Viagem ao BEMBE E DAMBA em 1912

 

Por José CardosoGovernador do Congo  português em 1913

 

Setembro a Outubro de 1912

Partimos do Bembe, com destino à Damba, no dia 28 de Setembro, às 5 horase trinta minutos, e chegámos ali em 1 de Outubro, às 10 horas, tendo percorridoa distancia aproximada de 140 quilómetros, que separa as duas povoações indicadas, em 28 horas e 40 minutos durante 4 dias de marcha. Não há entre estes dois pontos nenhuma estação da autoridade, nem estação comercial, e, não obstante ser um caminho relativamente frequentado por brancos de negócios, foi a primeira vez que foi percorrido pela autoridade, que não escondeu a sua qualidade durante sua travessia.

Encontram-se, todavia, importantes centros indígenas durante esse percurso, sendo dignos de menção, pelo seu desenvolvimento e população, Bêngua, Quissipe, Nlenvo, Quimbonde, Tenga, etc. Durante os dois primeiros dias de viagem anda-se em altitudes próximas da altitude do Bembe, não se descendo abaixo delas mais de 200 metros, subindo-se raramente acima daquela por forma digna de menção.

São bons os caminhos, bem cuidados pelo indígena, e a qualidade do terreno melhora gradualmente à medida que nos afastamos de Bembe, desaparecendo a argila e o gneisse, para dar lugar a ricos terrenos de húmos, especialmente no vale do Lucunga e perto de Nlenvo, no sopé da cordilheira do Ncuso, onde são verdadeira e excepcionalmente ricos, começando a ser exuberante a vegetação.

Em muitos sítios, porém, quási sempre nas cumiadas, aflora o gipso. No segundo dia de viagem, a uma hora de Bêngua, onde havíamos acampado, é o caminho interceptado por um rio importante, o Lucunga, cujas águas correm para o Mbrige, despejando ali a mais importante bacia que se encontra entre Bembe e Ncuso. Temo Lucunga, no ponto em que atravessámos, cerca de 50 metros de largura, não menos, correndo nesse ponto , e no fim da estação seca, um considerável volume de água com uma velocidade de 2 milhas à hora. A profundidade do rio no talvegue , no local da travessia, é de proximamente 2 metros, e há perto, para montante daquele local , a uns vinte minutos de caminho por terra, uns rápidos cujo ruído se aprecia distintamente ali.

Atravessa-se O Lucunga numa canoa gentílica, comprida de 15 metros, larga de 1,20, que transporta por cada viagem vinte pessoas respectivos mutetes carregados, tendo sido necessário quatro viagens para pôr a nossa caravana na outra margem o que consumiu 1 hora e 10 minutos.
Sendo rica em chuvas aquela região, deve o Lucunga ser um rio caudaloso na força delas. Até junto dele, alternam as charnecas com as matas, sendo estas cada vez mais densas, mas nem por isso variando muito a vegetação que, em plantas aproveitáveis , continua a apresentar o dendêm , o cajueiro, a bananeira e o ananás, desaparecendo por completo o baobab… È frequente atravessarem-se extensas plantações de mandioca, de belo aspecto e muito bem cuidadas.
Aumenta a humidade atmosférica desde o Bembe até a Damba. No terceiro dia de viagem, depois de termos cortado várias curvas e ramais de linha de água que se forma no sopé da cordilheira do Ncuso, atravessando densa mata e alto capim, começa a ascensão ao platô em uma profunda ravina, estando o caminho traçado pelo indígena, belamente escolhido, por forma a atingir-se, realmente, a mais elevada altitude, pela rampa mais suave, prejudicando o menos possível a distancia a percorrer. Desde então nunca mais se deixa de subir até se chegar à Damba, onde se atinge uma altitude de cerca de 1.200 metros.

É empolgante o panorama que se desenrola na direcção do caminho já percorrido, quando chagamos à primeira cumiada, que depois nos impede de olhar na direcção do Bembe, três horas depois de se ter iniciado a ascensão. Goza-se quasi em toda a sua extensão o caminho feito desde o Bembe, e todo o território que fica para o norte das serras da Quivoenga, uma vastíssima superfície bruscamente ondulada em todas as direcções, que através da ligeira neblina da manhã nos dá a impressão de um grande mar encapelado que solidificasse instantaneamente , com os últimos cachões de rebentação a perder-se de vista, muito longe, nas fímbrias do horizonte.

Por mais de uma vez nos aparece este imponente espectáculo panorâmico. A paisagem local que então se encontra não desmerece da grandiosidade da paisagem panorâmica. Comprimem-se, em vales profundos, densas matas, que começam a tomar proporções de florestas onde se encontram já madeiras rijas, de árvores grandes, direitas, que, ávidas de sol, se esguiam por entre a vegetação enleante que ameaça roubar-lhes a luz e esganá-las em vigorosos cochados de lianas gigantescas; é frequente o feto arbóreo , alto, com 5 e 6 metros.

