BREVE HISTÓRIAL SOBRE A FUNDAÇÃO DO MUNICÍPIO DE MILUNGA

Por Almeida Cambungo Pindi

Ao iniciar a minha abordagem que se caracterizará como modesta e construtiva, reitero os meus singelos agradecimentos pelo convite que me foi formulado para dissertar a temática eleita para este encontro de Quadros e, espero corresponder as vossas expectativas no que diz respeito aos registos históricos, assim como na profundidade da análise dos acontecimentos que são matéria do período em abordagem.

Objectivo:

A abordagem deste tema tem como objectivo, de Compreender o percurso histórico do Município de Milunga, desde a sua fundação. Sem pretender ser fastidioso, mas porque me parece correcto suportar o nosso tema  num lógico e cronológico enquadramento histórico, vamos recuar ligeiramente no tempo e no espaço.

1.1        GENERALIDADES

Os povos Bantu sempre viveram da caça, pesca, colecta de alimentos, domesticação de animais e da chamada agricultura de coivara, técnica que consistia em limpar o terreno por meio do fogo (Queimadas). Desse modo, quando se esgotassem os recursos do solo onde se encontravam, os povos mudavam para outra região, em busca de melhores locais para plantio, o que provocou a dispersão por áreas extensas da África Subsariana (Vicentino, 2007).

1.2 A Chegada dos Europeus em Angola

Durante a Baixa Idade Média, as relações comerciais eram estabelecidas entre o Sudeste da Ásia, o Norte da África e a Europa. Portanto, Segundo (Vicentino, 2007) no século XIV instalou-se a crise feudal que desorganizou o sistema produtivo europeu, o que obrigou a procura de novos mercados produtores de géneros alimentícios e matérias-primas bem como consumidores de produtos manufacturados europeus.

Portugal viu como única forma de quebrar o monopólio comercial italiano, a descoberta do caminho marítimo para as Índias. Foi neste quadro que no ano de 1482, Diogo Cão partiu do Tejo, a fim de descobrir uma passagem para o Oceano Índico. Nessa viagem de circunavegação atingiu a foz do rio Zaire.

Quanto a presença dos europeus na região de Milunga, a história sobre a província do Uíge apresenta ainda bastantes lacunas devido as poucas fontes existentes. Este facto obriga que as referências mais antigas sobre o período pré-colonial e todo o processo de colonização na província em geral e do Município de Milunga em particular seja geralmente relacionadas com a instalação da administração portuguesa na região.

A fixação dos portugueses na Província do Uíge começou a ser efectiva após a Conferência de Berlim de 1885, e a memória colectiva captada em quase todos os municípios, principalmente a sul e a leste do Uíge regista a presença permanente dos militares portugueses a partir do início do século XX.

Segundo Hélio Esteves Felgas, antigo Governador do Distrito do Uíge no período entre 1956-1960, a abolição na Conferência de Berlim dos direitos históricos como condição de posse dos territórios ultramarinos, levou as nações européias a acelerar a ocupação efectiva de tais territórios.

Ainda segundo (Felgas, 1958), logo após a Conferência de Berlim foi criado o Distrito do Congo Português que foi organizado por Decreto de 31 de Maio de 1887 e instalado em Junho do mesmo ano, de que Cabinda foi a primeira capital.

Portanto, quando o Distrito do Uíge foi legalmente constituído (1887), raros eram os pontos ocupados pelos europeus. Na região onde hoje corresponde a Província do Uíge somente no Bembe onde existiam algumas casas comerciais. Já em Março de 1896 se estabeleceu um posto militar em Maquela do Zombo, servindo de trampolim para o alcance da região do Cuango (no território do actual município de Quimbele). Sob Decreto nº 3365, de 15 de Setembro de 1917 a Sede do Distrito do Congo foi transferida de Cabinda para Maquela do Zombo, apesar de se efectivar apenas em 1919.

A ocupação comercial, militar e administrativa no interior do Uíge, fez-se de forma lenta. Mas embora lenta, o êxito da pacificação permitiu ao Governador do Distrito pensar na ocupação do Sul e do Leste do território, regiões estes que até então se mantinham fora do domínio efectivo português.

Até 1912, a área do Pombo ainda não estava ocupada pelos Portugueses, mas, já havia presença dos comerciantes europeus. Segundo (Felgas, 1958),em 1913, foram levadas a cabo operações militares para ocupação da área do Pombo e de Sosso (Macocola)[1]Foi através das operações militares e de alguns comerciantes que a região que hoje corresponde o território de Milunga, concretamente na localidade de Macocola, registou a presença européia.

