GÉNESE DA RESISTÊNCIA GUERRILHEIRA PARA INDEPENDÊNCIA NACIONAL

Colonos portugueses regrupados em milícias para defender a vila da Damba durantes os ataques guerrilheiros dos independetistas da UPA. Imagem do Dr. Morais Martins/Muana Damba

Por Silvino Fortunato

Lukunga, Ambuila, Ntoto e Mbembe foram alguns dos palcos dos levantamentos nacionalistas no dia 15 de Março de 1961, enquanto Songo, Damba e Uíge (cidade) conheceram a saga revolucionária nos dias posteriores

Muitas das concentrações colónias foram atingidas em simultâneo pela sublevação popular no dia 15 de Março de 1961, em várias regiões da actual província do Uíge, havendo outros levantamentos nos dias posteriores. As acções que pareciam ter um carácter espontâneo foram-se transformando em luta de resistência guerrilheira que culminou 14 depois, em 1974.

Para além do posto administrativo de Kitexi, que mais se sobressaiu, Kipemba (que posteriormente foi designado por Kipedro), Lukunga, Ambuila, que era Nova Kaipemba, Ntoto, Mbembe e outros lugares foram palcos dos levantamentos nacionalistas no dia 15, enquanto outras como Songo, Damba e Uíge (cidade) conheceram a saga revolucionária nos dias posteriores à data.

 As revoltas têm em comum sinais de planeamento e organização, que justificavam as baixas coloniais, que iam sendo surpreendidos nos primeiros ataques, como se soube de fontes ouvidas pelo Jornal de Angola, que se deslocou a sede municipal do Songo e a comuna de Lukunga, que dista a 144 quilómetros da cidade do Uíge.

Escritos anteriores deste jornal sobre o 15 de Março apontam Pedro Vida Garcia, Manuel Bernardo, Ferraz Bomboko, Rodrigo Ngodia, Pedro dos Santos, como os principais instigadores da luta nesta região do antigo reino do Congo. Na actual reportagem podem ser encontrados outras referências da génese da luta como António Ninginisa, natural da aldeia do Lembua, Kingotolo, natural da Aldeia Mukamba do Bembe, Keto Pedro, de Kikumbi Ngombe, Pedro Mbunda do Nkusu Mpete, Ferreira Muanga e outros nacionalistas que mais tarde viriam a ser os fundadores do campo de treino de Kinkuzu no Congo, ex-Zaíre.

Trabalhar um ano por 100 escudos e um cobertor

Miguel Pedro nasceu em 1944, no povoado do Ki-luangu, em Lukunga. Disse-se ser um dos autores do ataque ao posto administrativo de Lukunga, quando ainda tinha 17 anos de idade, isso no dia 15 de Março de 1961. Na altura vivia aos cuidados dos seus tios maternos com os quais trabalhava o café, na fazenda destes, antes de fazer parte da idade de contratados.

Segundo ele a dureza da vida do contrato enervava as pessoas. Os brancos viam recrutar os jovens para o contrato nas fazendas pessoais ou da granja do estado onde permaneciam por um ano, a produzirem o café. O soba se encarregava de apanhar os rapazes e depois ia apresentá-los a administração onde eram alistados para posteriormente serem encaminhados para as fazendas que requeriam a mão-de-obra, necessária para a capina das fazendas do café assim como para a colheita, que eram os trabalhos de eleição da época.

Depois de um ano, o contratado voltava para o repouso. “Eles davam, como pagamento 100 escudos e um cobertor e te diziam, vai embora na vossa sanzala, está dispensado”.  Questionado se não era muito, o dinheiro e os bens de pagamento, Miguel Pedro categórico respondeu: “Não era miséria, uma humilhação”, tendo exemplificado que o seu pai tinha 4 mulheres e se por um ano ganhava um cobertor como dividiria para essas mulheres, para além dos filhos.

O homem adulto regressava ao contrato no ano seguinte, depois do repouso de 12 meses. O Pai de Mi-guel Pedro foi ao contrato 7 vezes, até ao ano de 1961. “A pessoa vai e quando chegar a data marcada pelo soba volta novamente no contrato. O próprio nacionalista disse ter começado muito cedo a cumprir o ciclo contratual nas tongas coloniais. “Eu comecei o contrato com o trabalho da escolha de café. Até os acontecimentos de 15 de Março cumpri dois contratos. Passei um ano em casa e no ano seguinte me apanharam mais e fui na fazenda escolher o café”.

