A fuga de Hoji ya Henda para Leopoldville, em 1960, passou pelo Uíge e Zombo.

Nascimento do Comandante Hoji ya Henda

José Mendes de Carvalho nasceu em Ndalatando, em 29 de Julho de 1941. Era originário de uma família humilde. O pai, Agostinho Domingos de Carvalho, era enfermeiro auxiliar e a mãe, Florinda de Carvalho, doméstica. A família viveu em Ndalatando e depois em Bula-Atumba.

O casal Carvalho vivia na companhia de sete filhos, dos quais José Mendes era o mais velho, seguindo-lhe o João, o Daniel, a Mariazinha, a Sara, o Samuel e a Eunice. Um outro irmão paterno, o Calvino, vivia em Luanda na residência do Reverendo Gaspar Adão de Almeida. O pai pertencia à religião protestante metodista, tal como José Mendes, que fazia parte da juventude metodista e do seu grupo coral.

Agostinho Domingos de Carvalho era um homem bastante preocupado com a educação dos seus filhos. Às vezes, passava sacrifícios para custear os estudos quer com os que estavam em Ndalatando, quer com os que residiam em Luanda. Além disso, o contexto político e social dos anos cinquenta e subsequentes foi bastante penoso para os angolanos.

Assim, a família Carvalho não escapou à fúria do regime salazarista, e viveu momentos difíceis. Nesse período, algumas famílias luandenses acolhiam com frequência pessoas amigas ou familiares provenientes do interior com o fim de prosseguirem os estudos.

Era o caso de José Mendes de Carvalho que, por volta de 1954, chega a Luanda com o ensino primário concluído e foi viver no Bairro Operário, em casa da família Neto (pais do Presidente Neto), que tinha ainda sob a sua tutela familiares próximos dentre eles Deolinda Rodrigues e Roberto de Almeida. Aqui, os jovens recebiam uma educação familiar, cultural, cívica e religiosa.

Formação académica

O liceu

Enquanto estudante prosseguiu os estudos no Colégio da Casa das Beiras (o actual Elinga Teatro), onde iniciou o ensino secundário, e posteriormente no Liceu Nacional Salvador Correia. Aí começou a distinguir-se como estudante dedicado, leal para com os colegas e amante da cultura física e do desporto, apesar de os professores no liceu na sua generalidade serem marcadamente salazaristas e alguns com um cunho racista, praticando maus tratos aos alunos aos alunos negros, dirigindo-se para eles em termos insultuosos.

Conta-nos Ismael Martins que José Mendes era um grande desportista, em particular de ginástica e praticante de futebol não só no liceu como no associativismo. A convivência através do desporto, independentemente do status social e da religião de cada um era salutar e facilitava o sentimento nacionalista.

Mas José Mendes nutria também gosto pela música, sobretudo a dos clássicos congolenses como Rochereau, Nico e outros que o motivaram a aprendizagem da viola como João Victor Weba, no Bairro Sambizanga.

O Soba como também era chamado pelos colegas, devido ao sério carácter, sério, de poucas palavras, coragem e firmeza de princípios, teve companheiros que viriam a ser também seus camaradas de luta pela independência.

O amor à Pátria e o crer na liberdade iluminavam a consciência destes jovens com princípios nacionalistas, obrigando muitos deles a abandonar o liceu para se enquadrarem na guerrilha.

Dos vários camaradas destacam-se José Eduardo dos Santos, Roberto de Almeida, João Filipe Martins, Rodolfo Bernardo, Pedro de Castro Van-Dúnem “Loy”, Inocêncio Maurício, Carlos Rúbio, Mateus João Neto, Eduardo Africano, Enoc de Vasconcelos, Ismael Gaspar Martins e outros.

O percurso político

José Mendes iniciou a carreira política entre 1957-58. O ambiente na casa em que viveu era eminentemente político. A luta política dos angolanos pela independência crescia com uma nova consciência, e renascia a vontade de liberdade.

Angola beneficiou, por exemplo, com a independência do Congo Leopoldville e foi para este país durante o período Lumumbista que muitos nacionalistas angolanos marcharam. O Bairro Operário foi palco de actividade política, cultural e de reuniões clandestinas. Vivia-se em Luanda um clima de pressão policial com prisões pela polícia política portuguesa (PIDE) de nacionalistas cujo julgamento ficou celebremente conhecido como o “Processo dos 50”.

