VIAGEM AO BEMBE E DAMBA em 1912- REGIME COMERCIAL E AGRICULTURA

 

Por José Cardoso – Governador do Distrito do Congo Português

 

As relações dos portugueses com o Congo foram quase sempre feitas pelo mar do Zaire, como via mais rápida e mais natural de ser seguida.

Por terra várias vezes foram tentadas, conseguidas e abandonadas, mercê de recursos de ocasião e das circunstâncias eventuais de toda a espécie, que tantas vezes nos forçaram a abandonar lugares obtidos à custa de tanto esforço, necessário de repetir quando uma nova oportunidade nos vinha facultar a reconquista de vantagens perdidas.

Esta instabilidade foi devida à falta de método e ausência de persistência, que temos manifestado através dos tempos, na desorientação de algumas das nossas empresas,embora fossem sempre caracterizadas pela mais galharda liberdade, pelos mais generosos intuitos e pela mais audaciosa das iniciativa.

Tivemos a província de Angola ligada com San-Salvador do Congo pelo Ambris, pelo caminho de Quimcole, em 1791, havendo então uma fortaleza neste lugar. Sorte vária levou-nos a perder essa comunicação, que foi restabelecida por Baptista de Andrade em 1856, quando ocupou o Bembe, fazendo-se então o caminho pela Quibala, sendo fortificados o Ambris, Quibala e Bembe. Foi uma das mais importantes expedições – esse que Baptista Andrade conduziu ao Bembe. Além do importante efectivo que comandava,teve à sua disposição, entre outros recursos, mulas, burros e camelos de Cabo Verde e das Canárias, para transporte de artilharia e munições. Não foi possível aclimatar esse gado ao Bembe, devido à qualidade do capim, que foi a causa da morte de todo ele.

Depois de 1873 deixámos o Bembe por ter sido abandonada a exploração das minas (ver portarias do Governo Geral nºs 109 e 110, de 11 Junho de 1873 ). Abandonou-se, pois,o caminho do Ambris, Quibala, Bembe, San-Salvador e quase que as relações com este último ponto.

O nosso domínio sobre o Congo ficou portanto perdido, pelo menos praticamente,sendo restaurado em 1885, depois da Conferência de Berlim. Todavia, só restabelecemos as nossas comunicações com San-Salvador por Quimbubuje em meados de 1911,prolongando as do Bembe para a Damba no mesmo ano, estendendo-se a nossa ocupação até Quivoenga em 1912, como já tive ocasião de referir minuciosamente em outro capítulo.

A ocupação comercial do Congo nada tem nem teve de comum com os antigos movimentos de ocupação militar, os quis visavam atingir a região interior do distrito,enquanto que desde os tempos remotos a ocupação comercial limitou-se ao litoral,disseminando-se pelo interior apenas muito recentemente.

A ocupação comercial que vou relatar neste capítulo refere-se apenas a territórios que ficam a sul do Zaire… “ Para o norte do Zaire, desde muito longe houve ocupação comercial, na costa, desde a ponta Banana para o norte, e desde a ponta Banana para o leste, ao longo da margem direita do Zaire.

Tivemos também uma fortaleza em Cabinda que foi arrasada em 1784, antes de concluída, pelos navios da Divisão Francesa, comandada pelo capitão de mar e guerra Marigny, sob pretexto de que a pretendíamos manter para proteger o embarque de escravos para o Brasil.

Para sul do Zaire, a ocupação comercial do litoral é de mais recente data, todavia muito anterior à nossa ocupação do distrito e mesmo à sua criação.

Ocupou-se militarmente o Ambris, em 1885. Neste lugar, onde já se achava estabelecido o comércio português e estrangeiro, afluía desde tempo, e em grande quantidade, o café do Encoje e da Quivoenga, o marfim daquém e dalém Quango, a borracha de quase todo o Congo e a malaquite das minas do Bembe, que era comprada aos muxicongos pelos indígenas do Ambris, que a traziam em quantidade de 200 a 300 toneladas durante cada cacimbo, percorrendo o antigo caminho da Quibala. Como nota curiosa acrescentaremos que os indígenas do Bembe não deixavam passar os do Ambris alem do rio Luqueia, para não descobrir o sítio onde estavam as minas…”
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Logo a seguir à ocupação do Ambris entendeu o Governo dever montar ali uma alfândega, e alguns comerciantes, tanto portugueses como estrangeiros, do Ambris e de outros pontos para o sul, emigraram, para evitar pesados direitos impostos pelo Governo que, sem lhes trazerem quaisquer vantagens, vinham agravar enormemente
as mercadorias que até então pagavam consideráveis direitos de transito, e que continuavam a pagar, depois da nossa ocupação, aos indígenas das regiões intermediárias não produtivas.