De acordo com o nacionalista a parir dos 10 anos as pessoas começavam já a sofrer as consequências dos portugueses. “Isso, a dada altura, começou a enervar a população que dizia que “estes gajos estão a nos explorar demais, vamos matar os gajos”.

Na sua opinião esse descontentamento foi aproveitado pelos mensageiros (activistas) que vinham do Kongo Kinshasa, já influenciados pela revolução de Patrício Lumumba. Citou António Ninginisa, natural da aldeia do Lembua e o Kingotolo, natural da Aldeia Mukamba do Bembe e Bomboko do Kitexi como os mensageiros que julgavam terem vindo de Kinshasa. “O Bomboko depois de ficar aqui durante algum tempo vai a Kitexi, o Ninginisa fica aqui, o Kingotolo passa para o Ntotó”.

Ordem para atacar

“A concentração, no dia, que fomos juntados e nos deram a ordem de atacarmos os brancos colonos no Lukunga tinha sido feita próximo da vila do Lukunga do Bembe, na rota quem vai ao Mbanza Kongo. Vi pessoalmente esses homens no lugar da concentração”, disse demonstrando felicidade por ter estado diante daqueles nacionalistas que mobilizavam as populações para a rebelião.

Todos os jovens dos bairros tinham sido mobilizados a participarem, sendo, então, orientados no local da concentração para que cortassem as mangas das suas camisas e ficassem apenas de tronco nus. “Se tem calça tinha de ser cortada. Era essa a instrução que nos tinham dado. Quem vai combater tinha de ir assim. Era a ordem”.

Depois de dois dias de concentração, que se fazia no Povo Vila, foi dada a ordem de partida, na madrugada do dia 15 de Março. “Com a bravura fomos”. Os homens válidos dos povoados de Kilonde, Kikuva, kiluangu, kinzambi, até os da área do Nsumbi, do Lembua, do Povo Mbundu, todos estavam mobilizados e presentes para o primeiro enfrentamento contra os colonos.

“Saímos às 6 horas da manhã do local da concentração. Atacamos o Lukunga, onde morre só um preto, chamado Makaya Mavangazala, natural do povo Kikani”. Na vila havia apenas dois ou três polícias e o mesmo nú-mero de cabos negros. Não tinha militares. O chefe do Posto Administrativo chamava-se Carvalho. Quase Todos os habitantes brancos da vila de Lukunga tinham sido mortos durante o ataque. Apenas um tinha conseguido safar-se. Alguns que tentaram escapar-se foram alcançados e abatidos, outros que conseguiram desfazer-se dos atacantes, incluindo o manuenses, como chamavam o secretário-geral da administração, foram encontrados mortos fruto dos golpes e dos tiros de kanhangulu.

Lukunga fora ocupado pelos nativos, em pouco tempo. O chefe do posto foi o único que se tinha safado, segundo o homem do 14, como chamam os guerrilheiros que enfrentaram a autoridade colonial de 1961 a 1974. O administrador do posto tinha sido informado sobre a iminência do ataque por parte dos serviços de informação colonial, cujos agentes actuavam em Kinshasa, junto da direcção da UPA, tal como informou. “O regime português acompanhava as movimentações do movimento a partir de Kinshasa”.

Tinham sobrevivido também aqueles que antes se tinham deslocado a Luanda. “Foram os poucos que não tinham sido mortos”, de acordo com as lembranças de Miguel Pedro.

Acrescentou ainda que muitos comerciantes ainda tentaram ripostar ao ataque com as suas caçadeiras. Mas os nacionalistas tinham-se enfurecido com a morte do companheiro, Makaya Mavangazala. “Conseguimos matar o autor do disparo da caçadeira que matou o mano Makaya. Esse branco foi o mais cobarde da vila, era chamado Horismo”.

Confrontado com a razão de ser do ataque contra os comerciantes coloniais ao invés dos fazendeiros, o então guerrilheiro foi categórico em justificar que atacaram os autores do recrutamento dos negros para as roças, que era o pessoal da administração, sobretudo o chefe do posto. “Você não ia ao contrato sem ser alistado pelo chefe do posto”. Questionado sobre as razões que afastaram os sobas da ira popular, ele afirmou que as próprias autoridades tradicionais apenas cumpriam ordens e que muitos deles também cumpriam os contratos mal pagos.

