Kimpa Vita: A profetisa do Reino do Kongo

Kimpa Vita: a profetisa do Reino do Kongo.

O século XVII (17) foi um século bastante marcante para África. Não só o comercio de escravos para o atlântico norte estava no apógeu, como também grandes impérios e nações africanas entravam em colapso. A influência do “Cristianismo” como meio de dominação politica, mental e cultural dos povos africanos acelerou esse colapso, mas no cerne estavam também íntrigas palacianas e lutas internas para o controle do poder. No grande Reino do Kongo, três familias reais lutavam pelo poder, instigados pelas mãos invisiveis (e em muitos casos, visiveis), dos colonialistas portugueses que por todas as vias tentavam ocupar e derrotar a nação Bakongo. Dentro desse vácuo cultural e político, diversos profetas messiânicos surgiram para proclamar suas visões sócio-politico-religiosas. A mais importante entre estes, foi Kimpa Vita, uma jovem-moça que acreditava estar possuída pelo espírito Santo. Kimpa Vita marcaría por gerações a historia do Reino do Kongo e da África.

O Nascimento de Kimpa Vita

Por gerações, uma profecia Kikongo apontava para o nascimento de uma grande sacerdote espiritual que unificaría o vasto Imperio do Kongo e traría sabedoria para o seu povo – aqueles que a ouvissem – e maldições, contra aqueles que a ignorassem. Nos meados do século 17 o Reino do Kongo estava em crise: as tropas coloniais ocupantes tinham conquistado grande parte do Reino e as sementes de divisão lançadas pelo “cristianismo” estavam a surtír efeito para a felicidade dos colonos. Por um lado, Kongoleses convertidos a nova religião ensinada pelos colonos, lutavam para espalhar a influência da recém adquirida religião por todo o reino do Kongo. Do outro lado, aqueles que queriam defender o Kongo de toda e qualquer influência cultural-religiosa estrangeira. E neste clima de divisões internas e de ingerência externa (a portuguesa), nasce em 1684 aquela que ficou conhecida como Kimpa Vita. Nasceu de uma familia nobre do Kongo, nos arredores de M’Banza Kongo, que na altura já tinha deixado de ser a capital do reino.

A Ideologia de Kimpa Vita

Kimpa Vita mostrou-se ser uma menina diferente do normal nos seus dias. A sua primeira profecia (1703) era de que Deus (N’zambe) puniria o Kongo. Mais tarde ela adoeceu, e clamou que o espirito de “Santo Antonio” (um santo catolico conhecido no reino do Kongo) lhe tinha possuído. “Santo Antonio” quando vivo, era um padre catolico considerado santo, e que supostamente operava”milagres”. Tinha tanto poder que era respeitado e temido entre os africanos do Kongo. Kimpa VITA anunciou que o espiríto de santo Antonio no corpo dela lhe faría ter contacto com o outro mundo (o mundo espiritual) e que ela morreria todas as sextas-feiras para ser ressuscitada todas as segundas-feiras! Durante o tempo em que ela estivesse “morta”, ela receberia do mundo espiritual, pela influência de Santo António, mensagens directas de Deus para o povo do Kongo.

Não demorou muito tempo para que Kimpa Vita começasse a ficar famosa apesar de ser muito jovem. Pessoas vinham de todo o lado do Reino do Kongo para M’banza Kongo para ouvi-la e saber dela. Muitos dos habitantes do reino estavam desesperados em busca de respostas, de algum milagre para as suas própias vidas, dada ao colapso social e cultural em que o Reino se encontrava, e as lutas internas, que levavam muitos Kongoleses a suplicar a Deus por algum milagre e achavam que Kimpa Vita fosse a resposta ás suas orações.

Na primeira “sexta-feira” da “morte” de Kimpa Vita, grandes nobres do Kongo, entre politicos e militares controlavam o seu corpo para concretizar se a profecia sería realmente como Kimpa Vita afirmara. De acordo com historiadores, o corpo de Kimpa Vita ficava totalmente imobilizado, no seu leito, todas as sextas a noite; as pessoas acreditavam que ela realmente tinha morrido e aguardavam pacientemente até segunda feira pela sua “ressureição”. Na primeira segunda-feira de manhã, KIMPA Vita abriu os olhos. O povo, incluíndo membros da corte real, passaram a temê-la.