Foram, portanto, estabelecer-se ao longo da costa, para o norte, concentrando-se no Quissembo, Muserra, Ambrisete, Mucula, Quinzau e Cabeça de Cobra, lugares onde era possível, embora com bastante incomodo e mesmo perigo, efectuar embarques e desembarques, e que havia sido preferidos pelo Ambris, na estação inicial do comércio,
porque este ponto se avantaja ainda hoje a todos os outros pelo pequeno abrigo natural,facultado pela ponta onde se acha construído o paiol, o qual forma um pequeno “cul-de-sac” onde há uma diminuta zona de águas tranquilas, permitindo quase sempre um embarque cómodo e sossegado.

Em 1867, o Governador Geral Francisco António G. Cardoso, oficial de marinha,compreendendo a inconveniência dos rigores da alfandega, limitou as imposições aduaneiras a 6% “ad valorem” sobre as mercadorias de importação, o que parece não só ter aumentado consideravelmente os rendimentos da alfandega, como simultaneamente
conseguiu fazer voltar ao Ambris a maior parte dos comerciantes por poderem, ao abrigo do novo regime, concorrer com o comércio do litoral não tributado.

Assim conseguiu o Ambris reaver quase toda a exportação que anteriormente realizava,excepto a do marfim, que, na sua maior parte continuava a sair pelo Quissembo.

… Todavia, não foi por completo abandonada a ocupação comercial do litoral do Congo,cuja razão de ser ficou explicada.Ocupação comercial no interior do Congo, previamente a 1896, pode dizer-se que não
existiu.

…”BEMBE” – Apenas – tendo o comerciante Francisco António Flores obtido do Governo a concessão para explorar as minas de cobre do Bembe e organizar a companhia inglesa “Western African Malachite Copper Mines Company” – esta se instalou no Bembe aí por 1858, todavia, sem obter os resultados previstos e desejados, por o clima não
consentir que os mineiros de Gales, que ali se estabeleceram, lhes resistissem, conduzindo os trabalhos e a bebedeira em igual escala, senão esta em maior desenvolvimento, e também pela dificuldade de transporte do minério para a costa, o qual, por conta da companhia, não podia ser feito em condições de permitir uma exploração lucrativa das minas que ainda hoje, para muitos, são um mito.

Pode, portanto, considerar-se a primitiva ocupação comercial do Congo como limitada ao litoral, e motivada pela elevação dos direitos do Ambris, pois que, tendo sido revogada a medida adoptada pelo Governador Gonçalves Cardoso, tornou-se a restituir aos portos da costa, já citados, as suas primitivas vantagens, resultando então chegar a ser florescente a prosperidade mercantil gozada no litoral do Congo, durante um período que durou até perto de 1890 e que manteve até 1900, com alternativas várias, como vamos ver.

O comércio do Ambris e do litoral do nosso Congo era sustentado principalmente pela clossal produção das regiões marginais do Quango e dalém deste rio, regiões que depois de 1884 foram incluídas nos territórios que ficaram sob a soberania de Portugal e do Estado Independente.

O s pontos de concentração comercial do litoral do Congo tinham, sobre ao Ambris, a vantagem de encurtar as viagens das caravanas, em especial daquelas que irradiavam da grande feira de Quimbumbuje .

Assim se formou e manteve o esplendor comercial do Ambrisete até que começou a declinar com o inicio da exploração do caminho de ferro de Matadi, o qual veio a destruir a formidável barreira de obstáculos, interpostos ao mar e Quango Oriental pelos acidentadíssimos terrenos do Baixo Congo Ocidental. Agravou-se esse declínio com o
estabelecimento dos postos fiscais belgas, ao longo da fronteira limítrofe com o nosso Congo.