Em resposta houve bombardeamento contra a vila e as sanzalas circunvizinhas de Lukunga. “Caiu uma bomba na aldeia do Mpaku. Na vila foram três que não mataram ninguém porque já tínhamos saído”. O ataque contra Lukunga foi chefiado pelo Tony Gilungua, que era da aldeia do Luangu, que já tinha cumprido a tropa colonial portuguesa, tendo sido, muito depois, o chefe do quartel de Kikomba nas matas, quando passaram para a guerrilha.

“Também tínhamos o Keto Pedro, de Kikumbi Ngombe, Pedro Mbunda do Nkusu Mpete, que era antigo cabo no posto do Lembua, depois de servir também o exército português. Os dois fizeram parte da fundação do campo de treinos de Kinkuzu, de acordo com Miguel Pedro, que foi um dos primeiros instruendos do mesmo.

Informou que durante o ataque contra Lukunga, animada com as palavras de ordem “UPA, Maza, UPA, maza” (UPA, água, o mesmo que a água não pode ser atingida) ninguém saqueou as coisas dos brancos. Tinham sido instruídos a não o fazer. “Diziam-nos que quem assim tentasse, morreria. Dinheiro, você encontra bwé, mas não pode tirar, nem copo de açúcar ou sal, você podia tirar”.

Os colonos do posto de Lukunga

Lukunga tinha 12 ou um pouco mais de comerciantes, para além dos agentes do estado que eram os funcionários do posto administrativo, policias e cabos negros. Já com alguma dificuldade de memorização, Miguel Pedro ainda se lembra de muitos dos moradores da vila do Lukunga, como o Da Cruz, o Roberto, o Leitão, o Carvalho (chefe do posto).

Ainda tinha o branco que gostava que o chamassem com o nome da expressão dos nativos “Paxitunazau, mundele a Ndombi (o Sofrimento que temos, branco negro”, na tradução literal. Este era o único que Miguel Pedro conhece ter conseguiu escapar, fugindo para o posto administrativo da Damba, para além dos que estavam em Luanda. Havia ainda o Carvalho, comerciante, que era caçador, o senhor Morais, que era o chefe da granja, a horta do estado.

Mortes de vingança

Sem remorsos indicou terem morto todos eles conjuntamente com as suas esposas e filhos. “Ninguém ficou. Eram cortejados com as catanas”. Durante o ataque foram utilizadas apenas duas armas de tipo mauzer, sendo maioritariamente armas artesanais. “Porque essa barbaridade”? Quis saber o repórter do Jornal de Angola, sendo-lhe ripostado com o argumento segundo o qual os filhos não podiam sobreviver para não darem continuidade a exploração nos contratos e as matanças que os pais faziam também até contra crianças.

Ainda o JA procurou saber se foram essas matanças indiscriminadas que levava os portugueses a acusar-vos de terroristas, uma questão que o entrevistado disse que eram sim terroristas, assassinos, no entendimento dos colonos. Eles apenas queriam recuperar a liberdade, a dignidade e a soberania e que não se importa com o julgamento que os colonos faziam na sua propaganda.

Enquanto isso, Pinto Luvumbo que acompanhou o JA à comuna de Lukunga acrescentou que o termo terrorismo ou assassinos surgiu como propaganda dos portugueses que passava através dos emissores da rádio, com o propósito de manchar a revolução e esconderem as atrocidades que provocavam contra os colonizados.

“Eles eram os verdadeiros terroristas. Prendiam pessoas em suas casas. Levavam-nas e matavam de forma muito cruel. Violavam mulheres na presença de crianças. Violavam mães e filhas no mesmo lugar. Os grandes terroristas eram os colonialistas portugueses. Era por causa deste terrorismo que nos revoltamos, para além dos contratos”.

Desafiou os historiadores portugueses ou angolanos a terem a coragem “como temos agora” de assumir o que fizeram, para a nova geração julgar. Para ele o que aconteceu faz parte da história e deve ser mesmo contada com detalhe e verdade.

