos cofres da Fazenda seis meses depois da data em que foi imposta, como por mim fora determinado.

(…) Compreendi, portanto, desde logo, que só garantiria uma paz e tranquilidade duradouras em Maquela, quando podesse por completo destruir a causa oculta que atribuía a perturbação havida. Para isso era-me necessário instalar na Damba, o mais cedo possível o domínio da nossa autoridade.

Assim era indispensável de proceder-se, dada a importância de Maquela, derivada da sua posição privilegiada em relação à estratégia comercial do distrito, razão pela qual se achavam ali concentradas importâncias consideráveis, representadas pela armazenagem de fazendas e mercadorias de exportação, e aglomerada uma considerável população europeia.

Cumpria-me, pois, proceder de maneira a garantir por forma duradoura e efectiva as vidas e os valores dos habitantes de Maquela, e não podia conseguir por outro modo que não fosse o dominar os dambas, cuja atitude repontante reanimaria os muzombos a manifestarem-se logo que se apresentasse a primeira oportunidade.”

Não possuindo na ocasião os elementos de acção necessários para marchar sobre a Damba , mas dispondo de mais que o preciso para assegurar a tranquilidade em Maquela, resolvi, acto contínuo, empregar os elementos que ficavam livres em preparar o nosso estabelecimento na Damba, ordenando imediatamente a ocupação do Quibocolo, Bembe e Quimbubuje, que ficam sobre os principais caminhos percorridos pelas caravanas da Damba, facultando-me a ocupação do Quimbubuje, além do objectivo que ora visava, poder ter o ensejo para castigar o atrevimento de 1910, atrás referido.

Estávamos em 2 de Junho de 1911. Em 5 de Junho ocupava-se o Quibocolo, tendo sido encarregado desse serviço o tenente Andreia; o Bembe foi ocupado pelo capitão Carlos Pinto em 19 do mesmo mês, e o Quimbubuje em 25 de Julho pelo general Faria Leal, depois de aplicar ao gentio um castigo proporcionado à falta, cometida em 1910.

(…) Reconheci também que a administração de Maquela não podia estar confiada a uma simples delegação, e por tal razão foi aquela vila elevada a sede de circunscrição em Agosto de 1911, transferindo para lá a sede da 2ª. Companhia indígena de infantaria e conseguindo mais tarde a criação de uma delegação de saúde, que mais se justificava ali do que em San-Salvador.

Recomendando às autoridades locais que encaminhassem a política indígena no sentido de preparar a nossa entrada na Damba, breve começaram a chegar-me notícias, de várias proveniências, de que a montagem dos três postos tinha exercido na gente da Damba uma profunda impressão que urgia aproveitar. Em fins de Agosto apresentava-se-me em Cabinda o general Leal, declarando-se pronto para ir fazer a ocupação.

Nos primeiros dias de Setembro partia este oficial de Santo António com a força que pus à sua disposição para aquele fim, e, em 5 de Outubro, o general firmava, com uma salva de artilharia, a Bandeira Portuguesa nos parapeitos da fortaleza construída na povoação do Nsangui, não longe do lugar onde dois anos antes havia sido enxovalhado um camarada.

Já na minha nota 55, de 18 de Agosto de 1911, ao referir-me à nossa acção no Zombo, havia ponderado ao Quartel General a necessidade absoluta de não mais postergar a organização de uma coluna móvel destinada a percorrer a região da Damba, Pombo e Sosso, a consolidar a ocupação realizada e a alastrar a nossa influência (No meu relatório nº. 371 de 18 Novembro de 1911) rememorava essa necessidade, pedindo a sua execução na primeira oportunidade.

Nada mais podia fazer-se nesse ano: Estava-se em plena época das chuvas. Dediquei-me, portanto, afincadamente, ao estudo do plano de operações que esperava levar a efeito na época sêca de 1912. Foi esse plano aprovado, e autorizada a sua execução pelo Governador Norton de Matos em 27 de Janeiro de 1913, tendo-se perdido o cacimbo de 1912 por não ter chegado a tempo, de Lisboa a respectiva autorização financeira.Esta interrupção de mais de ano nos trabalhos de ocupação foi-nos bastante prejudicial.

2 Calculando o gentio, pelo pequeno intervalo de tempo que separou as diferentes etapas da ocupação proveniente dos acontecimentos do Zombo, e pelos boatos que ao tempo atravessaram o distrito, da Damba ao Quango, de que a nossa actividade não pararia, que lhe resultaria inútil o adoptar a politica usua entre os indígenas, de se afastarem quando a autoridade chega, resolveu ficar nos seus povos mantendo-se nas melhores relações com os comandantes dos nossos postos, recebendo-se em poucos meses, das povoações estabelecidas a dois dias em torno da sede da capitania da Damba, a importância de 9.238$50, proveniente do imposto de cubata pago pelos povos duma região que nunca haviam recebido intimações da nossa autoridade e que meses antes apodavam os muzombos de muleques do Governo!