Com efeito, o alastramento sucessivo da ocupação belga, e a sua organizada rede de postos fiscais, a introdução dos processos científicos substituindo os primitivos processos da extracção e da preparação inicial da borracha, melhoraram e aumentaram consideravelmente acolheita de borracha de primeira classe, na sua maioria proveniente
do Quango. O seu apertado sistema fiscal impediu que grande parte dessa borracha se introduzisse no nosso território, e o seu caminho de ferro, completando o sistema de metodização mercantil, desviou para Matadi uma grande parte do comércio de exportação que tinha até então enriquecido as feitorias da nossa casa.
Continuava todavia a fazer-se ainda um comércio, considerável bastante, com os estabelecimentos da costa, o suficiente para manter um estado de coisas produzindo lucro para todos os pontos de concentração comercial do litoral, que, a apesar de tudo,eram ainda alimentados pelas correntes de negócio que do Alto Quango se dirigiam para o Ambris, Quissembo e Muserra pela Quivoenga, e elo que vinha do Quango Médio, Pombo e Damba para o Ambrisete pelo Bembe, ou para Mucula pelo Tomboco,e, finalmente,pelo que vinha do Zombo para Macula e Quinzau pelo Quimbubuje.

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COMERCIO E AGRICULTURA

Em todos os casos, essas correntes de negócio eram alimentadas principalmente de borracha e marfim de proveniência belga, que conseguia esgueira-se por entre as apertadas malhas da vigilância da colónia vizinha, e que afluía nãos nossos mercados,porque neles obtinha uma paga tão elevada quanto o indígena desejava, comparada
com a fraca retribuição dadas pelos agentes do Estado Independente, a qual renumerava o indígena de maneira a compensá-lo das demoras e contratempos da longa viagem que tinha que fazer, bem como os graves riscos que se sujeitava para conseguir iludir a vigilância dos mesmos agentes.

A montagem dos nossos postos militares de Maquela e Cuilo e Qungo, realizada em 1896 e 1900, respectivamente, deu o golpe de misericórdia no nosso comercio da costa,desviando estas antigas correntes de negócio na direcção de Noqui, por passar esta a ser a e menor a linha de menor resistência para o comércio de saída e por a costa não poder continuar a manter os elevados preços, que provocaram o escoamento de mercadoria por aquelas linhas de drainagem mercantil durante tantos anos.

Em 1896, quando se montou o nosso posto de Maquela, já se fazia ali pequeno negócio.Bastavam então duas ou três casas para dar vazão ao pequeno mercado local, o qual se conservava restrito bastante, porque a grande feira de Quimbubuje, que era como que um ponto de concentração do comércio cafreal, continuava preferindo abastecer os
mercados da costa.

O movimento de tropas ocasionado pela montagem dos postos de Cuilo e Quango conseguiu estreitar as nossas relações com o gentio do Zombo, e fez desaparecer a desconfiança que impedia os povos de leste de transaccionarem com a gente do planalto,e que se opunha a que o negócio se realizasse em larga escala por Maquela e por San-Salvador, lugares estes que, pela sua posição geográfica, pareciam indicar a direcção mais
natural de ser tomada pela corrente de negócio, por isso que a linha Maquela a Noqui,ainda mesmo inflectida para San-Salvador, representa uma distância consideravelmente menor que a distância de qualquer das correntes seguidas para a costa.

Logo que o péssimo sistema de concorrência mercantil adoptado no Ambrisete impediu que o comércio da costa se degladiasse na manutenção dos preços ruinosos por que pagava o género cafreal, por ter excedido a permuta com o gentio um limite razoável, tornando-se absolutamente impossível deixar uma margem para compensar as
contingências das oscilações dos mercados europeus e para retirar algum lucro, depois de pagas as despesas da manutenção dos estabelecimentos , era fatal a ruína da costa.

Aconteceu, portanto, que desde 1894 a 1900 o movimento do comércio geral dos portos do litoral, pertencentes à circunscrição do Ambrisete, decresceu gradualmente, por uma forma normal, todavia sendo bem acentuada a tendência e bem fácil de explicar-se pelas razões anteriormente apontadas, e pela circunstância de não haver, pode dizer-se, no Ambrisete nenhum género de produção própria , regional, capaz de manter o comércio
local.