“Perdi aqui o irmão mais velho”

Depois do ataque voltaram ao mesmo lugar da concentração, onde foram traçadas as futuras acções, como os posteriores ataques contra o posto administrativo da Damba, que aconteceu em Abril de 1961. “Perdi aqui o meu irmão mais velho, o Mário Francisco que foi o primeiro a cair. Depois foi o Kyaku que morreu quando teimosamente retirava do mastro a bandeira portuguesa, ao invés de fugir, como lhe pediam os companheiros. Foi daí que eu fugi, indo-me esconder directamente na Serra da Kanda, passando por Mpete Nkusu e Sakamu.

“Com essas mortes do nosso lado, decidi fugir, passando por estrada cujas aldeias tinham sido abandonadas pelos seus moradores, por causa dos ataques, das mortes de colonos que motivaram o abandono de quase todos os postos administrativos coloniais”, disse Miguel Pedro.

Nessa altura, adiantou, as sanzalas, que ficavam nas estradas, estavam despovoadas também. Tinham ficado solteiras as estradas que vão para a Damba, Mpete Nkusu, Kuimba até Congo dya Muanga, e mesmo a via da Serra da Kanda, onde eram visíveis as cubatas que se encontravam abertas, com os haveres expostos já desarrumados, o que mostrava a saída precipitada das pessoas.

Todo o povo tinha fugido para as matas, sobretudo junto da Serra da Kanda onde se tinham concentrado, um arranjo encontrado pelos mensageiros que vinham do Congo e que instigavam aos levantamentos.

Quando ouviram dos ataques contra Mpete Nkusu, Lukunga, Damba os nativos precipitaram-se em buscar refúgios nas matas. Aqui Miguel Pedro encontrou populares que também tinham feito confusão em outras localidades. “Foi daqui que rumei para Kinshasa”, antes de encontrar poiso na base de Muandanji, próximo do Congo.

PINTO LUVUMBU

“Eu participei na luta não vale a pena duvidar”

Pinto Luvumbu, agora com 74 anos de idade, tinha sido enviado, em 1960, a Luanda para aprender a profissão de mecânico e prosseguir com os estudos, antes de ter sido ajudante da oficina do Rimaga, na cidade do Uíge, por pouco tempo. Os pais encontraram no Marçal, próximo de São Paulo, um quarto que arrendaram conjuntamente com os progenitores do seu primo Jota, o Jorge Mbengu, que também estava na mesma condição de estudante e trabalhador.

Trabalhava numa oficina e estudava na escola Don Afonso Henrique, na baixa de Luanda, onde testemunhava as actuações da polícia colonial contra a população negra como os casos que se davam na Liga Africana, onde muitos jovens eram presos e depois mortos. Os colonos atraiam os jovens para irem a liga onde diziam haver festas nas sextas ou sábado. “Quando fossem lá, muitos já não voltavam. Fomos despertados que não fossemos lá, mas mesmo assim os jovens eram perseguidos nos bairros”.

O agora delegado provincial da FNLA, já não faz ideia dos nomes dos jovens que vira serem levados presos, na Liga Africana, e nunca mais voltaram, mas sabe que muitos deles eram de Mbanza Congo, Uíge, Malanje, Cuanza Norte, que já frequentavam classes acima do ensino primário ou eram jogadores ou músicos.

Depois, “nós vimos os nossos mais velhos preparados a irem para a casa de reclusão. Não sabíamos o que iam lá fazer. Só depois do regresso de alguns deles por volta das 7 ou 8 horas e os tiros dos polícias que se seguiam é que demos conta que alguma coisa tinha acontecido”. Disse que era tal o secretismo que muitos jovens abaixo da sua idade desconheciam o que se estava a passar neste dia 4 de Fevereiro, “isso porque os velhos que estavam ligados a esse acontecimento tinham guardado segredo aos jovens os meandros da organizada da acção deste dia.

    A fuga para o Uíge

Pinto Luvumbu ainda se lembra do dia em que o mulato Diogo, motorista do empresário Ferreira Lima, que se enriquecia com o negócio do café, o abordou num dos campos do areal do Marçal, onde jogava futebol com os seus companheiros. O Diogo era um camionista que fazia frete de transportação do café entre Negage e Luanda.

