Gilberto das Neves, um jovem no meio dos produtores do café

Por Silvino Fortunato

Nasceu no município do Puri, onde os pais tinham decidido morar e construir as suas vidas, depois do progenitor ter abandonado o município de Milunga, onde nascera, e a mãe migrado do vizinho Bungu.

Entretanto, eram os avós que mais lhe transmitiam o saber para o futuro, um legado inocentemente ganho quando seguia os seus passos nas fazendas de café, que tinham no Puri. Gilberto das Neves partiu do Puri na idade adulta, transferindo-se para Luanda.

Daí viajou para vários lugares do mundo. Na Ásia reencontrou a paixão dos avós: o cultivo e a transformação do café. Regressado a Angola jurou materializar os ensinamentos dos avós, já falecidos, envolvendo-se, ele mesmo, desde 2020 na produção, comercialização e transformação do famoso grão vermelho, que permitiu a construção das cidades que Angola herdou da era colonial. Hoje, com os seus 39 anos, Gilberto das Neves está a reabrir as fazendas herdadas dos avós.

Deambula pelas cercanias do Uíge para a compra do café, que vai comercializando e transformando em Luanda. No trabalho de aquisição do café aos fazendeiros, Gilberto das Neves conta com a ajuda de 12 jovem angariadores, a quem paga mensalmente. Tem ainda mais oito trabalhadores. Os funcionários do Tumbuanza, a sua empresa, compram, às vezes, o café a 150 kwanzas, quando há abundância, e 250 kwanzas, nos momentos de escassez.

O rapaz cumpriu o desafio de montar uma fábrica de transformação do produto, desafiando outros gigantes que, há muito, andam na empreitada. Gilberto pensa levar o café do Uíge para a bolsa dos Emirados Árabes Unidos, no Dubai, onde quer organizar uma feira de degustação do produto tropical, ainda este ano.

Desde o ano transacto já gastou cerca de 100 milhões de Kwanzas na criação da logo marca, nas condições logísticas e produção de embalagens próprias, uma vez que as que existem no mercado são caríssimas e mesmo assim com pouca qualidade.

“É preciso que a embalagem e o produto estejam em sintonia em termos de qualidade. Por isso, as minhas embalagens são feitas em Portugal”, explica o jovem empreendedor. Desde que entrou no comércio do café e seus derivados já transformou cerca de três toneladas, mantendo o produto em grão armazenado, vendendo alguma quantidade em várias partes do mundo, para onde disse ter levado o bom nome das terras do Uíge.

Como muitos outros jovens engajados na luta para o pódio empresarial, vai enfrentando algumas dificuldades. Na região não existem indústrias suficientes de torrefacção e transformação. Nestes termos, pensa ele mesmo afundar a mão na algibeira para montar a própria fábrica, que está a preparar num terreno, nos arredores da vila do Negaje, precisamente no trajecto para a sua terra natal, o Puri.

As máquinas da empresa, que informou terem sido adquiridas ao valor aproximado de 200 milhões de Kwanzas, já se encontram na Turquia, a serem personalizadas, para moerem, torrarem e transformarem o café em cápsulas. Gilberto das Neves é de opinião que, se o Estado não agir, muitos jovens que se entusiasmaram em abraçar o empreendedorismo vão acabar por fugir, por causa dos obstáculos que observam nos seus projectos.

Nas andanças à procura do café, repara que os produtores enfrentam muitas dificuldades, desde as vias que se encontram, na sua maioria, esburacadas, inacessíveis ao trânsito e ao escoamento do café. Estas e outras dificuldades, segundo Gilberto das Neves estão na origem do abandono de inúmeras fazendas, que antes fizeram do Uíge o primeiro produtor de café, na era colonial e nos primeiros anos da Independência Nacional. Primazia perdida, há anos, a favor da província do Cuanza-Sul, que suplantara o segundo lugar à sua vizinha, o Cuanza-Norte.

Além das dificuldades que levantou, da falta de indústrias transformadoras no Uíge, o cafeicultor enfrenta outros problemas que considera “conjunturais”, ligados à alta carga fiscal e morosidade na obtenção de documentos, “que desincentivam sobretudo o pequeno produtor”, como ele, que está a começar agora. Outro “calcanhar de Aquiles” é o mercado para venda dos produtos.

Para ele, muitas superfícies comerciais, em Luanda, recusam-se a comprar os produtos genuinamente nacionais, preferindo marcas com ligações a empresas portuguesas. Como saída, têm “apanhado boleias” na rede dominada pelos comerciantes muçulmanos, os conhecidos mamadus. “Embora estejamos em economia de mercado. Os produtos nacionais devem estar sempre em primeiro lugar”, sublinha.

Via Nkanda

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