É frequente a floresta trepar aos cumes com vigor, esfarrapando-se nos troncos das árvores mais desenvolvidas os densos rolos de nuvens que o vento frio da manhã arremessa de encontro aos montes de do Ncuso.

Mesmo nos cumes desses montes, o solo é rico, abundante de húmus e repassado de humidade. Almoçámos ao meio dia em Quimbonde no dia 30, numa latitude de 1.000 metros, fortemente agasalhados, tal era o frio e a humidade.O caminho, embora simples caminho de preto, mantêm-se bem cuidado e limpo até a Damba, e isso devido ao grande movimento de caravanas que ainda hoje percorrem até Nlenvo, onde depois se bifurcam os caminhos para os diferentes pontos de negócio na costa.

Não é, porém, grande a importância comercial da região atravessada por esse caminho; embora abundante, não produz nenhum dos produtos procurados pela permuta; há, todavia, um comércio local activo entre o gentio, que se realiza em feiras que se reúnem em quatro dias, havendo todos os dias feiras em qualquer ponto da região.

A água é frequente, abundante e de óptima qualidade; encontra-se quasi que de hora a hora de marcha; é cristalina, correndo em leito de rocha ou areia limpa e calhau rolado.As povoações são grandes e densamente povoadas, as cubatas espaçosas e bem construídas . Assim como os caminhos, estão também as povoações muito bem tratadas e limpas, e, sendo estabelecidas de preferência nas eminências, todo o terreno da encosta está bem capinado e plantado de muitas bananeiras, muito bem cuidadas; há nas proximidades das povoações grandes plantações de mandioca, feijão, milho e batata, havendo também hortaliça em todos os povos depois do Bembe para o interior.

Os terrenos para as lavras são bem tratados, as cavas são mais profundas do que é vulgar nas povoações da costa, sendo o terreno defumado e adubado com as cinzas do capim e das raízes, que durante a cava reúnem em montes que são cobertos com camada de terra de forma a fazer arder o capim lentamente. Têm grandes terreiros para secar mandioca antes de a transformar em quicuanga, alimento que muito apetecem e que se encontra em grande quantidade nas feiras.

O indígena distingue-se do que se encontra até o Bembe pela sua vivacidade e esperteza, é activo, laborioso, negociante por excelência; vive vida alegre e desafogada.

De Damba a Maquela do Zombo

Deixámos a Damba, com destino a Maquela, no dia 2 de Outubro, às 11 horas, chegando ao destino marcado a 4, às 15 horas e 25 minutos, tendo feito cerca de 100 quilómetros em 19 horas e 10 minutos, durante três dias de viagem. Passámos a tarde do dia 3 em Quibocolo, onde se acham instalados um posto militar e uma estação da missão inglesa da B.M.S., já citada, e que ali está estabelecida desde 1889.

Desde a Damba até Maquela dispomos de uma estrada bem cuidada, larga de 6 metros, e que se estende até Banza Bata, na fronteira, sobre o caminho de Tumba. Esta estrada foi construída por minha ordem depois do nosso estabelecimento na Damba, com a intenção de facilitar a concentração da força que devia operar,no cacimbo que acaba de passar, nas regiões de leste e sueste do distrito.

Com efeito, quando em Junho de 1911 fui ao Quibocolo, o caminho era difícil de ser percorrido por artilharia, pois que na sua maior parte era constituído por sulco no terreno aprofundados pelas chuvas, pelo qual caminhava uma pessoa, ficando com o terreno adjacente à altura dos ombros e portanto sem horizonte, devido ao alto capim.

Vi com satisfação que as minhas ordens foram cumpridas, sendo apenas paralamentar que não fosse essa importante estrada aproveitada no fim capital a que era destinada. A estrada que está construída consiste em manter limpa, lisa e regularmente nivelada uma faixa de terreno de 6 metros de largura e que estende desde Damba a Maquela e a Banza Bata, com o comprimento total de cerca de 150 quilómetros. Além disto aperfeiçoou-se o traçado do caminho gentílico, evitando-se as curvas desnecessárias e procurando-se os declives mais suaves, rasgaram-se as matas, onde passa a estrada, mantendo a sua largura, e aos fundos de vegetação gigantesca e luxuriante, que em mais dum ponto se encontram desde a Damba para norte. (…)Os campos, as povoações, a natureza, as produções e as matas, tudo apresenta o mesmo aspecto que descrevemos, depois que se entra no Ncuso e se passa para a Damba; os terrenos, todavia, têm menos aparência,sendo mais arenosos e cheios de fragmentação de quartzo.

Torna-se apenas excepcional a grande quantidade e variedade de orquídeas selvagens, notáveis pela beleza e mimo dos tons, e pelas formas caprichosas que apresentam.

 

Extratos “ In- NO CONGO PORTUGUÊS VIAGEM DO BEMBE E DAMBA – Considerações relacionadas. Relatório do Governador do distrito, primeiro tenente de marinha, José Cardoso Cabinda, 1913

 

 

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