“Ele é que foi ter connosco com o carro dele num sábado de manhã. Nos encontra a jogar futebol perto dos carabineiro do Marçal. Não o conhecia. Mas chegou e nos perguntou vocês são de onde? E nós lhe respondemos somos do Uíge. Vocês são do Uíge e ainda estão cá? Interrogou-se o homem muitos surpreendido. Nós lhe dissemos que estavamos aqui para aprender profissões e a aprender o be a ba, coisa que não podíamos fazer lá no Uíge, porque senão éramos presos”.

Os colonos, no Uíge perseguiam os que aprendiam profissões ou a ler e escrever. O Diogo disse que agora isso não. Os brancos aqui estão a matar todos o pretos do norte, disse-nos ele, observando “vocês não podem ficar aqui”. Quem quisesse voltar, ele levaria sem pedir dinheiro de passagem. Quem quiser ir ao encontro do seu pai, ele ia levar de graça.

“Partimos do São Paulo. Nesta viagem apenas eu e o ajudante dele rumamos ao Uíge”. Na cabina do camião também levava algumas miúdas mulatas que não conhecia, seguindo a antiga estrada da “tecnil” que passava por Kibaxi. Durante a trajectória enfrentou inúmeras identificações e questionamento sobre as razões da viagem, se estava a fugir de Luanda.

A prisão do bandido revolucionário

Prenderam-lhe, tão logo desceu da viatura que se imobilizara a frente do actual grande hotel do Uíge, por causa do genro do António Cordeiro, que tratavam por doutor, que   lhe vira a descer. “Ele me conhecia bem, porque cresci com o Carlos Cordeiro, ele próprio e outros meninos brancos. Quando me viu exclamou, óh, este gajo está aqui?”. Foi de seguida a correr para a administração do Songo, enquanto os polícias que ele chamou o entrevistavam, com perguntas atrás de perguntas assim como identificavam os seus documentos.

Ele foi dizer que tinha chegado no Uíge um bandido, o filho do velho Luvambu, que estava em Luanda a participar nas confusões terroristas que lá estavam a passar. Conseguiu se desenvencilhar dos agentes do estado que o estavam a entrevistar quando os viu distraído. “Quando vi uma folga me desfiz deles e apanhei o autocarro que apareceu logo. Pensei que se eu ficar aqui vão mesmo me prender. Enquanto isso ainda não aconteceu e ainda não há boa vigilância vou me retirar. Fugi”.

Seguiu para o seu bairro em Kiriama, aonde às 4 horas do dia seguinte apareceu a polícia colonial, que o levou para a prisão da administração do Songo, onde metiam as pessoas que consideravam perigosas ou que estavam ligadas aos movimentos da luta. Os portugueses estavam atentos com todos os miúdos que viessem de Luanda, na desconfiança de terem participado nos levantamentos do 4 de Fevereiro. Na administração foi apresentado ao administrador. Ficou preso por alguns bons dias, sendo também castigado com porrada, como era costume, disse.

Entretanto, o seu pai, que era o soba do bairro Kiriama, e o falecido Alberto Dica, um fazendeiro negro de conhecida influência, foram discutir com o então administrador do posto e conseguiram a sua liberdade. “Eles recordaram ao chefe do posto que os negros não prenderam nem mataram os brancos que tinham chegado nas nossas terras, os brancos que chegaram em Mbanza Congo ninguém lhes matou. Vocês não podem matar esse miúdo. Nós não estamos a mandar os nossos filhos a Luanda para vos matarem. Eles apenas vão para lá para aprendeem o a, b, c. Ele, que era eu, não veio de fora, não veio do Congo, se assim fosse talvez.

O cunhado Alberto Dinga, que tinha boa reputação junto dos brancos da vila, me tira e levá-me para a sua fazenda”.

Os bombardeamentos

Muitos colonos foram abatidos na baixa do Lenge, onde procuravam por refúgios. Disse, entretanto, que a maioria das mortes, quer de colonos, quer dos nativos foi provocada pelo bombardeamento dos aviões que foram deslocados de Negage para o Songo separados por 76 quilómetros. Apareceram nos céus do Songo, logo ao amanhecer do dia.