José Mendes e Ismael Martins mantinham, até à fuga de Luanda, em Janeiro de 1960, contactos muito próximos com os integrantes do Processo dos 50 dos quais alguns implicados eram seus parentes.

No caso de José Mendes, Agostinho Mendes de Carvalho (primo) e, no de Ismael Martins, Sebastião Gaspar, Florêncio Gamaliel Gaspar e Adão Domingos Martins (pai, irmão e primo). Segundo Ismael Martins, dois homens teriam influenciado o pensamento político de José Mendes , Agostinho Neto e Amílcar Cabral dois grandes nacionalistas africanos que ao seu lado se reuniram longas horas para analisar a situação política e social reinante no país e discutir formas para combater o regime colonial.

José Mendes frequentou a Mocidade Portuguesa e, durante o período de instrução no Quartel RI 20, em Luanda, mantinha contactos com os soldados angolanos com vista a mobilização dos mesmos para a luta pela auto-determinação, convidando-os a desertar com as armas.

Entre 1958 e 1960, José Mendes desenvolve actividades caracterizadas pela mobilização de novos integrantes para as células clandestinas e distribuição de panfletos. Nos dias em que frequentava a Mocidade Portuguesa, ao cair da noite, ainda uniformizado para iludir a polícia, procedia à distribuição de panfletos nos bairros suburbanos de Luanda.

Os panfletos eram produzidos no Centro de Dactilografia da Igreja Evangélica no qual José Mendes, Adolfo João Pedro e alguns compa-nheiros tinham acesso aos equipamentos, após frequentarem o primeiro Curso de Dactilografia, em 1957, facilitando desta forma a missão da célula.

Em meados de 1960, José Mendes e Ismael Martins iniciaram os preparativos para a fuga. Agostinho Mendes de Carvalho, detido na Casa de Reclusão, sabendo dos preparativos da fuga de José Mendes para Leopoldville, orientou à esposa, numa das visitas que fizera à cadeia, como José Mendes devia proceder. A mesma mensagem fora recomendada por Agostinho Mendes de Carvalho ao mais velho Mário Silva, funcionário do então Banco de Angola.

Morte do Comandante Hoji ya Henda

Alvejado traiçoeiramente no peito na madrugada de 14 de Abril de 1968 no Quartel de Karipande.
Na dinâmica do combate, Hoji ya Henda, que ainda teve a coragem de gravar todas as suas ordens de comando através de um gravador, uma vez no interior do quartel, foi alvejado por franco-atiradores entrincheirados que dispararam certeiramente contra o seu peito.

“O tiro foi de tal maneira traiçoeiro e certeiro que atingiu no peito o comandante, sem mais hipótese de sobrevivência, apesar de se ter tentado ainda reagir e lutar contra a morte”, escreveu Dino Matrosse na página 176 do seu livro “Memórias e reflexões”.

O comandante da III região morreu na presença de Pedro Chamilo, comandante “Cuidado”, e outros militares que foram a tempo de recuperar a arma, o rádio cassette e todo o espólio militar que levava consigo.

A partir de então, a assembleia regional no território da Frente Leste haveria de homenageá-lo postumamente com o título de “Filho querido do povo angolano e combatente heróico do MPLA”.

Hoji ya Henda pretendia que a batalha de Karipande fosse um marco importante da luta do MPLA na III região, razão pela qual a operação foi planeada para empregar um importante aparato guerrilheiro com um dispositivo constituído por três escalões e o emprego de importantes meios de artilharia como os morteiros de 120 milímetros, entre outros na altura.

Dino Matrosse obteve estas informações a partir de combatentes que participaram na operação entre os quais se conta António Condesse de Carvalho “Toka” e os falecidos comandantes Katondo, Cuidado e Dimbondwa.

Aspecto importante da sua fuga

Dentre estes partiram apenas José Mendes, Ismael Martins e Elísio de Figueiredo. Na alvorada do dia 9 de Janeiro de 1960 partiram, guiados por Neto, experiente e conhecedor dos caminhos que davam acesso clandestino ao Congo Leopoldville. O Campo da Acadêmica do Ambrizete no Sambizanga, o actual Mário Santiago, foi o local de partida. Disfarçados de camponeses que viajavam para o Uíje para trabalhar nas fazendas de café, dificilmente se reconheceria José Mendes, Elísio de Figueiredo ou Ismael Martins.