Kimpa Vita trouxe uma mensagem poderosa para o povo do Kongo. Profetizando em Kikongo, Kimpa Vita dizia: “Deus ordena que M’banza Kongo seja restaurada como a Capital do Reino do Kongo, por ser a antiga Jerusalém em que nasceu Jesus Cristo. Cristo, Maria e todos os profetas eram do Kongo nasceram no Kongo e falavam Kikongo; todos os discipulos de Cristo eram do Kongo e Jerusalém era a cidade de M’banza Kongo; o Reino do Kongo deve ser reunificada em torno de um novo Rei a quem todo o povo deverá obediência; Nzambe ordenou-me a construír uma nova igreja diferente desta igreja catolica e todo o povo do Kongo deve converter-se a essa igreja e unir-se em torno do Rei Kongo”.

Kimpa Vita declarou-se também contra todos os ídolos catolicos e todas as imagens do Jesus e apóstlos brancos que os catolicos portugueses usavam para converter o povo do Kongo e afirmava que a igreja católica era europeia e não beneficiava os Kongoleses. Apesar de da própia ter sido também baptizada como catolica á sua nascença, e ter recebido um novo nome português (Beatriz; por isso ficou também conhecida como Dona Beatriz), Kimpa Vita rejeitou todo e qualquer nome estrangeiro para ela e para o seu povo e denunciava como sendo nomes do Diabo. Os nomes de Deus eram os nomes africanos; Kimpa Vita anunciou que se o povo do Kongo enveredasse para a religião do homem branco corria risco de desaparecer e o Reino do Kongo seria ocupado, dividido e destruído para sempre. Kimpa Vita pregava que a salvação para o Kongo residía na unidade do povo.

Reacções

A nova doutrina de Kimpa Vita logo se tornou conhecida e desagradou bastante as elites catolicas e politicas coloniais portuguesas, que temiam perder influencia religiosa, cultural e politica entre o povo do Kongo. Para os colonos, Kimpa Vita era um perigo: estava a “abrir os olhos” dos africanos e a inspira-los a revolta contra o colonialismo. Para muitos africanos do Kongo, Kimpa era considerada uma mulher profeta, apesar de muito jovem.

Os Conflictos de Kimpa Vita com a Igreja Católica

Ameaçados pelo poder popular e influência de Kimpa Vita, os sacerdotes portugueses rotularam Kimpa Vita de feiticeira e enviada do demonio, e ensinavam aos africanos que não deviam escuta-la. Buscando diálogo, Kimpa Vita enviou mensageiros para contactar diferentes sacerdotes portugueses para gerír os conflictos, mas estes recusaram pois não aceitavam a ideia de uma africana trazer uma nova religião, que praticamente “africanizava” todos os ensinamentos catolicos. O maior problema para Kimpa Vita era o facto de muitos dos principes do Kongo, particularmente do SOYO, na altura já estavam convertidos ao cristianismo católico, e portanto estavam debaixo da influência dos sacerdotes catolicos da região. Com a acusação de Kimpa Vita ser feiticeira, os principes do Kongo lançaram uma onda de perseguição sem tréguas contra ela e seus seguidores.

A Influência de Kimpa Vita

Em pouco tempo a jovem Kimpa Vita se tornou muito influênte. Não só operava supostos “milagres”, como também tinha seguidores em varias partes do Reino do Kongo. Ela até enviava missionarios lá onde só havia catolicos e competia para ganhar novos “conversos”. Era mais facil os africanos escutarem a mensagem dela porque era a mensagem que mais combinava com as aspirações do povo do Kongo. Mas Kimpa Vita encontrou grande resistência nas áreas costeiras do SOYO: o povo e os principes, convencidos de que Kimpa Vita era feiticeira, passaram a persegui-la.