Santo António do Zaire, que nunca teve um comércio tão florescente como o do Ambrisete, mantêm-se sensivelmente estacionário durante o período de tempo referido,porque vive e mantêm-se com exploração de géneros de produção local, os quais, sem darem largas ao desenvolvimento de rápida fortuna, dão todavia margem para um lucro
remunerador do trabalho que ali emprega, e que está certo, enquanto esses géneros tiverem cotação nos mercados da Europa.

A Casa Holandesa e alguns comerciantes portugueses, mais previdentes e ponderados,já se haviam fixado em Maquela.

Em 1900 manifestou-se uma alta da borracha nos mercados europeus, que deu ainda ao Ambrisete uma aura efémera de florescência comercial, a qual mal interpretada por alguns comerciantes menos avisados, que aproveitaram a ocasião para abrir ali novas casas, pensando que reproduziriam os antigos tempos de prosperidade.

Todavia, a Casa Holandesa, mais conhecedora das causas remotas destas oscilações do negócio e portanto melhor habilitada para devidamente interpretar a significação desse desafogo passageiro, fechava, fechava a sua sucursal no Ambrisete, justamente em 1900, e também havia ponderado e pressentido essas causas remotas da decadência
do Ambrisete, e a impossibilidade da restauração do seu passado esplendor, baseado no género do negócio a que a especialidade do comércio do Congo se consagra, que o encerramento da filial, longe de ter um carácter provisório, tornou-se definitivo desde logo, pela venda de todas de todas as suas instalações, existentes ali, a uma firma
portuguesa.

Rápidamente, em 1901, cessaram os efeitos da alta que permitiu ao Ambrisete manter temporariamente os elevados preços com fez concorrer ali a borracha que se exportou em 1900, e manifestou-se então um brusco abaixamento nas transacções, obrigando muitas casas a fechar, reduzindo-se o comércio da circunscrição às circunstancias em
que se encontra, ficando convertidas em amontoados de ruínas as risonhas povoações comerciaias do litoral que divisavam do mar ao longo da costa, desde Quissembo até a Cabeça da Cobra….

Transferiu-se, pois, para Maquela o comércio do Congo que, como atrás deixei dito, nos era lícito fazer aproveitando da nossa região do Pombo e aquela que podia escapar-se à fiscalização belga e que deixava de sair por Matadi para sair por Noqui.

Essa transferência do comércio vê-se nas estatísticas de San-Salvador, cujos mapas incluíam até 1911 o movimento comercial de Maquela, de acordo com a divisão administrativa de então (página 46 do meu relatório de 1910).

Foi então que recrudesceu a ideia de melhorar as comunicações entre Noqui e Maquela pela construção duma estrada que se iniciou em 1900 e que se abandonou pouco depois,tendo-se gasto em pura perda algumas dezenas de contos, devido a diversos critérios e opiniões das autoridades que se substituíram.

Era essa a única maneira de substituir o caminho de ferro projectado em 1893 pela característica previdência administrativa de Neves Ferreira (relatório de 2 de Julho de 1912 para a Repartição do Gabinete – “Considerações sobre o problema do tráfego e situação comercial das regiões do Zombo, Damba e Chiloango.

Com efeito, efectuando-se as operações de permuta em Maquela do Zombo,conquistava-se ao comércio do Ambrisete o negócio que ia ali, por ser captado mais perto da sua origem, mas essa conquista era obtida à custa de um considerável encargo que o Ambrisete não sofria, qual era a de ter-se que transportar as mercadorias importadas
e as permutadas naquela localidade à custa do comerciante, desde Maquela até Noqui,ao contrário do que acontecia anteriormente no Ambrisete, para onde eram levados os géneros coloniais e donde eram trazidas as mercadorias europeias por conta e risco do indígena.

Mas não era só esta a dificuldade que assoberbava o comércio efectuado em Maquela.Acrescia também que o indígena do Zombo, comerciante por excelência, não se importava de ser o carregador de si próprio, voluntariamente, mas não estava disposto a ser carregador do branco, em interesse deste, porque, uma vez satisfeitos os seus desígnios e necessidades, tendo obtido em troca da sua borracha os artigos europeus que ia procurar,
não tinha interesse algum em fazer a longa caminhada de ida e volta de Maquela a Noqui,tanto mais que não obtinha como remuneração desse trabalho o suficiente para ter interesse em produzi-lo.

