SIMÃO TOKO, o Nacionalista da Paz em Angola

 

Por Patricio Batsikama

Agradecimentos

Um trabalho desta dimensão não pode ser o mérito de uma só pessoa. Os nossos primeiros agradecimentos são póstumos e vão aos nossos avôs Moley Julieta e Vatûnga Miguel. Foram eles quem nos falaram do profeta Simão Toko pela primeira vez.

Agradecemos ao professor Jerry Bender pelas suas incansáveis observações e críticas e pelo espírito de sinceridade e de diálogo. E ao investigador Makisosila Mawete agradecemos o debate contínuo sobre as práticas endógenas, com propósito da descolonização das mentes africanas. O professor John Marcum fez-nos perceber, pela primeira vez, as influências da Igreja protestante em Angola e o sincretismo com Simão Toko. Agradecemos o professor Ruy Llera Blanes pelas suas ricas observações.

O presente texto não seria possível sem os aconselhamentos de Mfumu Kanza Cipriano que chegou a patrocinar-nos algumas viagens para actualizar o texto. Os nossos debates habituais com Kupesa Sebastião (mwana Ndâmba) quer para manter o nosso kikôngo escrito actualizado, quer para partilhar as nossas visões endógenas de Angola foram propícios.

Agradecemos ao editor da Mediapress – Fuankenda Odi Pascoal – pela publicação deste opúsculo. Na mesma senda, importa agradecer os meus “filhos” António Feliciano Pinto por ter auxiliado na organização dos textos e das imagens, Luís Miguel Dias pelos seus serviços prestados.

A Ana Muginga, mulher do autor, agradecemos a compreensão por ter vivido as irreparáveis dificuldades causadas pelo tempo dispensado nessa pesquisa. Aqui está o resultado.

Finalmente, a sua Eminência Bispo Dom Afonso Nunes por ter disponibilizado o seu tempo e pelo apoio moral, endereçamos os nossos profundos agradecimentos.

Introdução

É um dever moral e cívico reconstruir as figuras históricas que deram a sua vida para a edificação dos valores que constituem Angola de hoje. O profeta Simão Gonçalves Toko é uma delas, pois a sua contribuição é considerável por estar na linha dianteira da Luta de Libertação de Angola numa altura em que não existia nenhuma das organizações políticas angolanas tradicionais (MPLA, UPA/FNLA e UNITA). Também, o nacionalismo defendido por ele é, talvez, o único que indica a construção do Estado-Nação em Angola.

Não nos interessa, aqui, trazer uma biografia, pois não é tarefa fácil mesmo para um conjunto de especialistas. Partilharemos o que percebemos quando optámos por estudar o “tokoismo” na sua vertente filosófica. Neste trabalho apresentaremos ao leitor o “nacionalista da Paz”, de forma objectiva e sucinta.

O primeiro capítulo resume-se a uma análise antropológica das condições natalícias. O local de nascimento, o nome recebido depois do parto, a linhagem a que pertence, assim como o topónimo da aldeia onde nasceu.

O segundo capítulo, aborda o modo como o cristianismo se instalou em Angola, facto que sequenciou Portugal como colonizador. A seguir, apresentaremos uma breve nota biográfica, estando esta limitada ao percurso feito desde Kibokolo até Vale de Loge, o que explica já a missão de profeta ético de Simão Toko num contexto histórico da Luta pela Libertação de Angola. No fim, analisaremos com base nos documentos e nos factos registados, o seu “nacionalismo da Paz”.

No último capítulo, interessou-nos falar da teologia tokoista, não como já estruturada e explicada. Duas razões levaram-nos a tocar nesse assunto: (i) é possível uma teologia tokoista, afirmação assente nos suportes imateriais e materiais que explicam toda a funcionalidade teológica de uma doutrina; (ii) compreende-se mais ainda o nacionalismo da Paz com a teologia tokoista já estudada e discutida, qualitativa e quantitativamente.