José Mendes e companheiros viajariam de caminhão de Luanda ao Uíge, esta última cidade seria a etapa final em território angolano. Os jovens contavam com o apoio do bispo norte-americano Ralph Edward Dodge, que, segundo Ismael Martins, se identificava com a causa do nacionalismo angolano, sobretudo no apoio a estudantes. A Igreja Metodista em Leopoldville daria o apoio necessário. Tal fora a promessa do bispo.

O perigo de serem descobertos começava a apossar-se dos jovens, mas a audácia de José Mendes revelou-se como a alma do grupo, transmitindo confiança, certeza no sucesso da viagem e boa disposição a todos.

Depois de ter percorrido vários quilómetros, o grupo chegou à cidade do Uíje em pleno recolher obrigatório. O guia instruiu-os que deveriam permanecer no quintal em que estacionara o caminhão para antes do Sol raiar caminharem até a um esconderijo numa das aldeias, longe da vigilância do exército e da polícia colonial bastante vigorosa na região.

Chegados à aldeia do ancião Pedro Mavitidi, permaneceram aí alguns dias sob o seu cuidado e protecção até estarem criadas as condições de segurança para continuarem a viagem até Maquela do Zombo, onde chegaram no fim da tarde do dia 28 de Janeiro. Em Maquela, foram imediatamente conduzidos para um dos bairros, na residência do casal Bernardo e Matilde, onde depois viriam a encontrar José Condesse de Carvalho “Toka” que ali trabalhava havia pouco tempo. Quer o casal, quer “Toka” pareciam estar em sintonia com o guia, o que os tranquilizou.

Eles tinham que permanecer escondidos até que as condições e o risco na zona não ameaçassem a travessia da fronteira. O percurso de Maquela a Kimpango (território congolês) foi difícil e arriscado por se tratar de zona fronteiriça, onde a presença do exército colonial era visível.

Assim, no domingo à tarde, foi dado o sinal de partida. Foi nesse percurso que o guia demonstrou perícia e grande experiência, conduzindo o grupo por esconderijos de caçadores em plena mata e por atalhos longe da presença das autoridades coloniais.

Durante a marcha os dois companheiros de viagem dificilmente disfarçavam o cansaço, mas José Mendes marchava com certa agilidade mantendo sempre o mesmo ritmo, num diálogo cordial com o guia e caçador que, empunhando um canhangulu, puxava por todos para acelerar a caminhada.

Finalmente, o grupo franqueou a fronteira e entrou em território congolês. Neto, conhecedor dos meandros do Congo, rapidamente arranjou formas para embarcarem num “táxi brousse” que os conduziu ao destino.

Os jovens recém-chegados integraram-se de imediato na actividade política cumprindo missões do Movimento como a mobilização das populações, elaboração e difusão de material de propaganda.

De acordo com a promessa do bispo Ralph Edward Dodge, foram-lhes concedidas bolsas de estudo para os Estados Unidos da América. Entretanto, na véspera da partida para Nova Iorque, em Junho de 1961, José Mendes decidiu abandonar o projecto da viagem. Ainda no mesmo ano, uma outra bolsa para a ex-Checoslováquia havia sido recusada pelas mesmas razões. Era o momento de opção e acção para José Mendes.

Segundo José Mendes, as bolsas eram importantes, mas o estudo da arte militar era prioritário tendo em conta a via armada adoptada pelo Movimento para a libertação do país. Esta opção vincava bem a característica do futuro comandante. Em Agosto de 1968, o MPLA a tribuíu ao comandante Henda o título de “filho querido do povo angolano e combatente heróico do MPLA”.

Este título foi-lhe conferido pela Assembleia Regional no território da Frente/Leste em reconhecimento da sua dedicação e determinação pela defesa da causa do povo angolano. Também, por decisão I Assembleia da 3ª Região, a direcção do Movimento orientou no sentido de se honrar condignamente o dia 14 de Abril.

Foi assim que cada organismo, cada militante do Movimento, as representações e secções de estudantes no interior e no estrangeiro deram grande relevo à data, generalizando a luta armada em todo o território nacional, combatendo com maior ardor o colonialismo e ao mesmo tempo elevando o nível político dos militantes e do povo através de reuniões, paradas militares e colóquios.

O encontro Nacional da Juventude numa assembleia que congregou, em Cabinda, há anos, várias associações juvenis, algumas das quais de partidos políticos, filiados no Conselho Nacional da Juventude (CNJ) determinou que o 14 de Abril continuaria a ser o Dia Nacional da Juventude Angolana.

Extractos do livro “José Mendes de Carvalho na Rota da Pide (Comandante Hoji-ia-Henda). Um testemunho à sua memória”.

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