Daí derivaram as maiores dificuldades com o que o comércio de Maquela tem lutado desde o seu estabelecimento ali até hoje, e que o Governo tem procurado resolver com diversas instruções sobre o serviço de carregadores do comércio, que nunca podiam equilibrar estavelmente os interesses, evidentemente antagónicos, de comerciantes eindígenas.

Foram sempre adoptadas medidas paliativas que constam da copiosa documentação enviada à Secretaria Geral, e cujo fim era sempre o de procurar-se uma solução que permitisse sustentar a posição conquistada pelo comércio de Maquela, até que a estrada de San-Salvador saísse da forma nebulosa de um mito para transformar-se numa sólida
realidade.

Aos comerciantes, mais do que a quaisquer outras entidades, convinha ponderar devidamente a situação económica em que deviam colocar-se para poder sustentar a nova posição conquistada, oferecendo algumas vantagens, mas revestindo-se de alguns inconvenientes, que era forçado não agravar,para não sujeitarem a colocar sob a ameaça
da ruína que sufocou Ambrisete.

Não aconteceu, porém, assim, e em pouco e em poucos anos vemos o comércio de Maquela, e por consequência de Noqui , do qual é hoje na maioria filial, colocado em difíceis condições de vida, porque,, forçados pelas circunstâncias, se precipitou no oneroso sistema de concorrência pela elevação do preço dado ao género colonial, que havia promovido a bancarrota do Ambrisete,, degladiando-se os comerciantes de Maquela na subida dos preços que retribuíam a borracha do Ambrisete, e agora com a agravante de terem o género europeu e o género colonial encarecidos com a sobrecarga dos transportes, que atrás mencionei.

E digo que os comerciantes se precipitaram nesse caminho forçados pelas circunstâncias, porque só pela força delas pode admitir-se a repetição dum erro conhecido. Com efeito, tenho a certeza de que todos têm uma nítida impressão de que o sistema é mau, mas podem deixar de recorrer a esse péssimo expediente, devido à forma como os negociantes têm que conduzir o seu negócio originado pelas bases em que assenta o giro das suas firmas, do que resulta que, na maioria dos casos, os lucros que auferem das suas transacções, quando as têm, são mínimos , mal lhes chegando para manter os encargos da sua sustentação, como vou procurar demonstrar”..

É por demais conhecido que, pelo estado de indecisão do regime económico das regiões do interior de África e pela falta de comunicações e seguras de toda a espécie, o comércio está sujeito a um número infinito de contingências que derrotam as previsões mais bem concebidas, por isso que os elementos de dedução participam de um carácter de instabilidade que torna quase impossível o exercício de previdência sobre que deve assentar a permuta que deve regular o movimento das transacções.

Em primeiro lugar, convém notar que em relação ao indígena é caótico o regime monetário. As moedas em circulação variam com as regiões, dificultando muito a equivalência. Num sítio corre o “cobertor”, noutro o “tapete”, aqui o “cortado” além a “missanga”, acolá o “búzio madrepórico”, mais além as “varas de cobre” e até a “tacha de latão” chega a ter curso como moeda entre alguns indígenas.

Depois, as correntes de negócio estão sujeitas aos caprichos dos indígenas mais variados.

..Os “milandos” das povoações cafreais, entre si ou com o Governo ou com próprio comércio, levam facilmente o indígena às usuais práticas de “boycott”, conhecidas vulgarmente pelo encerramento dos caminhos, o que em muitos casos significa a paralisia completa do comércio em uma localidade.

O esgotamento dos géneros de produção natural, espontânea, há muito também que ser considerado, porque, devido á forma rudimentar, e por vezes brutal, como os indígenas obtêm esses produtos, acontece que, na maioria dos casos, destroem as plantas de onde extraem, ficando a desolação e esterilidade como únicos vestígios de exploração intensiva feito pelo o indígena com a intenção de aumentar a permuta.

As oscilações dos mercados europeus trazem também graves perturbações ao negócio,porque o indígena habituou-se facilmente a compreender e a usufruir as vantagens das altas e julga-se sempre enganado pelo branco quando as baixas forçam este remunerar a mesma quantidade de género colonial com menor quantidade de mercadoria europeia.

Quando se dá uma baixa e se realiza uma descida nos preços que o europeu pode pagar,o indígena leva a sua mercadoria a todos os negociantes dum mesmo mercado, depois via com ela a todos os mercados que pode percorrer, e, depois de se convencer de que a baixa de preços é um movimento geral e só depois de acossado pela necessidade absoluta de obter géneros europeus, de que carece, é que se sujeita ao novo preço, tendo causado assim uma considerável e, na maioria dos casos, prejudicial demora nas transacções.