Como se pode verificar, o nosso texto é uma simples sistematização de várias curiosidades, que nos permitem perceber a importância desta ilustre figura histórica angolana. Aproveitamos para subscrever o nome dele, enquanto profeta ético, entre vários outros que o Governo angolano prevê dignificar para fortalecimento da Nação angolana.

Para alcançar os objectivos deste texto, consultámos inúmeros documentos sobre Simão Toko e o tokoismo, que encontrámos no Instituto Nacional de Torre do Tombo. Relativamente ao nacionalismo, consideramos que urgia resumir os principais clássicos sobre o tema, além de aproveitar os inquéritos que utilizámos na elaboração da nossa tese de Doutoramento1 . A entrevista, para completar os elementos simbólicos do tokoismo é uma amostra que servirá para estudos posteriores.

Assim sendo, os resultados que obtivemos, encontram-se expressos numa linguagem de fácil compreensão e têm como objectivo fomentar, por um lado, o debate entre os académicos. Por outro, o texto destina-se a todos, e serve de uma apostila para compreender o “nacionalismo da Paz” que a sociedade precisa cultivar. O debate está aberto.

Nasce Mayamona na terra dos SACERDOTES

1. – Sadi Zulumongo

Trata-se de um espaço que precisamos de analisar, enquanto topónimo num universo angolano (cosmogonia), especificamente kôngo. Por norma, os topónimos indicam as descrições geográficas, ou ainda as funções2 dos fundadores ou do representante destes nas respectivas aldeias. Nesse caso o que significaria Sadi Zulumôngo?

Há uma hipótese consistente que vigoraria para interpretar este termo: Sadi Zulu Môngo, enquanto topónimo, é conhecido pela tradição oral como o local sagrado. O que vai ao encontro da significação do próprio termo. Sadi é “alguém com poder de desfazer um feitiço maligno” (Laman, 1936: 863) e Zulu Môngo é “o cimo da montanha, reservado ao culto dos ancestrais, ou espíritos”, junto de Nzâmbi (Deus), ou ainda Mbâzi, local de julgamento, perto de um cemitério como símbolo das leis dos ancestrais (Stryuf, 1974: 36, 37). Em termos territoriais, chama-se Na Mpêmba, à qual Karl Laman atribui o sentido de “montanha onde se encontram as sepulturas” (Laman, 1936:578).

Desta maneira, Sadi Zulu Môngo significaria “lugar sagrado onde residem aqueles que têm o poder de desfazer o feitiço e de comunicar com Nzâmbi”. Trata-se de um lugar fundado pelos Nsaku, os sacerdotes.

Nas questões linealógicas, Sadi é linhagem-filha de Viti’a Nimi, de acordo com a linealogia kôngo (Cuvelier, 1934: 76). Como veremos nos anexos (Anexo #7), existiu entre 1945 e 1959 um movimento religioso chamado Viti’a Nimi. Os seus adeptos valorizam a base cultural angolana na aplicação do cristianismo, o que enriquece a compreensão da salvação da alma (Sinda, 1971).

2.- Linhas dos Fazedores da paz

Simão Toko pertence à linhagem de Na Mpêmba ou, ainda, Na Mpêmba Nkosa. Esta linhagem é tida, também, como Na Mpêmb’a Nsivwîla. Na anatomia social dos Kôngo, essa linhagem pertence aos Nsaku, os sacerdotes, cujas funções sociais consistiam em, vamos citar Jean Cuvelier: «Na Mpêmba Nkosa tulembwa kwa nzazi, ka tukosa kwa nzazi ko». Quer dizer: «Na Mpêmba Nkosa não compactua com as confusões, embora a sua missão seja resolvê-las.» (Cuvelier, 1934: 47-48). Essa oração é antiga, pela fórmula que apresenta: Na Mpêmba; tulêmbwa e Nkosa; tukosa. Toda a linhagem que apresenta essa fórmula é, a priori, uma linhagem de origem e não derivada (Batsîkama, 2010: 38- 41).

