Com uma bacia hidrográfica composta por rios ricos em peixes, como o pungo, o pargo, a tuqueia e o bagre, e quedas e cascatas cativantes ao olhar de quem procura o conforto da natureza, a província do Uíge é detentora de potencialidades turísticas com cenários inimagináveis.

As quedas do Bombo, sobre o rio Cuilo, Massau e Camulungo, merecedoras de melhor exploração, e lugares como as Lagoas do Feitiço, Luzamba, Mavoio, Sakapete, Vale do Loge, Morros do Alto Kawale, Pedras de N’Zinga N’Zambi, Kakula Kimanga, Tunda e a Reserva Florestal do Béu, com uma área de 1.400 quilómetros quadrados, oferecem paisagens inesquecíveis.

Quem já visitou as Pedras do Encoje, datadas do século XVIII, Fortaleza do Bembe, construída no século XX, Figuras Rupestres de Kisadi, Pinturas Rupestres da Kabala, Ponte Mágica sobre o rio Vamba Wa Mbamba, Ruínas do Fortim de Maquela, Túmulo do Ancião Mekabango, nome atribuído em homenagem ao grande guerreiro da resistência contra a ocupação colonial, e o Túmulo do Grande Rei Mbianda-Ngunga, outro guerreiro da resistência à ocupação, não duvida da realidade e grandeza turística do Uíge.

É verdade que a província tem recursos para a criação de guias turísticos para os apreciadores das belezas da terra, mas estes ainda não existem e os locais turísticos não são visitados com regularidade. Nos últimos meses, o Governo do Uíge, através da Direcção Provincial da Hotelaria e Turismo, tem vindo a desenvolver um projecto que pode impulsionar o sector turístico. O Turi-Uíge, voltado para a realização de acções destinadas a descobrir, fazer o levantamento e aproveitar os locais turísticos existentes, já permitiu a descoberta de novos sítios atraente para os excursionistas, como é o caso das Pedras Misteriosas da Kabala, Lagoas do Feitiço e Mufututo, e as Grutas do Nzenzo.

Pedras da Kabala no Negage e seus mistérios

O Jornal de Angola embrenhou-se nas matas de Kasadi, aldeia da Kabala, município do Negage, e encontrou pedras titânicas e misteriosas por possuírem escrituras de desenhos que, até agora, ninguém conseguiu descodificar. Para chegar ao local, é necessário observar alguns rituais. A autoridade tradicional tem de espalhar maruvo, cerveja, vinho e alimentos no chão, e enunciar algumas palavras para obter a permissão das sereias que guardam o local.

Durante a ocupação colonial, as pedras da Kabala mereceram a atenção do antigo governador-geral da província de Angola, Rebocho Vaz, que mandou fazer uma placa de betão sobre as misteriosas pedras, para proteger as pinturas rupestres dos ventos e chuvas fortes.

Rebocho Vaz encantou-se com a beleza natural do lugar, depois da sua primeira visita efectuada àquelas paragens a 17 de Julho de 1968, sendo, portanto, a partir dessa data, que o local passou a ser considerado ponto de interesse turístico. O sítio é, também, conhecido por ser ali que eram realizadas cerimónias tradicionais, como a circuncisão dos jovens da aldeia.

Um bairro transformado em lagoa

Ngungo Indua era o nome do bairro que submergiu em consequência de uma chuva miúda que caiu sobre a localidade. Hoje, apenas se vê um grande lençol de água parada. Não há vestígios de ter havido casas naquele local. Os mais velhos dizem que o fenómeno ocorreu há muitos séculos, antes mesmo da chegada dos portugueses ao Reino do Congo. A Lagoa do Feitiço localiza-se em Dambi à Ngola, comuna da Aldeia Viçosa, município do Dange Quitexe.

Quando o Jornal de Angola chegou ao local, o silêncio era absoluto e a paisagem muito bela de se ver. Isaac João Capita, o seculo da aldeia Dambi à Ngola, despejava vinho, maruvo e gasosa na água e pronunciava algumas palavras: “Eu não dormi com a promessa. Nós temos a responsabilidade de informar que trouxemos aqui os nossos visitantes. Querem conhecer e descobrir a tua história, por isso trouxemos o maruvo, o vinho e a gasosa, para vos alegrar e permitires que os mesmos possam realizar o seu trabalho sem problema”.