Por último, o próprio feitiço contribui muitas vezes para fazer desviar as correntes comerciais e origina outras tantas causas de empate de capital e de perda de tempo.

Resulta, portanto, deste conjunto de relações de contingência, que a organização das empresas comerciais africanas, que se mantêm à custa dos processos de comerciar baseados nas antigas maneiras de permutar, para conseguir sustentar-se lucrativamente,exigem a concentração de grandes capitais, que permitam às firmas que deles dispõem, dar desenvolvimento tal às suas transacções e uma e expansão tal ao seu estabelecimento que possam fazer face a todas essas contingências.

Com efeito, para evitarem as consequências que veem reflectir-se sobre o agravamento do crédito, pela demora na solvência dos compromissos tomados, motivada pela imobilização prolongada de grandes “stocks” de mercadoria europeia, necessário se torna que essas firmas possam ter abertas simultaneamente, em muitos pontos diferentes, várias casas de permuta, de modo que, pelo alargamento do teatro de operações comerciais, se possam compensar os reveses sofridos em parte das filiais ou sucursais pelos largos benefícios auferidos naquelas onde em um dado momento se pode traficar em plena actividade e com largos benefícios, e socorrer as baixas que se manifestam
em determinados géneros de negócio com a situação mais desafogada de outros ramos de actividade comercial a que podem dedicar-se essas grandes empresas que podem simultaneamente sustentar várias espécies de comércio.

(…)Na maioria dos casos, no Congo, o comercio apresenta-se com o aspecto de um jogo de azar. Com excepção da Casa Holandesa, da Casa Inglesa e da Companhia do Congo Português, que são empresas sólidas, dispondo, de largos capitais, que as habilitam a conduzir os seus negócios em África sob o aspecto delineado nos traços gerais atrás referidos, abrangendo um considerável campo de acção comercial e os variados ramos de negócio que podem ser explorados nas regiões tropicais ,– quase todas as restantes firmas estão numa dependência angustiosa dos fornecedores alemães e ingleses que exercem sobre elas uma tutela cruel…-“

Curiosidade: – Em 1904 na Damba existiam quatro comerciantes europeus, sendo um inglês…

(…) BEMBE- História das minas

“ Até 1855 eram exploradas pelo indígena, que pelos processos mais rudimentares, que pode supor-se, levava ao Ambrisete uma média anual de 250 toneladas de malaquite (1) .

A história dessas minas é resumidamente, a seguinte:

Por decreto de 7 de Novembro de 1885, foi concedida a sua exploração ao súbito brasileiro, negociante em Angola, Francisco António Flores, sendo por decreto da mesma data autorizada a organização de uma expedição, que fosse realizar a ocupação da região e a montagem da administração local, cujos encargos eram quase que tomados de parceria entre o Estado e esse comerciante.

Por portaria de 31 de Março de 1857, era aprovado um empréstimo de 10.000$, contraído pela Junta de Fazenda a Arca dos Orfãos de Loanda , para pagar as despesas feitas com essa expedição.

Entre os encargos, que Francisco Flores tomava, figura o de por ele ser construída uma estrada carreteira entre o Bembe e o Ambris, a qual devia  ser guarnecida de fortes, o que bem revela quanto era reconhecida, e quanto foi devidamente considerada, a importância capital de garantia de transportes, para a viabilidade da exploração mineira.

Figura também, entre as obrigações impostas a Flores, a de “importar para o Bembe 50 casais de colonos portugueses do continente ou das ilhas,” obrigação que lhe era cuidadosamente recordada pela portaria de 20 de Outubro de 1857, o que demonstra bem quão pouco se conhecia das condições climatéricas do Bembe, onde nem os próprios camelos conseguiram vingar, como em outro capítulo referi.

Por decreto de 31 de Janeiro de 1859, foi Flores autorizado a transferir para a companhia que organizou em Londres, com o titulo de “Western African Malachite Copper Mines Company, Limited”, os encargos e benefícios de exploração, sendo por decreto de 30 de Maio de 1862 concedido à companhia que procedesse a plantações no território ocupado pelas minas, exploração esta sobre que me escasseiam os documentos para reconhecer se chegou a iniciar-se e a ter quaisquer resultados.