Na Mpêmba Nkosa é a linhagem que mistura linhagens através de cerimónias, enquanto Na Mpêmb’a Nsivwîla, incorpora os “fazedores da Paz”, depois das anarquias ou confusões.

Na Mpêmba representa os santos: Mpêmba deriva de yêmba (ghêmba; vêmba; pêmba) que quer dizer, simultaneamente, (i) ter a cor pemba, branca; (ii) ser habilitado a instalar Paz entre pessoas; (iii) possuir o poder de pêmba. Mpêmba associa-se ao paraíso (MacGaffey, 2000: 27, 81, 207). Trata-se da linhagem daqueles que eram considerados como santos e habilitados a administrar os cultos dos ancestrais para trazer harmonia na sociedade.

Na Mpêmba de Kibokolo, da qual a mãe de Simão Toko e a ascendência desta última são oriundas, há o tronco Viti’a Nimi, chamado – pela função social desempenhada – de Nsivwîla Nimi. Como o termo o diz, e bem, Nsi vwîla (Laman, 1936: 1086), “eles que aportam a Paz”, quer depois da Guerra ou quaisquer confusões humanas, quer quando os ancestrais zangados amaldiçoam a sociedade dos vivos. É uma linhagem que assegura o país quando estiver à beira de falir.

Quando, por exemplo, se verificou a instabilidade no fim do século XVII, surgiu o kimpasi. Lorenzo da Lucca e Bernardo da Gallo registaram o povo cantar nsiyifwidi, o país morreu e os Nsivwîla Nimi (ou simplesmente os Viti’a Nimi) eram os responsáveis indicados para manter o país funcional, e realizar as novas eleições. Jean Van Wing, por sua vez, explica o secretismo de kimpâsi entre as linhagens com função social ligada à religião (Van Wing, 1921).

Em breve, Na Mpêmba Wûnga (Na Nsivwîla Nimi) é uma linhagem dos “fazedores da Paz” na sociedade, de acordo com a distribuição das funções sociais.

3. – Mayamona, “o vidente”: Toko, “o Salvador”

É, na verdade, interessante que ao nascer lhe tenha sido dado o nome de “Mayamona”. Nessa condição, os relatos recolhidos com a ajuda dos seus parentes devem ser considerados e analisados em comparação com os factos verificáveis.

Geralmente, há uma tendência para se efectuarem duas interpretações: (i) mayamona, “o que já viu antes dos outros homens ver”; (ii) mayimona, “o que verá”. O primeiro, relaciona-se com a bênção que um sacerdote (ou avô materno) administra a um recém-nascido. Em última instância, como é corrente, o pai do recém-nascido tem o direito de o nomear. Faz-se num ritual simbólico e muito significativo.

Os anciãos da Igreja tokoista e várias outras pessoas fornecem importantes testemunhos, segundo os quais, desde criança, o fundador do tokoismo sempre foi acompanhado por acontecimentos estranhos ou menos comuns. Era “muito inteligente” e, nessa qualidade, “muito distante das outras crianças” (Marcum, 1969:77; Grenfell, 1998:211; Grenfell, 1950). Por isso, ele foi enviado a Luanda, para o Liceu Salvador Correia.

Em relação ao nome de Mayamona, os testemunhos são de uma importância valiosa. Independentemente da verificabilidade destes acontecimentos, a sociedade associa sempre a personalidade do portador deste nome aos acontecimentos que se encontram à sua volta3 . Essa é a maior verdade que permanece em todas as partes onde vivem os seres humanos com as suas culturas, e não apenas em Angola. A história, curiosamente, é a versão de testemunhos tal como os veículos a trouxeram até nós. Quer seja na base de evidências documentais, fílmicas ou mesmo arqueológicas, a verdade histórica é apenas compreensão lógica dos testemunhos. Sobre Mayamona, é importante mencionar que desde muito cedo, Simão Toko se mostrou vidente e, ainda adolescente, recebeu o chamamento divino e já profetizava desde 1935.