Em 1706, Kimpa Vita deu a luz uma criança que ela alegou ter sido concebida pelo seu “anjo da guarda. Entretanto, Kimpa Vita continuava a pregar a ligação dos povos africanos com Deus. Para Kimpa Vita, o povo africano era o povo escolhido de Deus. A sua mensagem continuava a espalhar-se por todo o reino do Kongo e cada vez mais pessoas juntavam-se ao seu movimento.

A mensagem de Kimpa agradou a um dos rebeldes Konguês que aspirava o trono e tinha o seu exercito. O seu nome Kikongo não é conhecido mas os registros portugueses o identificam como sendo um dos súbditos de Pedro IV (Pedro IV era um dos principes do Kongo…não se sabe o seu nome em Kikongo, o facto de ser identificado com um nome português revela que era um príncipe convertido ao catolicismo). A ideia deste rebelde aspirante ao poder, era a de establecer Kimpa Vita como a profetisa do reino do Kongo, caso chegesse ao poder, e espalhar a doutrina de Kimpa Vita pelo reino, de modo a eliminar a doutrina catolica e a sua influência entre os africanos. Esta aliança colocou Kimpa Vita conectada com os rebeldes que lutavam para aspirar o trono e a perseguição contra ela intensificou-se.

Captura e Morte

O sucesso da jovem KIMPA VITA não foi sem conssequências. A Inveja e a íntriga, para não mencionar a persseguição da igreja catolica e dos principes do Soyo contra ela sempre a acompanharam. Não demorou muito e aconteceu o que havería de acontecer, porque a profecia Kikongo já previa isso: Kimpa Vita e o seu filho foram capturados (1706) e ela foi acusada de “herege” e de feiticeira. Os milagres que ela fazia foram considerados de “kindoki”, ou seja, “makumba”. A sentença foi logo ditada pela inquisição Catolica: pena de morte!

Um dia após o seu julgamento e condenação, isto no dia 02 de julho de 1706, Kimpa Vita e o seu bebé foram queimados vivos nas fogueiras da inquisição católica, na região de “Evolulu”, nos arredores de Mbanza Congo.

Legado

Kimpa Vita é considerada uma das primeiras mulheres africanas a lutar contra a dominação cultural e religiosa europeias. Ela fez algo que era inimaginavel no seu tempo: desafiou as autoridades catolicas portuguesas com uma nova doutrina pró-africana, que apresentava Cristo e os seus apostolos como africanos (negros) e não brancos e loiros. Kimpa Vita foi ainda mais longe: na sua doutrina, Cristo e os apostolos, tinham nascido no Kongo e tinham nomes africanos, e falavam kikongo. Esse ensino, inspirou em muitos africanos, orgulho, força e unidade, que representavam um perigo para a expansão do colonialismo português. Outros ensinamentos de Kimpa incluíam: Maria, a mãe de Jesus, era escrava de um monarca do Kongo; no céu também iam africanos (negros) após a morte (a igreja Catolica na altura não ensinava isso).

Dois séculos mais tarde, os ensinamentos de Kimpa Vita foram revitalizados por outro “profeta” das terras do Kongo. O seu nome era Simão KIMBANGU e os seus seguidores foram identificados como “Kimbanguistas”. Simão Kimbangu revitalizou Kimpa Vita e certa vez questionou: “porquê que Maria não foi chamada de feiticeira, mas sim Kimpa vita, será que era por ser negra e africana? Para nós Kimpa Vita é uma profeta. Profeta do Kongo, profeta dos africanos”.

Via Facebook/ANADAMBA

Comentário

3 Comments

  1. É uma informação rica em conhecimento, é triste como não somos ensinados sobre pessoas como Kimpa Vita nas escolas. Em vez disso nos embutem com conhecimento roubados de África e transformado para liderar ou escravizar o africano.

  2. Foi muito bom e benéfico ter conhecido a historia de Kimpa Vita,
    isso me deu a entender que o povo africano ate hoje é escravo da idiologia portuguesa

  3. Verdade que precisa ser sabida pelos africanos e pelo mundo. Ainda seremos libertos dessa doença e catástrofe ocidental.
    Que os africanos despertem e possamos ser um povo livre e liberto.
    Busquemos o conhecimento e a verdade.
    Foi bom ler a história de Kimpa Vita.

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