 

2.1 FORMAÇÃO DE POSTO MILITAR DE MACOCOLA

No final de 1916 foi criado o Comando militar do Pombo, com a sede em Sanza Pombo que no ano seguinte passou para Capitania-Mor do Pombo. A este Comando militar foram instalados os postos militares de Cacuso e de Macocola (actual Comuna do Município de Milunga). O posto de Macocola foi criado por Portaria nº 192 de 26 de Novembro de 1917, B.O. nº 44. O Posto inicialmente foi chamado de Sosso.

Em 14 de Dezembro de 1921, na base do Decreto nº 80, B.O nº 50, o Posto Militar de Macocola passou para a categoria de Posto Civil. O mesmo decreto elevou para categoria de Circunscrição civil a Capitania – mor do Pombo.

Com base no Decreto nº 140, Boletim nº 18 de 11 de Maio de 1922, a Divisão administrativa do Distrito sofreu alteração. Na nova reestruturação, a circunscrição do Pombo passou a ser composta por seguintes postos civis: Sede, Macocola, Uamba, Alto Cauale, Buenga Sul e Cuilo Pombo.

O Posto civil de Macocola era classificado com a categoria do posto da 1ª classe. O Poste de Macocola estendia-se até ao rio Cuhu. Na Divisão de 1922, o Distrito do Congo passou a contar com Cinco (05) Circunscrições civis (Zombo, S. Salvador do Congo, Bembe, Damba e Pombo) e Três (03) Circunscrições de fronteiras (Luvu, Cuango e de Carimba).

Com o Decreto Legislativo nº 411 de 30 de Outubro de 1925, B.O nº 39, a Sede de Macocola passou para Quimata e no mesmo ano mudou para Morro do Zundo, onde se encontra actual Comuna de Macocola. Até antes de 1955, Macocola foi Posto civil que pertencia a circunscrição do Pombo.

3.1  FUNDAÇÃO DE MILUNGA (CIRCUNSCRIÇÃO DE MACOCOLA)

Antes de começarmos a debruçar sobre a fundação da Circunscrição de Macocola, vamos definir o que é a circunscrição. Segundo o Dicionário de Sinónimos de Língua Portuguesa, circunscrição significa limite da extensão de um corpo ou uma superfície, divisão territorial, colónia, comarca, condado ou distrito.

Circunscrição foi divisão administrativa das antigas colónias portuguesas em África. Para fins de Administração Local, o Distrito do Uíge dividia-se em Concelhos ou Circunscrição, postos administrativos e em regedorias.  A cada segmento da divisão administrativa correspondia uma autoridade. Assim, na circunscrição, a autoridade superior era o administrador da circunscrição.

Entre a Circunscrição e Concelho havia diferença. Designava-se Concelho as áreas administrativas onde existisse povoações importantes pela aglomeração da população branca ou assimilada, ou pelo desenvolvimento comercial ou industrial, e ainda as áreas em que a população indígenas tinham atingido um grau apreciável de instrução e de progresso. Estes requisitos eram diferentes com os de circunscrição civil, com forme no parágrafo acima referenciado, pese embora que os Administradores tivessem as mesmas competências.

Com aprovação da nova Divisão Administrativa de Angola sob portaria nº 8 904 de 19 de Fevereiro de 1955, no Boletim Oficial de Angola nº 07, o Posto civil de Macocola foi elevado a categoria de Circunscrição Administrativa (Município), deixando assim de pertencer a Circunscrição de Pombo que também foi elevada à categoria de Concelho no mesmo Diploma.

Segundo (Felgas, 1958) “(…) Macocola que, pela divisão administrativa de 1955 se tornaria sede da Circunscrição do mesmo nome

A recente criada Circunscrição Administrativa de Macocola compreendeu os seguintes Postos civis: Posto Sede (Macocola), Uamba e Macolo. No entanto, a partir desta data (Fevereiro de 1955), o Posto civil de Macolo até então pertencente à Circunscrição administrativa do Cuango (actual município de Quimbele) passou a pertencer a Circunscrição de Macocola.

De acordo com o (B.O nº7/1955, p. 201) “A Circunscrição de Macocola com sede na Povoação do mesmo nome, tinha os seguintes Limites Geográficos:

NORTE: O Curso do rio Melando, desde a sua confluência no rio Buenga até ao rio Cuango.

LESTE: O curso do rio Cuango, entre confluência do rio Cuhu.

SUL: O Curso do rio Cuhu, desde a sua confluência no rio Cuango até a confluência do rio Cauale.

OESTE: Desde a confluência do rio Cauale até o curso do rio Uamba.

A sede da Circunscrição situava-se a poucos quilómetros do limite da parte Oeste da Circunscrição, ficando assim muito fora e distante da maior parte da área sob sua jurisdição. Em 1956 o então Governador-Geral de Angola, Horácio José de Sá Viana Rebelo, decidiu transferir a Sede da Circunscrição de Macocola para localidade de Santa Cruz.