A produção de cobre das minas do Bembe, durante o tempo que se efectuou a exploração por Flores ou pela companhia, foi, segundo mapas publicados em harmonia com o determinado na portaria provincial, de 24 de Julho de 1858 /-de 1858 a 1867 foi de 74.581 arrobas (2).

Posteriormente a 1876 não encontro elementos pelos quais possa estimar a produção das minas; é porém de crer que, por via de obstáculos de toda a espécie com que a exploração lutou, essa produção declinasse a partir deste ano, todavia sem ser por falta de cobre, como pode deduzir-se do livro de Joaquim John Monteiro, já citado. Angola and de River Congo, cujo autor esteve à testa dessa exploração em 1873, ano em que retirou para o Ambris, abandonando-se o Bembe por completo. Outro tanto pode-se concluir-se da conferência efectuada por Freire de Andrade, em sessão de 7 de Maio de 1906, na Associação de Engenheiros Civis de Portugueses.

Pelo o oficio da Direcção Geral do Ultramar nº364, de 16 de Junho de 1903, foi ordenado ao Governo da Província que reservasse um milhão de hetcares de terreno na região do Bembe para Francisco Montero proceder a pesquisas mineiras.

Por despacho de 13 de Maio de 1903, os direitos de pesquisas eram transferidos para a Companhia Portuguesa de ouro de Manica, a qual foram concedidas sucessivas prorrogações de prazo para realizá-las.

Em 1905 esteve no Bembe, comissionado pelo Governo, Freire de Andrade, e o que disse sobre as minas é de molde a animar o empreendimento da sua exploração, dada a superior competência que reside na pessoa desse funcionário em assuntos da especialidade.

(…) “ Pode verificar-se, todavia, pelos vestígios existentes, que, tanto os trabalhos antigos efectuados pelos indígenas, como nos efectuados pela companhia inglesa, a exploração não foi conduzida em larga escala (…) Pode concluir-se que está ali abandonada uma riqueza que representa uma oportunidade para uma vantajosa aplicação de capitais.

Não presumo, porém que se apresentem os pretendentes, sem que à empresa, que se proponha realizar a extracção do cobre do Bembe, se consinta a exploração das minas, simultaneamente com a exploração do sistema de tráfico que sirva a região do Quango, Encoje e Bembe pelo Ambris, cercado das maiores facilidades possíveis de conceder a empresas desta natureza”.

(1) Carbonato de cobre natural

(2)   1 arroba = 15 Kgs — 1.118, 715 Ton.

(…) “A razão das lavras”
Em primeiro lugar, os terrenos do Congo por sua natureza e disposição geográfica não se apresentam de maneira a permitir as culturas indígenas com carácter intensivo que têm na Guiné. Depois, acontece também, que uma acção exercida pelo comércio,e prolongada por muitos anos sobre os nativos deste distrito, enraizou nos diferentes grupos étnicos do Congo Português hábitos que não são possíveis de facilmente transformar, pelo menos para a forma que era para desejar que assumissem em face das necessidades do comércio.

Não pode restar a menor dúvida de que, com a compressão do negócio da borracha,moldado nos antigos processos, uma vez desaparecidos, e uma vez desaparecidas as aglomerações europeias que dão lugar a uma utilização de braços nativos em vários ramos de serviços, deve resultar uma revolução na economia cafreal, que há-de precipitar os indígenas em outros sistemas e agenciar ávida, por isso uma regressão ao estado de barbaria completo é impossível hoje, porque quase perderam o hábito de prover as suas necessidades rudimentares com os seus próprios meios de subsistência e processos de vida, cultivando, fiando, e tecendo os seus artigos de vestuário, apropriando a matéria prima para confeccionar as suas próprias redes de pesca, as suas armas de caça e de defesa, etc.

Evidentemente, a acção do desaparecimento do comércio, prolongada além e todo o limite, precipitá-los-ia nos seus processos rudimentares e regressariam por certo aos hábitos primitivos, passando a ser o instinto o principal, senão o único, fio condutor da sua vida; mas, como o comércio não desaparecerá por completo, e o como o nativo já não pode obter as utilidades, de que carece, com a borracha, realiza-se com o desaparecimento desta uma profunda perturbação económica, que há-de forçá-lo a procurar outra forma de obtê-las.