Passamos, agora, ao nome mais conhecido, Toko. De acordo com Dictionaire Kikongo-Français de Karl Laman, o termo toko significa o seguinte:

i. toko: jovem, pequeno mestre. O termo deriva de tokuka que quer dizer “estar sempre limpo; estar em ordem; ser sacerdote”.

ii. toko: quebrar, pulverizar. A expressão toko mba se traduz por “quebrar nozes de palmeira (coconotes)”. Isso tem uma significação profunda nas cosmogonias angolanas.

Importa salientar que entre os Umbûndu, o termo toko existe com o mesmo sentido e deriva, também, de tokoka que quer dizer “romper-se, rasgar-se, rebentar, estalar” (Alves, 1951:1512). O sentido de toko mba está claro nessas expressões: A lusipa tokoka; tjivala u enda, cujo significado será: “O! Corda, parte-te; dói ao que for água abaixo” (Alves, 1951:1512).

O mesmo sentido encontrámos entre os Nyaneka , os, Lûnda, os Ambûndu e mesmo os Khoi Khoi.

Como podemos verificar e partindo das teorias sobre as origens das zonas de Malcolm Guthrie, o termo toko seria proto-bantu. Pelo facto de estar, simultaneamente, nas zonas B, H, K e R, já é uma evidência sociolinguística de que a instituição de tokomba remontaria a muitos séculos antes dos contactos entre Portugueses e Angolanos: *-tok+ expressa que a instituição seria oriunda dos Bantu orientais, com sentido de “sacerdote cuja higiene espiritual é sã”; ou ainda, “sacerdote libertador, aquele que realiza cultos dos ancestrais”. Com as imposições do cristianismo nas sociedades africanas5 , as religiões internas foram desaparecendo. Talvez se explique, porque o sentido religioso de toko se tenha apenas ficado na retórica, no campo linguístico e que as práticas, mesmo as mais simples, tenham ficado na letargia. Apesar disso, relatos antigos ainda preservam informações valiosas.

Nos dias de hoje, o portador do nome Toko é tido como alguém que sabe apresentar-se ao público, de forma jovial. Mas este não é o único sentido que lhe é dado. Há um, entre outros sentidos, que nos interessa aqui frisar: “sacerdote libertador; sacerdote salvador” e vamos, resumidamente, falar disso nas linhas a seguir.

Depois da morte do rei (Ntotela), e poderia ser para qualquer cidadão, o sacerdote Na Mpemba realizava os rituais mais conhecidos pelo nome de kômba. Este sacerdote precisava, para efeito, dos produtos da sua palmeira7 . Desta palmeira, como foi o caso em 1775, o sacerdote busca: (a) os ramos da palmeira com os quais são fabricadas as vassouras sagradas (nkombo), para varrer as sujidades simbólicas; (b) vinho de palma (malavu ma nsamba), bebidas sagradas, embora seja muito popular entre as pessoas; (c) óleo de palma (mafuta) para ungir alguns familiares directos do defunto; (d) nozes de palmeira/coconotes (mba). O ritual é simbólico e consiste em toko mba. Isto é, rebentar, estalar nozes de palmeira. Perante os parentes do defunto, o sacerdote começa por enumerar as interdições e solicita saber se, por acaso, alguém entre os familiares infringiu uma delas. Já no fim, o sacerdote começa o pequeno ritual de quebrar as nozes – toko mba – que tem um valor social importante: libertar os familiares do defunto das suas interdições. Com esse acto, as pessoas poderiam retomar as suas actividades normais e a sua dieta habitual.

O mesmo acto acontecia quando alguém era readquirido pela sua família depois de uma escravidão resultada das medidas judiciais. O rei eleito, de modo igual, passava por toko mba, para manter a ligação com o monarca defunto, e deveria citar as 12 gerações dos reis que justificariam a sua eleição e aceitação dos ancestrais. Van Wing informa-nos também do mesmo acto no kimpasi que, curiosamente não é o que pretenderam Lorenzo da Lucca e Bernardo da Gallo em 1705-1706.