O compasso de espera que se deu em nosso plano de ocupação foi interpretado pelo gentio como uma manifestação de esgotamento das nossas forças, da qual ele se propunha tirar partido.

Não têm, o indígenas do Bembe, interesses económicos, afinidades de raça ou de família ou quaisquer ligações políticas que prendam aos dambas estritamente.Têm apenas de comum o desejo de repelirem a nossa intervenção na sua vida.Todavia, levados pelas caravanas os boatos acerca da nossa inacção,resolveram repontar, e, em 3 de Julho de 1912 , recebia eu em Loanda a comunicação oficial que os povos da Pemba e Quivoenga, do sul da capitania,tinham tomado a ofensiva, atacando a fortaleza do Bembe, julgando-se por certo capazes de repetir o feito dos seus antepassados, que em 18… trucidaram a guarnição, restos do antigo batalhão que em 1857 ali tinha sido instalado pelo então primeiro tenente de marinha Baptista de Andrade, o primeiro ocupante daquela região.

Auxiliado pelo Governo Geral, enviei logo um reforço, que, sem permitir tomar a ofensiva, nos garantia o estado de defesa a protecção de Mabaia, onde tínhamos que proteger uma missão inglesa.Enquanto isto se passava no Bembe, não se me preparavam mais agradáveis surpresas que deviam vir-me da Damba. A 21 de Julho, era-me comunicado oficialmente o estado de rebelião na área daquela capitania.

Mais astuto e subtil, o indígena desta região dava às suas manifestações de hostilidades um aspecto mais complexo.

Existem na Damba casas comerciais que fazem comércio de permuta com os nativos do Pombo, povos que levam negócio a Maquela. No seu caminho para a Damba atravessam o Sosso , que vive do imposto de transito que lança sobre os pombos, os quais no seu caminho para Maquela são explorados por forma análogo pelos camatambos.

Antes da ocupação da Damba faziam os indígenas dali o mesmo, tendo até chegado a cobrar imposto aos negociantes europeus.Reconhecendo o gentio que nos demorávamos em prosseguir na ocupação, pensou possível obrigar-nos a abandonar a nossa posição na Damba pela manutenção de um bloqueio comercial – uma espécie de boycott.

Julgava ele que a nossa estada ali era motivada principalmente pela estada do comércio e que, uma vez exilado este, sairíamos nós. Nessa ordem de ideias, o soba principal do Sosso, por nome de Mabiandagungo, fechou os caminhos, convidou o principal soba da Damba, de nome Zauambacala, a passar o rio Nzadi com a sua gente e haveres, para construir um forte centro de resistência, defendido naturalmente pelo rio Nzadi, e convidou o Camatambo a fazer causa comum com os aliados.

Anuíram os dois últimos aos desejos do primeiro, acordando todos num objectivo comum – a nossa retirada da Damba – movido cada um dos aliados por um intuito .diferente…

Mabiandagungo (Mbyanda Ngunga) – pretende evitar a todo o transe o ter no meio dos seus povos um forte como o da Damba, com todas as consequências, que ele considera impertinentes.

Zuambacala (Nzau a Mbakala) – quer ver-se livre de nós, do imposto de cubata, da obrigação da limpeza dos caminhos e das povoações, etc., e pensará talvez que, com as voltas que o mundo dá, poderá acaso um dia voltar tudo à mesma e tornar a ser ele quem cobre o imposto de cubata aos brancos.

Camatambo (Nkama Ntambu) – velho bastante ladino, explora a situação de duas maneiras e manobra com um pau de dois bicos. O “boycott” do Mabiandungo pode produzir o aumento da corrente de negócio para Maquela, que lhe produz um aumento dos rendimentos do imposto de transito; aplaude portanto o soba do Sosso e declara que adere , e, ao mesmo tempo, atrai para as suas terras o comércio europeu, porque, como esta situação há-de acabar um dia de qualquer maneira, quando isso acontecer, como o Sosso está como uma fera contra o Pombo, por lhe ter paralisado o negócio, e como calcula que os negociantes se mudam da Damba, forçados pela persistência do “boycott” ,tudo o leva a crer que será ele quem retire o melhor proveito desta contenda. Deve mesmo supor que, no caso da acção nos ser favorável, deve estar isento de apanhar qualquer “matabicho”, porque até aqui nunca nos foi declaradamente hostil e, se não nos paga regularmente o seu imposto de cubata, a culpa não é dele, é nossa, di-lo há porque nunca fomos lá buscá-lo.

De como o destino prepara as coisas, e de qual a sorte que lhes está reservada, é o que vai saber-se dentro de poucos meses, e oxalá que ela seja como eu desejo.