O seculo explicou que aquele ritual era indispensável e as palavras eram dirigidas aos espíritos que habitam a lagoa. Ante a nossa admiração, o mais velho fez questão de assinalar que a lagoa tinha segredos e uma grande história e contou-nos parte dela. “Tudo aconteceu quando, numa manhã, na extinta aldeia do Ngungo Indua, onde viviam mais ou menos 1.500 pessoas, apareceu um homem defeituoso em cujo corpo escorria água e pus. Cheirava mal e estava com sede, mas ninguém lhe queria dar água”, contou.

Duas crianças, um rapaz e uma menina, que estavam sozinhas em casa, correram para o ajudar e deram de beber ao homem misterioso, que agradeceu e à saída deixou uma recomendação. Pediu aos petizes para avisarem os pais, mal eles chegassem a casa, para recolherem todas as suas coisas e irem para a montanha do Kitutu, que fica a cerca de cinco quilómetros da lagoa, porque mais tarde haveria uma nuvem negra que cobriria a aldeia e deixaria cair sobre ela água suficiente para a fazer desaparecer. Pediu que não dissessem a mais ninguém além do pais. “Isso aconteceu mesmo, não é mentira”, afirmou o ancião.

“Era uma chuva miúda que caiu apenas nesta área ocupada pelo bairro. As casas inundaram-se e as pessoas morreram afogadas. Foi incrível o que aconteceu, porque até as pessoas da aldeia que estavam fora dela regressavam ao local como se tivessem sido chamadas de emergência e também morreram afogados”, contou o seculo. Kipita Kya Nzambi, pai dos meninos, não conseguia acreditar no fenómeno. “É uma história real que já dura há mais de uma dezena de séculos”, referiu Isaac João Capita.

“Lagoa do Feitiço”

O nome da aldeia também tem a sua história. Conta-se que José Dinis, um fazendeiro português, levou a família e os capatazes à lagoa para fazer um piquenique no local. Comiam e bebiam alegremente até que apareceu um velho de uma aldeia vizinha que os alertou sobre o perigo que corriam. “Aquele fazendeiro português era muito teimoso. Não acreditou mesmo. No gozo, lançou 50 centavos à lagoa dizendo em voz alta que queria ver algum milagre. Não passou muito tempo e apareceu, de repente, uma menina morta, dentro de um caixão que flutuava sobre a água. O fazendeiro ficou assustado e recolheu os filhos e a mulher e foram para casa”.

À noite, a desgraça tomou conta da sua residência. A filha morreu sem mais nem menos. O fazendeiro passou a tratar o lugar como Lagoa do Feitiço e, segundo o seculo da aldeia, foi a partir daí que nasceu o nome da lagoa, que antes tinha o nome de Ujia Ya Mbuila. Por ter “engolido muita gente”, pois nela aconteciam coisas incríveis, assustadoras e difíceis de acreditar, os mais velhos da aldeia reuniram-se para resolver o assunto. Desde então, passou a ser obrigatório realizar os rituais que até hoje são observados para se ter acesso ao local. “Os velhos levaram comida e bebida para pedir perdão às sereias por todo o mal que os nossos antepassados fizeram, para que nada mais aconteça”, contou.

Hoje, já se pode beber a água da lagoa e tomar banho nela. Mas o seculo alertou que só os nativos de Dambi à Ngola estão autorizados a tocar nela, mesmo sem autorização. Isaac Capita esclareceu que “se um estranho tocar na água sem autorização dos mais velhos da aldeia, pode desaparecer misteriosamente, por isso é que antes de vocês (jornalistas) fazerem o vosso trabalho realizámos o ritual”, explicou.

Grutas do Nzenzo e as magníficas pedras do Bombo

Manhã de domingo, às 6h30 fazia muito frio. Havia nevoeiro e a viagem estava a ser realizada a uma velocidade de 40 km/hora, pelo menos desde a cidade do Uíge até ao desvio da estrada que liga o município do Quitexe ao de Ambuíla, numa distância de cerca de 36 quilómetros. A equipa do Jornal de Angola preparava-se para mais uma empreitada, uma descoberta turística, a “Grutas do Nzenzo”, na aldeia Bombo, regedoria de Ambuíla, município de Ambuíla.