Trata-se de cerimónias religiosas para restaurar a ordem social perdida. O ritual toko mba era acto simbólico da libertação ou salvação colectiva (Van Wing, 1921; Sousberghe, 1954). Interessante ainda é saber que esse sacerdote é amplamente registado na tradição oral como Na Mpemba Nsaku Malele, que intervinha na eleição do Ntotela (Jadin, 1963: 402-404; Cuvelier, 1934: 74; Batsikama, 2014a:37-38).

Há uma feliz coincidência entre os nomes de Toko, Mayamona com a linhagem Na Mpemba e, curiosamente, com a aldeia onde nasceu: Sadi. Os Tokoistas festejam 17 de Abril de 1935 como o “primeiro” dia que o sacerdote Simão Gonçalves Toko encontrou-se com Ñzâmbi, Deus. Em 2008, entrevistamos Emanuel kunzika sobre o fundador do tokoismo e nos respondeu da seguinte maneira:

Simão Gonçalves Toko era “irmão” de Agostinho Neto, e viveram junto na casa do reverendo Pedro Neto. A dada altura, provavelmente em 1938, o profeta avisou ao seu irmão [Agostinho Neto] que ele será grande líder, e presidente de Angola. A mamã Maria [Silva] Neto nunca chegou a gostar desta conversa… – (Kunzika, Novembro de 2008)

John Marcum apresentou-nos um subsídio interessante, quando confidenciou o seguinte:

O bolseiro Emmanuel Kunzika tinha-me dito, na década de 1960 – quando eu escrevia este texto9 – que Simão Toko era profeta desde a sua juventude… Falou-me de tantas coisas, entre as quais, o messias africano vaticinou que Agostinho Neto será presidente de Angola independente. Enquanto jovens, nos finais dos anos 1930, levou-se isso numa brincadeira. Mas eu reconsiderei isso no dia 11 de Novembro de 1975. Fiz questão de rever as minhas anotações, que estão no arquivo de American Committee on Africa…(Marcum, Março de 2010)

Enquanto desempanávamos as nossas as nossas funções de curador no pavilhão de Angola na Expo Milano 2015 (Itália), fizemos conhecimento de um angolano que conheceu, também, o sacerdote Simão Gonçalves Toko. Ao pergunta-lhe sobre a profecia acima mencionada, ele avançou o seguinte:

(…) foi nos tempos do liceu nos anos 1940… Aquilo [profecia] deve ser associado à nossa ingenuidade juvenil… Mas, ninguém contestou-lhe porque Simão Toko era um religioso sério, uma pessoa íntegra e de grande moral entre nós. Depois seguiu-se um desentendimento entre a igreja de Simão Toko e a ideologia do partido único. Mas nunca deixaram de ser amigos… (Álvaro Correia de Faria, Milão 01 de Outubro de 2015).

As três informações são analisadas num outro estudo que prometemos voltar nos próximos tempos, se Nzâmbi nos der mais tempos de vida. Face ao que precede, está claro que Simão Toko tenha tomado consciência da sua missão profética de “sacerdote salvador”10, ou “sacerdote o libertador”, já nas décadas de 1930 em Luanda.

4. – Interpretação antropológica

Há dois aspectos que é preciso ter em conta: o local e a linhagem do nascimento, tal como o nome de nascimento que lhe será dado. Entre os Kôngo (Angolanos em geral), a importância do nome é tripla:

i. nome de nascimento (kûmbu) é a mensagem dos antepassados, dos ancestrais;

ii. nome de pertença social, (luvila) que é composto de patrónimo da linhagem da mãe e o do pai;

iii. nome de iniciação (kisîna) que assegura as raízes socioterritoriais.