Os homens do avião não sabiam quem estava a correr nas ruas da vila, se eram os colonos ou se éramos nós, os atacantes. “Bombardeavam atoa, matando até os próprios brancos coloniais. “Com as mortes recuamos. O que tombó do ataque tombó, o que ficou vivo ficou. Morreu muita gente do nosso lado. Sobretudo quando chegou o avião e a resposta dos colonos que tinham carabinas de tipo 10.70, 9.3, D70, 375”.

Pinto Luvambu julga que alguém, entre os colonos, que teria feito a comunicação que precipitara a vinda do avião a partir da vila do Ngaji (Negage) que começou a bombardear sobre a vila do Songo. Também souberam depois que um branco que trabalhava em Kitexe que se chamava Reis, tinha alertado o Uíge sobre os acontecimentos que se estavam a passar no Songo, neste dia.

A resposta dos colonos e a intensidade dos bombardeamentos obrigou a fuga dos nacionalistas para os povoados próximos. Atacamos a vila, mas como não tinham materiais suficientes, sofremos derrota. Houve muitas mortes do nosso lado. Dispunham somente de “armas de Kimbundu” (artesanais), que eram os kanhangulu, que os velhos fabricavam e algumas poucas modernas. O resto foi ao combate com paus e mocas.

Chegados às sanzalas explicavam: “Olha, não conseguimos derrotar os colonos, mas conseguimos atacar, mesmo assim, a vila”. Com a informação, os mais velhos começaram a pensar como agora fazer com essa maka que tinham arranjado como os brancos, disse.

Questionado sobre a brutalidade nos ataques contra os colonos, Pinto Luvambu lembrou que “quem adiantava de matar os outros eram os brancos. Levavam as pessoas, na administração onde os matavam, muita destas pessoas sem culpa alguma. As vezes simulavam levá-los para Luanda, quando eram mortos pelo caminho e seus corpos deitados em valas ou rios”.

A resistência nas matas

Depois do recuo aos povoados foram informados que deveriam abandoná-los e irem criar bases nas matas, de onde continuariam com os ataques. “Nós fugimos para as matas do Lenge, ao lado do Kifigia, que fica perto da Cerra do Uíge”. Os outros para a parte do Musungu e parte do Denga.

Já nas matas criaram uma força de resistência, chamada “genenses”. Essa força tinha na sua estrutura elementos “politizados” que informavam sobre a necessidade da luta. Eram pessoas que se identificavam com a UPA e que diziam ter vindo de Kinshasa com a orientação de continuar a mobilização da população para a luta.

Outros ensinavam as pessoas a manejarem as armas para a guerra de guerrilha. Ainda s lembra que em 1962 chegou uma instrução de Kinshasa que mentalizava as pessoas nas matas para que fossem abandonados os métodos de luta, como os velhos faziam antigamente.

“Começamos a receber instruções de como desmontar armas, como disparar contra alvos, como se abrigar, como rastejar e outras técnicas de guerra que eram passadas pelos mais velhos que já tinham cumprido o serviço militar colonial e que tinham regressado às suas sanzalas de origens. São muitos destes instrutores que manejaram as armas no dia do ataque contra a vila do Songo, como o velho Manuel, o velho Afonso Kangulu, Ferreira Pumba e outros, disse.

Os que mais se destacavam eram os que tinham participado nas guerras da Índia, “que nos ensinavam muitas coisas relacionadas com os avanços e recuos durante as acções, protecção. Pouco a pouco nos tornávamos muito fortes nos ataques, muito mais depois da construção e entrada em funcionamento do campo de treinamento de Kinkuzu no Congo, ex-Zaíre.

Os dias posteriores foram dedicados a ataques contra as fazendas, de onde eram recuperadas armas, como g3, 375 e outras, que serviam para a continuidade da guerrilha que tinham instalado. Somente muito depois começaram a receber armas a partir de Kinshasa, como as metralhadoras, pistolas “estrelings”, com que atacavam as viaturas e a demais concentrações de colonos, como a vila do Songo, que foi atacada por duas vezes. A segunda aconteceu no dia 1 de Maio de 1961.

Depois começaram a seleccionar as pessoas segundo a classe escolar que tinham. Os que tinham níveis avançados foram enviados a Kinshasa, onde eram também reenviados para outros países. Quer o treinamento militar, quer a selecção e a mobilização era dirigidos, de acordo com Luvambu, por Pedro Vida, o Manuel Bernardo, que estavam abrigados na mata do Inga de onde saiam ou enviavam os seus emissários que iam também para outras regiões do actual território do Uíge e outras partes do antigo território do Kwanza Norte, como Kitexi e os Ndembu.