Em cumprimento do disposto no artigo 2º do Diploma Legislativo nº 2049, se publicou a relação das povoações comerciais, no BO nº 8 de 20 de Fevereiro de 1957, Iª Serie, onde a Circunscrição de Macocola, já com sede em Santa Cruz, tinha três Postos (Sede, Uamba e Macolo) e que correspondia a igual número de Povoações (Santa Cruz que era a sede da Circunscrição, Uamba, e por último a povoação de Macolo).

De realçar que nesta publicação, a povoação de Macocola, antiga sede da Circunscrição foi extinto do ponto de vista politico-administrativo.

A Circunscrição dependia política e administrativamente da Intendência do Congo com sede em Maquela do Zombo.

Sob Portaria nº 10 293, BO nº 32 de 6 de Agosto de 1958, os Limites de alguns Concelhos e Postos Administrativos do Distrito do Congo sofreram alteração. Face alteração feita, criou-se a Povoação de Macocola que tinha sido extinto em 1956, na altura da transferência da sede da circunscrição para Santa Cruz. Mas apesar da criação da Povoação de Macocola, a Circunscrição continuou com os três Postos (posto Sede, Uamba e Macolo). Com base na Portaria nº 11301, Boletim Oficial nº 30 de 27 de Julho de 1960, o Distrito do Uíge registou nova reestruturação. A Circunscrição de Macocola sofreu as seguintes mudanças:

– O Posto do Uamba passa a pertencer o Concelho do Pombo e criaram-se dois (2) novos Postos administrativos que são de Massau e da Povoação de Macocola. Sendo assim, a Circunscrição de Macocola passou a ser constituída por Postos Sede, Macolo, Macocola e Massau. O Posto de Massau ainda não estava em Funcionamento.

A Circunscrição de Macocola até 1962 já dependia de Intendência do Uíge, isto é, fruto de novas reformas implementadas da Província do Ultramar de Angola, que deu lugar ao surgimento do Distrito do Uíge.

No BO nº150 de 30 de Junho de 1975 foi publicado a Lei Fundamental de Angola. A Lei alterou a divisão administrativa de Angola em Províncias, Concelhos e em Comunas bem como os Corpos administrativos em Comissão provincial, local, urbana e rural. A nova lei extingue as Circunscrições administrativas, passando-as a concelho e os postos a comunas urbanas ou rurais. Segundo (Capitão, 2014), esta divisão viria a sofrer outra alteração depois da independência, na Lei nº 01/76 de 5 de Fevereiro, que deu lugar a divisão do território de Angola em província, município e comunas. Nesta altura, a circunscrição de Macocola passou a município de Milunga com a sede na vila de Santa Cruz.

A Circunscrição Administrativa de Macocola era dirigida por um Administrador, nomeado pelo Governador do Distrito e tinha as mesmas competências com o Administrador do Concelho conforme a Base 37ª ponto 6º, neste pressuposto, a circunscrição civil estava subdividida em postos civis.

No entanto, na circunscrição de Macocola havia um administrador que residia na vila em Santa Cruz, que de forma acumulativa exercia a função de presidente da comissão municipal. Depois do administrador, seguiam-se o Secretário da circunscrição, Aspirante e os Cipaios.

Desde 1955, data da criação da circunscrição administrativa de Macocola até 1975, com a independência de Angola, estiveram afrente dos destinos daquela parcela de terras e da população os seguintes administradores:

1955 – Administrador de 1ª Classe, Augusto César da Silva Castro Júnior, substituído na base do BO nº 22 de 1 de Junho de 1955,IIª Série;

1955 – Administrador, Américo José Torquato Salvado– nomeado na base do BO nº 22 de 1 de Junho de 1955,IIª Série;

1962 – Administrador, Fernando Rodrigues Braz;

1968 – Administrador, José Filipe Salvador e Brito;

1971– Administrador, Victor Santos, último administrador até a data da independência, em 1975.

No entanto, Augusto César da Silva Castro Júnior foi o primeiro administrador da Circunscrição administrativa de Macocola.

3.2 A CRIAÇÃO DA VILA (POVOAÇÃO) DE SANTA CRUZ

Após a criação do Posto de Macocola, a ocupação comercial, militar e administrativa no interior da região continuou até atingir as zonas que se mantinham fora do domínio efectivo colonial.

Os Portugueses ao perceber que a área era fértil para prática de agricultura, concretamente da plantação de café porque aí haviam descoberto o café espontâneo robusto, decidiram criarem aí as suas fazendas a partir da década 40 do século XX e posteriormente a instalação de lojas, apelidando a localidade com o nome de Santa Cruz.