O sistema de efectuar a agricultura pela cultura indígena, é, não resta dúvida, uma forma admissível para a solução do problema económico sob o ponto de vista cafreal, mas não convém que seja adoptado desde já, sob o ponto de vista do comércio europeu.

Com efeito o agricultor indígena, pelo menos no debute da sua nova manifestação de actividade, não satisfaria as necessidades imperiosas impostas pelo volume considerável da exportação capaz de manter o comércio.

Se aquela transformação do meio se efectuasse, aconteceria, quando muito, que a sociedade cafreal se transformaria numa população de cultivadores mais ou menos densa, cultivando cada um deles o seu próprio torrão, no qual poderiam fazer crescer

tudo quanto necessário para as exigências do comércio. Isto é, uma agricultura reduzida à sua extrema simplicidade, cujo corolário fatal seria o estacionamento das necessidades cafreais, por si extremamente simples, senão o regresso do indígena ao estado primitivo,do qual apenas emergiu pelo contacto com o comércio civilizado que por todas as razões convêm tornar-lho indispensável.

Não podemos, por enquanto, esperar do indígena agricultor, trabalhando por agência própria, mais do que até aqui tem feito – produzir o estritamente indispensável para a sua sustentação e de sua família, para o pagamento do seu imposto ao Estado e para a satisfação dos seus vícios, que as nossas leis vão restringindo cada vez mais.(…)

(…) Mas há mais argumentos que é forçoso ponderar. Considerando agricultura cafreal sob o ponto vista técnica da especialidade, encarando-a pelo que respeita às causas que influem sobre o quantitativo das produções, modos de proceder no amanho das terras,processos de cultura mais convenientes, espécies de cultura a que dar preferência, etc.,devemos confessar que essa agricultura deixa muito a desejar, necessitando de muito aperfeiçoamento para que possa ter um valor apreciável e aproveitável pelo comércio.

(…) Para sustentar o comércio de exportação há, pois, que recorrer à “plantação”,conduzida em larga escala, orientada pelos princípios científicos modernos de produção intensiva e no distrito do Congo pode essa classe de empresas encontrar terrenos de qualidade suficiente, e das melhores qualidades, para proceder a todas as culturas próprias das zonas tropicais, havendo muitos lugares com água em abundância à disposição facilitando não só explorar a agricultura em larga escala, mas ainda as diversas espécies de industrias que aproveitem os géneros de de produção ou de cultura tropical…”

Fim da Viagem…

Adenda:

CONSELHO DA DAMBA ( Cronologia Colonial)

… Foi primitivamente, criado como Posto militar, por portaria nº. 1416 de 30 de Dezembro
de 1911 ( B.O. nº. 52)

Passou a Capitania mor, por portaria nº.730 de 27 de Junho de 1913 ( B.O. 26), sendo ali
colocada a 1ªCompanhia em 1 de Julho de 1913.

Por decreto nº31 de 25 de Julho de 1921 (B.= 30) passou a circunscrição e, poucos meses
depois, por decreto nº80, de 14 de Dezembro 1921 (b.O. 50) ao regime civil.

A Capitania – Mor da Damba, a circunscrição Civil e o Concelho em que sucessivamente se
transformaram, engloba os Postos da Sede, Bungo, 31 de Janeiro e Camatambo.

Os Postos da Sede e Bungo foram criados pela Portaria Provincial nº. 1416 de 30 de
Dezembro 1911 e o Camatambo pela Portaria nº 386 de 25 de Março 1915.

O Posto do Camatambo foi extinto para novamente tornar a ser criado em 1962.

Os nossos agradecimentos ao grande Soba Honorário da Damba e colaborador ARTUR MÉNDES.

VIAGEM AO BEMBE E DAMBA, Setembro a Outubro de 1912, “In- NO CONGO PORTUGUÊS Relatório do Governador do distrito, primeiro tenente de marinha, José Cardoso. Cabinda ,1913”

Comentário

1 Comment

  1. Gostaria muito de compreender o que levou o pessoal mineiro a abandonar definitivamente a exploração no Bembe e se mudar para o Mavoio. Será que o minério acabou? Será que foi por razões militares? Havia possibilidade de ter minério de cobre sulfetado para além da malaquita na superfície?

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