(…) Chegado ao Bembe em 25 de Setembro, tive a satisfação de reconhecer a supremacia que o tenente- coronel Ferreira dos Santos tinha obtido sobre o gentio com o severo castigo que aplicara aos amotinados do Pemba, e com a actividade que desenvolvia no exercício das funções de capitão-mor, bem como a forma como era obedecido com desembaraço pelos povos das regiões até então duvidosas. Era já bastante, sem dúvida,mas bastante era necessário fazer-se ainda. Com efeito, ter castigado os pembas, deixando a rir-se os quivoengas, era não só dar a estes, de graça, um enorme “ronco”,mas sujeitar-me a perder todo o prestigio ganho pelo tenente -coronel. Era portanto indispensável ir à Quivoenga e ficar lá.

Pronto para isso estava o tenente-coronel, não podia, porém, consentir-lho sem lhe facultar a força indispensável para guarnecer um posto de ocupação na Quivoenga, o que era mister fazer-se sem desfalcar a guarnição da capitania. Se me era possível dar-lho ou não, só podia sabe-lo depois de julgar a situação da Damba por critério próprio. (…) Para não perder tempo, larguei-me para a Damba pelo caminho mais curto.

Esse caminho ainda não havia sido feito por autoridades, e não obstante os povos intermédios entre as sedes das duas capitanias não terem relações com elas, haver rebelião para o sul de uma para o leste de outra e levar comigo apenas a escolta da caravana ( 8 soldados), não sofri a menor inconveniência por parte do gentio, que sabia da minha viagem pelos espias. Vi, porem, por mais de uma vez, vedetas armadas observarem o nosso movimento.

Cheguei à Damba em 2 de Outubro, conforme refiro em outra parte deste relatório.

Dispunha-se, nessa capitania, de guarnição imponente que não foi devidamente utilizada por quem a teve ao seu dispor; todavia, dado o aspecto complicado com que se afigurou o problema da Damba, como atrás referi, reconheci que me era mais conveniente conservar na Damba a atitude de inacção e prosseguir o trabalho de avanço encetado no Bembe. Nessa ordem de ideias, mandei marchar para o Bembe um destacamento de reforço, que era para o tenente-coronel o sinal de poder marchar sobre Quivoenga.

Com efeito, a coligação dos povos do Sosso contra a capitania–mor representava maior gravidade do que a insurreição do Bembe, não só pelo seu próprio aspecto, como também pela grande densidade população dos povos amotinados e pela circunstância de que, para fazer-se alguma coisa que pudesse influir eficazmente na ocasião, era indispensável atravessar o rio Nzadi e internarem-se as forças até dois ou três dias além dele, para encontrar o sítio onde deixar um posto. Ir e voltar, de nada servia. Ir e montar esse posto, só com a guarnição da capitania, era determinar uma divisão de forças, cujo enfraquecimento resultante era agravado pela grande distância e interposição do rio Nzadi entre os dois postos, e por fim seria transferir a dificuldade em vez de resolve-la, pois que pela história, que anteriormente fiz, do que é a questão na Damba, compreende-se bem que só com a realização de operações, como as que projectei, se poderá acabar com dificuldades daquela natureza.

Resolvi, portanto, com grande consternação dos europeus residentes na Damba, que as forças que constituíam a guarnição daquela capitania se conservassem nos quartéis, cuidando-se da sua preparação militar, para contar com elas na primeira oportunidade que se oferecesse para actuar por forma a que fosse proveitosa. Entretanto o tenente-coronel preparava o avanço sobre a Quivoenga , o qual foi levado a efeito por forma brilhante, como consta do seu relatório por mim enviado ao Q.G. com a nota nº192, de 28 de Julho de 1913. Ficou montado ali o posto de ocupação Norton de Matos, que foi inaugurado em 22 de Outubro de 1912, consagrando-se com esta denominação o Governador Geral que mais tem patrocinado o progresso e desenvolvimento do Distrito do Congo.

Concentrada na Damba uma coluna mixta, cuja organização foi determinada por Sua Ex.ª o Governador Geral em face da autorização orçamental concedida, foi por mim confiado o seu comando ao mesmo oficial que tão bem se houve na pacificação do Bembe, razão porque lhe entreguei a execução do meu plano de operações no Sosso, Pombo e Quango, o qual vem a constituir o meu plano de ocupação.

Tenho a plena convicção de que, devidamente interpretado e completamente executado, como será, conseguiremos submeter à acção da nossa autoridade as restantes regiões do distrito onde ela não era conhecida.

Estou plenamente convencido e confiado de que o tenente – coronel Ferreira dos Santos saberá corresponder à elevada consideração em que o tenho.”

 

“ In- NO CONGO PORTUGUÊS. VIAGEM DO BEMBE E DAMBA – Considerações relacionadas. Relatório do Governador do distrito, primeiro tenente de marinha, José Cardoso. Cabinda ,1913

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