Sobre o nome, é importante salientar que em África e desde o antigo Egipto, ele é uma força vital. Lembra à pessoa o seu vínculo cultural, assim como a responsabilidade de manter o equilíbrio com demais pessoas com quem partilham os mesmos e/ou os diferentes ideais. Interessa-nos referenciar, aqui, o sábio Amadou Hampate Bâ, que o professor Boubakar Keita cita no seu recomendável livro intitulado Contribuição Endógena para Escrita da História da África Negra:

A pessoa não pode ser concebida isolada ou independente e, em razão deste sentimento profundo da unidade da vida, a pessoa humana nunca está afastada do mundo natural que o rodeia, e entretém com este relações de dependência e de equilíbrio, codificadas por regras de comportamento que lhe ensinam a doutrina tradicional chamada, em maninka, “bembaw-sira” (“o caminho dos ancestrais ou a tradição”)” – (Keita, 2015:184)

Entre os Angolanos, o nome de nascimento, o nome da linhagem, o nome do clã (social ou territorial) constituem os suportes cosmogónicos da pessoa. Na cosmogonia kôngo, lûnda, mbûndu e umbûndu as pessoas desempenham as suas funções, consoante as responsabilidades sociais das linhagens a que pertencem. As particularidades no parto caracterizam, parcialmente, a personalidade do indivíduo ao longo da vida. Mas antes mesmo de nascer, já tem uma linhagem: a da sua mãe.

Partindo destes pressupostos, Mayamona como nome de nascimento e Na Mpêmba, sendo nome da linhagem, situam-nos entre os Nsaku, que são sacerdotes em qualquer espaço kôngo (Janzen; MacGaffey, 1974). Isto é, Simão Toko – na cosmogonia angolana – nasceu na família dos sacerdotes. Isto legitimaria, por um lado, que todos os membros desta linhagem ou, ainda na sua dimensão de clã social (Viti’a Nimi), exerçam as funções sociais de sacerdote. Por outro lado, outros elementos12 juntam-se na dimensão ontológica de Simão Toko e dão-nos a perspectiva de que se trataria de um sacerdote, pela sua condição de nascimento. Nesse caso, Sadi Zulumôngo – curiosamente local fundado pelos Nsaku – vem reforçando que os oriundos deste espaço social tenham maior responsabilidade social: vida espiritual da sociedade no geral.

Como veremos nas páginas seguintes, as coincidências são fortemente estreitas entre o que prediz o nome (de nascimento, da linhagem e do espaço social de origem), e o que a história irá registar.

5. – As primeiras considerações conclusivas

A condição natalícia (linhagens, local e nome de nascimento) apresenta-nos um sacerdote e um homem de diálogo. A história mostra-nos que Simão Toko não só está na base do nacionalismo angolano, mas sobretudo trabalhou para o entendimento das organizações independentistas (e antes para o regresso dos Angolanos ao solo pátrio) já no tempo colonial (1974-1975), profetizando que Angola só teria paz com o final entendimento entre os três.

A história de Angola mostra-nos como se conquistou a independência de Angola. Além das dissidências internas, MPLA, FNLA e UNITA lutaram entre si, sem chance de se entender e isso perpassou até 2002. Nenhuma destas organizações políticas seria verdadeiramente nacionalista, pois se posicionavam ora como direita, ora como esquerda. Interessante é ver a mensagem de Simão Toko, fundamentalmente mergulhada na realidade social angolana: oferecer um nacionalismo simples. Isto é, os valores humanos de ser Angolano, independentemente da cor, da etnia, da crença/religião e das convicções individuais. Foi na base desta mensagem que, os militares e os políticos selaram a Paz em 2002.

Pelo exposto, no próximo capítulo falaremos, primeiro, do cristianismo implantado em Angola; de Simão Gonçalves Toko de forma breve; do “nacionalismo da Paz”, do ponto de vista antropológico (histórico, e calhar filosófico também). Essa forma permitir-nos-á compreender o último capítulo de forma lógica e sequencial.

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