Adeus Eduardo Mateus Miala (Double Baguettes)

Por Benção Abílio

Double Baguettes

Esse comboio,chamado vida, onde cada um irá descer na sua paragem. Nem o maquinista nem o cobrador terão força para te impedir.
Nesta fila chamada VIDA onde ninguém escapa, ESTAMOS TODOS.

Memórias apenas memórias nos fazem viajar até Luanda na Maianga, aí mesmo ao lado do que era a sede do Comité Internacional da Cruz Vermelha.
Estamos todos preocupados com uma cerimônia de noivado. Já se tinha tornado hábito, sempre que os jovens escolhessem emigrar para a Europa, faziam questão de prometer casamento às suas namoradas que deixaram atrás em Luanda. Tal como Jesus prometeu aos seus discípulos, os machos também seguiam para preparar os lugares para as escolhidas.

Assim aconteceu com esse rapaz que conhecíamos como Ndualu Mateus. Ele fixou residência em Estrasburgo, em França e sua noiva, a jovem bela Anita Kukia, vivia mesmo na Maianga. A festa de apresentação foi minuciosamente preparada pelos familiares do Ndualu mas algo importante faltava: a Noiva estava preparada para essa cerimônia mas o noivo não estava presente. O que fazer?

Também já se tinha tornado hábito vermos na cadeira do Noivo, um dos irmãos a representar o ausente. De princípio ficamos interrogados sobre a identidade do escolhido. Afinal Dedé Miala, irmão do Ndualu, tinha sido escolhido e já tinha o fato preparado para o efeito. Um dia antes, Mateus, o irmão mais velho do Ndualu, me deu a conhecer que podíamos ter supresa se Ndualu aparecesse em Luanda mas que ele estava em dúvidas que viria.

Chegou o sábado da boda e horas antes da cerimônia, engomamos os fatos e as camisas tremblant a caminho da Maianga, dei boleia a uns amigos e íamos nas Ingombotas a busca do Domingos Vetokele e éramos 5 no meu carro. No caminho encontramos uma prima do Ndualu que era Ana Maria e nos dá uma notícia bomba aqueceu os nossos tímpanos, Ndualu veio a Luanda. O quê?

O noivo não era um desconhecido em Luanda e na Europa. Ndualu, de seu verdadeiro nome: Eduardo Mateus Miala, se tornou famoso com o nome de Double Baguettes, nome que em inglês significa os paus que o baterista usa para fazer soar o bumbo, o chimbau e a caixa.

Double Baguettes surpreendeu os bateristas que encontrou em Luanda com a sua jovialidade e habilidade em fazer soar a caixa bem à maneira fiesta e estilo cavacha do Congolês Meridjo. Pelo som do ” caisse claire” as pessoas pensavam e diziam que misteriosamente ele tinha dois paus em cada mão, dai a palavra ” double” que em francês significa duplo.

Já era um vedeta nos meios artísticos luandense pois como baterista fazia parte do Conjunto Inter Palanca do lendário Matadidi Mário onde actuaram Teddy Nsingui, Timex, Garcia, Mogue , Mayi, Felly, Jacinto Tchipa e outros. Na Europa fez parte do conjunto que gravou com o Congolês Likinga Redo, Claude lengi Lenga e Olemi Eshar do Zaiko Langa langa, os sucessos como Moselebende, On aura tout dit, etc… Também gravou com outros artistas africanos residentes na França.

Voltando à cerimônia do noivado:

As nossas dúvidas tiveram resposta imediata, assim que accompanhamos os Mais Velhos fora do Quintal para os últimos acertos, para o espanto de todos lá estava ele em pessoa: Eduardo Mateus Miala , Double Baguettes.

Todo o mundo ficou espantado. Na altura não era fácil sair de Angola, como é que vai voltar?

Mas a festa foi daqueles e marcado pelas constantes interrupções do DJ: eh pá agora temos que variar também a música, os outros não estão a dançar. A festa continuou. Temos que parar às meia noite porque vai iniciar o recolher obrigatório. Qual quê? Éramos uns tantos que já vestiamos farda, temos livres trânsito; a solidariedade estava presente para levar os primos e primas para as suas casas. Quem mora nos muceques pernoitou na baixa para seguir de manhã.

Neste nosso comboio chamado de VIDA também viajou Eduardo Mateus Miala ( Double Baguettes) e lhe conheci como filho mais novo do Patriarca Mateus Bakadio Miala, funcionário das minas de Mavoio, assassinado em 1961 pela PIDE em Kibokolo depois de 15 de Março. Eduardo Mateus desceu do comboio na sua estação chamado Dezembro 2019. Cada um de nós espera pelo seu. Mas foi um falso presente de Natal 2019

As mães nos contaram sobre essa prisão e tortura do Pai do Ndualu na presença dos filhos, sobre esse assassinato espetacular que alertou a todos os indígenas que tinham instrução eram alvos a abater e que a PIDE estava mesmo a eliminar na área, todos os pretos que sabiam ler e escrever. Iniciava assim a represalia de Salazar.

Foi a explosão e o caminho para a fuga massiva no exílio na vizinha RDC sob as bombas da força aérea portuguesa.

Muitos ficaram pelo caminho; cada mãe que fez esse percurso com os filhos, foi uma autêntica heroina, pois que houve que perdeu os filhos no mato.

Ndualu sobreviveu e hoje saiu da fila.

Descanse em paz. Estamos todos nessa longa fila chará do Comboio vida. Cada um a espera da sua estação. Descanse em Paz.

ADEUS NDUALU
ADEUS DOUBLE BAGUETTES.
Que a terra dos nossos antepassados te seja mesmo leve.

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