Para o antigo combatente e veterano da pátria, a intensidade da guerra contra a colonização portuguesa começou a partir do 15 de Março e desde então, tal como milhares de nacionalistas, sempre viveu nas matas, de onde regressou para a sua sanzala, apenas depois da independência nacional.

Interrogado se aquele movimento popular queria mesmo ocupar a vila do Songo, ficarem lá, nas casas dos colonos, Luvambu, já trémulo pela idade, acenou que se eles conseguissem era mesmo ocupar, embora que era difícil isso acontecer, naquele tempo, com o tipo da organização que tinham.

“Os outros diziam que tínhamos somente de atacar, assustar os colonos e depois fugirmos para as matas de onde nos reorganizaríamos para as acções futuras que obrigaria a fuga desses colonos”, o que viria a acontecer, numa luta que levou 14 anos. Dividido entre tristeza e alegria disse: “Queríamos libertar o nosso povo, dirigir o nosso país em paz, mas isso não aconteceu, como pensávamos. Nos desentendemos e a guerra entre nós se instalou até a pouco tempo”.

O ataque à vila do Songo

Na noite do mesmo dia, chega, na fazenda do Alberto Dinga, um emissário que avisa que na madrugada do dia seguinte deveria ser atacada a vila do Songo e que todos os rapazes tinham de ser mobilizados a participar. Para a precisão do dia da sublevação utilizavam como senha “no dia 15 de Março haveria o casamento do filho do No-gueira”. Aclarou que Nogueira era um francês, em cujas propriedades trabalhara o Holden Roberto, como gerente, lá em Mbanza Congo.

Foi o Ferreira Muanga quem mandou atacar o Songo, que já tinha vindo do Lukunga, onde tinha havido o ataque contra o posto administrativo. Com ele estavam o António Ninginisa, que era da Damba, os irmãos Pintos, que eram de aldeias do Bembe. O velho Ferreira Muanga e o João tinham mobilizado os nativos para esse levantamento, que ele próprio mostrou-se inseguro quanto o dia certo do acontecimento, embora afirme ser o dia 15 de Março, entretanto contrariada com a sua própria referência que indica que “a acção que rebenta em Lukunga motivou o levantamento popular contra a vila colonial do Songo”.

A vila do Lukunga tinha sido atacada precisamente no dia 15 de Março, o que pressupõe que a posterioridade referida por Luvambu indique que a confusão do Songo tenha decorrido mais tarde.

Eles diziam que “Nós já recebemos (ocupamos) o Lukunga, agora vocês vão também atacar o Songo”. Na própria vila somente viviam os brancos, porque os negros estavam em poucas aldeias afastadas desta. “Perto da vila não podia ter casa de negros. Os brancos não deixavam”.

Segundo Pinto Luvambu os velhos já sabiam, através dos mensageiros, que mais tarde ou mais cedo a revolta contra os brancos da vila ia acontecer, que o povo não suportaria por muito tempo os abusos dos colonos, que se intensificavam nestes ultimamente.

Pinto Luvambu precisou que era do conhecimento dos mais velhos da existência de uma organização em Kinshasa que instigava a revolta contra os colonos. “Os velhos diziam que se nós deixarmos esses colonos, vão nos acabar. É melhor mesmo lhes atacar para deixarem a nossa terra”.

“Ferreira Muanga orientou-nos que, antes do ataque, cortássemos paus e cavássemos buracos ou valas profundas nas estradas que dificultassem o trânsito de possíveis geeps de apoio dos militares portugueses” À meia-noite partimos para o objectivo do ataque. O grupo de Luvambu partiu da aldeia de Kivita, a Outra agrupação da direcção da estrada para o Lukunga e um terceiro do Denga.

Já no local, os adultos que tinham armas de canhangulo começaram a disparar, o que precipitou os colonos a saírem das casas. Seguiram depois os que tinham os paus, indo arrombando as portas das casas coloniais, algumas delas com um piso. “Fomos chocando com os brancos colonos que saiam assustados das casas”.

Via JA

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