A IDENTIDADE KONGO NA CAPITAL DA RDC / A CIDADE QUE ESQUECEU A SUA LÍNGUA: A VERDADE SOBRE KINSHASA

Por Fabrice Makedika Mbemba

Segundo o escritor, ele diz: “‎Para eles, no espaço cultural kongo, as línguas devem ser completamente substituídas pelo lingala, até dentro das aldeias, mas ignoram que vivemos nas terras do nosso antigo Reino e que são eles que vieram de outras regiões. Essa visão não surge por acaso, ela é herdeira de um projecto implícito, antigo e silencioso, de substituição do Kikongo pelo lingala, um projecto que, ao longo das décadas, foi ganhando força através de decisões políticas, manipulações culturais e construções simbólicas destinadas a afastar o povo kongo da sua própria matriz.

Esse projecto tornou-se mais visível durante o regime de Mobutu. Ele fez em Kinshasa aquilo que muitos ainda hoje tentam normalizar, apagou deliberadamente o Kikongo da capital e substituiu-o pelo lingala, marginalizando e rebaixamento o kikongo como língua da “aldeia, dos avós”.

Antes disso, durante a colonização belga, o Kikongo era a primeira língua de Léopoldville (Kinshasa). Nos painéis ferroviários deixados pelos belgas, as mensagens estavam em Kikongo. O que existe hoje é resultado de uma política consciente. Quando Mobutu chegou ao poder, começou a impor a língua da sua província, apagando lentamente o Kikongo e dando mais privilégio à sua língua materna.

Os nossos irmãos Kongo da RDC, infelizmente, não foram prudentes. Acreditavam sinceramente que Mobutu fazia isso pela unidade nacional, quando na verdade ele executava um processo de engenharia cultural, no qual a língua kongo era tratada como um obstáculo e o lingala como o símbolo de uma nação artificialmente unificada. O resultado está à vista: gerações que cresceram desligadas da sua própria língua, da sua memória e da sua identidade. Hoje, muitos reconhecem o erro cometido e recuperam o ensino do Kikongo nas escolas, na esperança de reconstruir aquilo que foi violentamente disperso.

É importante notar que o lingala ganhou força política especialmente por meio dos militares coloniais. A Force Publique, exército colonial belga no Congo (1885–1960), que adotou o lingala como língua de comando.

Segundo estudos históricos, após a revolta de auxiliares da Força Pública (batetela), as autoridades coloniais reestruturaram a força militar justamente para evitar novos motins. Parte dessa reestruturação incluiu tornar o lingala a língua usada no exército, nacionalizando a tropa e reduzindo o risco de unidades se organizarem com base em identidades étnicas.

Além disso, a própria composição dos soldados reforçava esse processo, muitos recrutas vinham de diferentes pontos do Congo, e aprender lingala nos centros de treinamento militar tornou-se praticamente uma porta de entrada para a vida nas forças armadas.

Essa escolha linguística não foi neutra ao privilegiar o lingala no exército, o poder colonial consolidava uma língua franca que servia como instrumento de autoridade política e militar. Segundo acadêmicos, após a independência, Mobutu continuou a ligar o lingala à ideia de poder militar e nacional reforçando, por via institucional, a presença dessa língua nas estruturas estatais.

O que muitos também fingem não ver é que Kinshasa é, em si mesma, um território Kongo. Antes de ser chamada Léopoldville ou Kinshasa, aquela região já tinha nomes kongo como Nsasa, Mpumbu, Lemba, Kintambu, Matete nomes que resistiram porque carregam séculos de presença e identidade. A toponímia inteira da cidade é testemunha silenciosa dessa verdade histórica de que ali vivia o povo Bakongo.

Muito antes da chegada das populações do Équateur e de outras províncias, a região de Kinshasa fazia parte do Kongo dia Ntotila, um território de clãs kongo, ligado a Mbanza Kongo pelas rotas fluviais, pelo comércio, pela vida espiritual e pelas estruturas sociais do antigo reino. Kinshasa não é uma criação lingala; é um espaço kongo onde o lingala foi injestado mais tarde como instrumento político.

Até os belgas reconheciam isso, por isso instalaram missionários kongo na região, ensinaram e administraram em Kikongo, e produziram catecismos, livros e registos nessa língua. O lingala nunca foi língua da terra; era apenas a língua militar da Force Publique, um crioulo do bangala do Équateur que só se espalhou pelo peso do poder estatal.

Quando hoje se tenta dizer que Kinshasa sempre foi lingalófona , repete-se, consciente ou inconscientemente, a narrativa fabricada durante o mobutismo, que fazia parte desse projecto implícito de substituição cultural. Mas a verdade não se apaga: Kinshasa é solo kongo, memória kongo e história kongo. O que mudou foi apenas quem controla a narrativa não a origem da terra, nem o povo que a criou”.

‎Via oficina cultural Kongo

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