O local também não pôde ser visitado sem a permissão das autoridades tradicionais locais, que devem cumprir rigorosamente um ritual para a protecção do visitante. O som produzido pelo movimento das águas debaixo da ponte de betão construída sobre o rio Loge chamou-nos a atenção. Uma pequena e linda catarata deixava a água cristalina fluir entre as azinhagas rochosas, passando debaixo da ponte, entre os brutos pilares que a seguram, estagnando numa pequena ilha rodeada de pedras rochosas e de uma grande quantidade de plantas e árvores, uma paisagem fantástica e de grande beleza.

Enquanto explorávamos aquele cenário maravilhoso, um grupo de crianças com idades entre os 10 e 12 anos mergulhavam pelados e exibiam coreografias acrobáticas estupendas. Saltavam da ponte para baixo, a cerca de 10 metros de altura. Estavam entusiasmadas com a presença dos jornalistas no local.

Pedras do Bombo

Continuámos a viagem, chegámos à vila de Ambuíla e fizemos mais uma paragem. Cumprimentámos as autoridades locais e deram-nos um guia. Na aldeia Bombo, regedoria de Ambuíla, o regedor Álvaro Pedro Xingue e outras autoridades tradicionais locais aguardavam por nós.

O relógio marcava 14h15 quando a população do Bombo, gente alegre e trabalhadora, nos recebeu com muita emoção e carinho. A vista da aldeia era verdadeiramente fantástica, todos envolvidos em pequenas tarefas. Se os homens estavam empenhados no fabrico de adobes para a construção de pequenas cubatas, as mulheres agarravam a cozinha, preparavam kizaca com feijão e carne de javali. Naquela hora, uma mulher “biculava” com mestria o funji de bombó numa enorme panela bibiana.

Da vila de Ambuíla até à aldeia Bombo são 17 quilómetros. Chegámos mesmo à hora certa. O estômago já se embrulhava todinho. Sentíamos muita fome, mas a fantástica imagem arquitectónica natural das famosas Pedras do Bombo, que parecem edifícios construídos à volta da aldeia, deixou-nos ainda mais curiosos em relação à descoberta da gruta. A fome passou de repente. Corremos ao encontro da gruta.

Apanhámos o soba e um ancião da aldeia. Avançamos até Ambuíla, mais seis quilómetros, encontrámos o regedor local com muito boa disposição. Álvaro Xingue não perdeu tempo e levou-nos até à Gruta do Nzenzo.

Logo à entrada da gruta fomos todos ungidos na testa com uma mistura de argila e lunguila (bebida extraída da cana) e percorremos cerca de 400 metros a pé até ao local. Antes de entrarmos na caverna, ficámos de joelhos, o soba, regedor e o seculo pediam aos espíritos para nos protegerem do mal. “Nós somos de origem bantu e todas as autoridades tradicionais de cada localidade definem algumas regras que devem ser rigorosamente cumpridas”, esclareceu.

Na caverna cai água natural a partir de um pequeno orifício localizado na sua parte superior interna. O produto é translúcido, confunde-se com a água mineral. O regedor disse que ninguém sabe dizer de onde vem aquela água, porque nenhum rio passa próximo da gruta. “A água é misteriosa”, afirmou.

Quanto à que jorra na gruta, os habitantes do Bombo beneficiaram da prestimosa ajuda de um empresário que, mesmo não sendo natural da aldeia, e sem cobrar nada em troca, criou um sistema rudimentar que transporta a água até ao chafariz construído para o efeito.

Ao longo da gruta, encontrámos muitas armadilhas montadas pelos caçadores locais, nos diversos acessos que nos levam ao interior do local. No período nocturno, animais como javalis, pacaças, burros do mato, veados, gazelas e cabras da mata juntam-se para descansar, segundo o regedor. “Por isso, eles acham que aqui é o melhor lugar para colocar as armadilhas”.

Fonte: JA

As florestas densas do Uíge
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