A existência das fazendas e lojas fez com que a localidade registasse o crescimento da população naquele espaço territorial.

Verificando-se que a sede da Circunscrição de Macocola, encontrava-se muito afastada do centro da sua área, o que obrigava o respectivo administrador a percorrer grandes distâncias para bem cumprir as funções que lhe eram atribuídas e considerando que tal facto é também inconveniente para a maioria dos habitantes que, para tratar dos seus interesses na sede da circunscrição, teriam de fazer maiores percursos, decidiu-se transferir a Sede para o centro da sua área de jurisdição, passando assim para localidade de Santa Cruz na base da Portaria nº 9 399, B.O. n 30 de 25 de Julho de 1956.

Segundo (Felgas, 1958), a transferência da Sede da circunscrição para Santa Cruz terá sido efectivada dois anos depois.

Desse modo, concluímos que Santa Cruz foi fundada oficialmente a partir da portaria nº 9 399, B.O. nº 30 de 25 de Julho de 1956. A partir do ano 1956, registou-se a presença massiva de população na recém-criada povoação de Santa Cruz.

Administrativamente, Santa Cruz passou a ser a Povoação-sede e centro político/administrativo da circunscrição de Macocola.

Em Fevereiro de 1957 foi publicada relação de povoações, no BO nº 8 de 20 de Fevereiro, onde Santa Cruz constava com a categoria de Povoação comercial.

Na portaria nº 10 880, de 19 de Agosto de 1959, foram classificadas as categorias das Cidades, Vilas e Povoações. Nesta portaria, Santa cruz foi classificada na categoria de povoação de 2ª classe.

No BO nº 26 de 29 de Junho de 1960, publicou-se nova relação das povoações, Santa Cruz foi novamente classificada como povoação.

Portara nº 19 076, BO nº 13 de 15 de Março de 1962, Santa Cruz passou a ter o direito de usar Escudo de Armas e Bandeira.

O Escudo de Armas constituído por: “em campo vermelho, uma cruz pátea de negro debruada a ouro”. Em listel branco, a circundar a parte inferior do escudo, inscrito o nome da povoação.

A povoação de Santa Cruz não tinha a categoria de vila, por esta, não reunir os requisitos legalmente estabelecidos, destacando a baixa densidade populacional e fraco desenvolvimento económico. Sendo assim, não se constituiu o seu Corpo Administrativo que era a Junta Local, ficando a sua administração sob responsabilidade do respectivo administrador da circunscrição de forma acumulativa, como nos testa os relatórios das Receitas e Despesas, onde o Administrador assina como Presidente, nas vestes de presidente da Junta Local, no quadro das autarquias.

Portanto, até a data da independência, Santa Cruz, do ponto de vista legal era uma povoação comercial e não vila. Mas, porém, desde sua criação, Santa cruz foi sempre chamada de Vila pelos seus fundadores, naturais e residentes.

Reis Ventura ao relatar sobre o que viveu em Santa Cruz em 1961, trata-a de vila como era tratada pelos seus habitantes e não só. 

Tendo em conta a estes aspectos, e por não existir nenhum decreto que eleva a povoação à categoria de vila, consideramos o 25 de Julho de 1956 como data da criação da vila.

4. RECOMENDAÇÕES

Com esta abordagem, reiteramos como recomendações, o seguinte:

 1º Que a Administração de Milunga, junto dos Órgãos vocacionados institucionalizam o dia 19 de Fevereiro como o “Dia da Fundação do Município”, na base da Portaria nº 8 904 de 19 de Fevereiro de 1955, que cria a Circunscrição de Macocola, actual Milunga.

2º Que se institucionaliza o dia 25 de Julho como o “Dia da Fundação da Vila de Santa Cruz”, na base da Portaria nº 9399 de 25 de Julho de 1956, data em que foi transferida a sede da Circunscrição de Macocola para localidade de Santa cruz, actual sede do município de Milunga.8

5. CONCLUSÕES

O povoamento do actual território de Milunga foi resultado das migrações dos seus primeiros habitantes, a procura de melhores condições de vida.Quanto a história do período colonial no território do actual município de Milunga tem o seu início em 1913, data em que tiveram início as operações e por consequência a criação do Posto Militar de Macocola em 1917. Sendo assim, concluímos que a presença europeia na actual região de Milunga foi marcada pela ocupação militar.

A história do município de Milunga não tem sido objecto de estudos que buscasse compreensão mais profunda da realidade local. A falta de divulgação da história da região, tirando-a do anonimato, e apresentando o que aconteceu durante os anos da sua existência, levou-nos a pesquisa sobre o município de Milunga. Desta forma, procurou-se resgatar as fontes históricas e reconstruir a história de Milunga, desde sua fundação, o período da colonização até proclamação da Independência Nacional.

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