Influência de Franco na sonoridade da Música Popular Angolana

Por Jomo Fortunato

As guitarras de Zé Keno dos Jovens do Prenda, Duia, Gingas, Teddy Nsingui, Banda Movimento, Botto Trindade, Banda Welwitchia, Hidelbrando Cunha, Kiezos, Zé Mueleputo, e, sobretudo, a de Marito Arcanjo, um dos fundadores do conjunto os “Kiezos”, acusam de forma directa a influência da sonoridade da guitarra de Franco do TP OK. Jazz.

Sobre a influência, prestígio e universalidade da música de Franco e absorção na sonoridade da Música Popular Angolana, vamos destacar três momentos, um estudo de caso com o tema, “Ngana Zambi”, do conjunto os “Kiezos”, a influência de Franco na guitarra de Teddy Nsingui e, por último, o caso mais antigo e emblemático de proximidade da Música Popular Angolana com a do Congo Democrático, representada pelo Grupo São Salvador de Manuel de Oliveira.

O conjunto os “Kiezos” foi construindo uma singular trajectória musical ao longo da história da Música Popular Angolana, baseada numa construção rítmica e estilística muito própria, só possível através da unidade inquebrantável do grupo e pelas harmonias dos solos da guitarra do Marito Arcanjo, claramente influenciado pelas paradas de sucesso da época colonial e pela música de Franco.

Um dos exemplos mais evidentes das harmonias da guitarra de Franco na Música Popular Angolana é o tema, “Ngana Zambi”, canção gravada pelo conjunto “Kiezos”, em 1972, com letra e música de Carlos Lamartine, da qual respigamos os seguintes versos, Eié Ngana Zambi / Ngi bane ngósauídi/ Pala Ngui mona /Kiosokiákula anani/ Eme ngui tata Kia/ Ngueniami samba /Ngueniami salo/ Ngueniami ó mbolo/ Pala ngui bane anani/ Ngolombanza/ Suku ni luanha/ Nguidilangó adi Jame/ Nguimba pala ngui ji bidissá/ Kizua ni nizua/ Kiosokiákulaanami…Este tema acusa, no solo, uma nítida influência do fraseado da guitarra de Franco, executado por Marito Arcanjo.

De facto, a música do Congo Democrático, quanto mais não seja por razões de proximidade fronteiriça, atravessou os gostos de toda a história da Música Popular angolana, com destaque, para além de Francó, Dr. Nico, Ferruzi Camile, Abeti, Rochereaue Vicky Longomba. François Luambo Luanzo Makiadi nasceu no dia 6 de Julho de 1938, em Sona Bata, República Democrática do Congo, e morreu no dia 12 de Outubro de 1989, em Mont-Godinne, província de Namur, Bélgica.

Teddy

A influência mais próxima, entre os angolanos, da sonoridade da guitarra de Franco vem do guitarrista Teddy Nsingui da Banda Movimento, formação musical da Rádio Nacional de Angola, que, sobre o guitarrista congolês fez o seguinte depoimento, “qualquer guitarrista que aprendeu a tocar no Congo Democrático, sobretudo nos anos sessenta, não pode fugir da influência do Franco e do Doutor Nicó. Franco foi um guitarrista muito envolvente que animava a sua banda e quem o ouvia, com uma sonoridade e harmonias muito avançadas para a sua época”.

Teddy Nsingui conheceu Angola, terra natal dos pais, no dia 19 de Setembro de 1976. Em Luanda concretizou a criação, com Matadidi Mário Bwana Kitoko, do conjunto “Inter-Palanca”, cuja estreia ocorreu no Estádio da Cidadela Desportiva, no dia 12 de Novembro de 1976, durante as comemorações do primeiro aniversário da independência de Angola. Em finais de 1979, por razões estritamente pessoais, Teddy Nsingui abandonou o Inter-Palanca e não participou nas gravações das canções, “Um minuto de silêncio” e “Agostinho Neto”, de Matadidi Mário, e “Welle Neto”, de Tabonta. No entanto, Teddy Nsingui retornou ao “Inter-Palanca”, em 1980, porque, segundo Matadidi Mário, “era um músico que me dava segurança”. Filho de Simão Nsingui e de Teresa Nzima, Teddy Simão Nsingui, conhecido nos meios musicais por Teddy, nasceu no dia 26 de Abril de 1954, na vila de Sonabata, Baixo Congo, República Democrática do Congo, consequência da emigração dos seus pais que abandonaram Angola, por força do conflito armado. Para além dos guitarristas consagrados da Música Popular Congolesa, e da sonoridade dos mais conhecidos guitarristas angolanos, Teddy diz ter sido influenciado por B.B. King, Carlos Santana e George Benson.

São Salvador

Na história da Música Popular Angolana, Manuel de Oliveira, do grupo São Salvador, é o exemplo mais antigo e de maior proximidade da música angolana com as vertentes musicais do Congo Democrático. Do norte de Angola, iniciando um percurso e destino diferente, partiu em1938, para o Congo Democrático, instalando-se na vila portuária de Matadi, o cantor e guitarrista, Manuel de Oliveira que formou, em 1949, o grupo São Salvador, com Jorge Eduardo, viola, Eduardo Bila, vocal, Jorge Eduardo, viola e garrafa, e Henrique Freitas, viola. Esta formação, pouco referenciada e esquecida, terá influenciado muitos artistas do Congo Democrático e alguns músicos africanos de renome, Manu Dibango e Ray Lema, falam desta formação com visível nostalgia.

Da audição atenta do espólio discográfico do Grupo São Salvador, formação que deixou uma importante discografia de 10 singles de 78RPM, conservados no arquivo pessoal de Henrique Freitas, falecido, é fácil concluir a preocupação em universalizar, pela modernização instrumental, a tradição da música angolana localizada no norte.

Manuel de Oliveira, líder do grupo, nasceu em 1915, em São Salvador, hoje Mbanza Congo, dentro de uma numerosa família com propensão para a música. Manuel de Oliveira, também conhecido por “Mayunga”, nome com conotação boémia, foi um músico fortemente enraizado às tradições da sua terra natal e herdou canções antigas como “Muimba”, “Nkunga”, “Xikilukiá nua” e “Bembo”.

Manuel de Oliveira foi também um exímio tocador de Ngoma, Nsambi, espécie de kissanji, e aerofones como “Mpungi” e “Ngoungui”, instrumento de percussão metálica. Socorrendo-se da Beguen Band, formação com características clubísticas do Congo Democrático, o grupo São Salvador introduziu, pela primeira vez, o saxofone e clarinete na música angolana. A abordagem da modernidade estética da Música Popular Angolana, passa pela sua articulação com os singulares contributos do guitarrista Franco e do grupo musical São Salvador de Manuel de Oliveira.

Via JA

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