BATALHA DE MBWÎLA

Por Patrício Batsikama

Segundo Gustão Dias, Portugal precisava de produtos metalúrgicos para fazer face às guerras contra os espanhóis, de modo que as minas de Wându no Kôngo interessavam demais à nação portuguesa.39 Ora, Wându era um local fortificado dos militares, onde se fabricavam armas a partir da metalurgia do ferro. Daí, o monarca Dom António I Vita Ñkânga ter negado categoricamente a exploração das minas pelos portugueses.

Comparando várias fontes, embora António Cadornega nos pareça mais objetivo com informações de maior relevância, percebemos que dois Exércitos se enfrentaram. Do lado português, o capitão Luis Lopes de Sequeira disponibiliza de 360 mosqueteiros, soldados aguerridos que eram africanos nascidos na tortuosa escravatura do Brasil e perto de 14.500 soldados recrutados entre os Mbângala.40 Havia também duas peças de artilharia.
Do lado kôngo, segundo a nossa revisão bibliográfica,41 os Makela ma Mbata, Mayaka ma Kôngo, Nzâdi za Kôngo e Mazômbo, em geral, constituíam o Exército kôngo num total de mais de 50.000 almas.

Na maioria, eram arqueiros (Muzombo que falam Lopes e Pigafetta) na primeira fileira. Entre eles, uma ínfima participação de 26 portugueses e perto de 300 mosqueteiros.

O Exército português tinha a missão de ocupar a região das minas de Wembo, Nkusu e Wandu. Da cartografia disponível na época, o itinerário passava pelo rio Zênza antes de prosseguir. O Exército kôngo, por sua vez, contou com a autoridade máxima de Mbata para travar a subida do Exército português justamente nesta região: Mbwîla. É aqui o teatro da Guerra.

O Exército português traçou o itinerário para alcançar Wêmbo, seguindo por Nkâzi’a Ngôngo e atravessando o atual rio Dande até Wêmbo, para chegar até Mbwîla. As tropas kôngo, sob o comando de Na Mpângu (General) contaram com a presença das autoridades de Mbata, Nsûndi, Mbâmba e Nsoyo.

Na Mpângu e seus soldados Mazômbo, Mayaka e Masîmbu já estavam em marcha para o Sul: os Mayaka deveriam provir do Nordeste, os Mbêmbe estavam em frente e cobertos pelos Masîmbu, partindo de Mbânz’a Zômbo. Os Solongo viriam do Nzeto e Bengo, partindo de Dande, para juntar-se com os militares de Ma Mbâmba. O ponto convergente era Wându, e daí lançaram-se – com Dom António Vita Ñkânga – no confronto com as tropas portuguesas.

Ma Mbâmba, que reuniu quase 4000 corredores entre os quais os Solongo, Mbûmbi e Mpêmba, lançou o primeiro bloqueio não só para impedir as tropas portuguesas de avançar para Wându, mas também para estudar a capacidade militar do adversário. São os Mbûmbu os responsáveis dessa missão. António Cadornega relata que os Kôngo se meteram em fuga, logo que se abriu fogo. Na verdade, os Mbûmbi são militares que combatem, não para ganhar, senão apenas para conhecer a capacidade militar do adversário. É assim que, aqueles que regressaram até a retaguarda, desvendaram o segredo sobre a capacidade militar do adversário. Porém, não era uma ideia real nem completa, mas antes enganosa, pois os Kôngo ainda desconheciam a “guerra preta” que Luis Lopes Sequeira implementou. É importante salientar que foi logo de manhã, por volta das 9 horas de 27 de Outubro de 1665, que aconteceu o primeiro confronto.

A quadrada portuguesa estava organizada em fileiras dobradas, contando com os militares africanos escondidos nas pedras de Bûmbu e uma Infantaria negra forte, embora desconhecedora da região. Ainda hoje aquelas pedras são chamadas de Bûmbu, e a população é Bûmbu que quer dizer, em kikôngo, “terras acumuladas; terras altas acumuladas” que serviam de refúgio para os Mbûmbi e Mbembele (Mbêmbe). Aliás, não será por acaso que a retirada dos Mbûmbi é primeiramente percebida pelos militares Mbêmbe que estavam na retaguarda imediata. Os Mbûmbi conheciam muito bem as terras acumuladas e escondiam-se nos Nzênzo (grutas), esconderijos em pedras onde corre água doce. Mas, para vencê-los, os portugueses lançaram a guerra preta para essas pedras, onde esmagaram muitos dos Mbûmbi refugiados. Geralmente, ao refugiar-se, os Mbûmbi esperavam pelos Mbêmbele e outras forças para reunir o grosso e reforçar a vanguarda, caso o local servisse de campo de batalha.

Na Mpânzu (Chefe de Guerra) preparou a ofensiva contando primeiro com os Mbêmbe e Makêla na linha vertical e os Mbûmbi e Mbêmbele para reforço; na linha horizontal oriental contava-se com a ofensiva dos Nzâdi za Kôngo (Mbwênga) e Mayaka ma Mbata (Mambêle), que nunca chegaram a comparecer, talvez por causa das primeiras chuvas do final de outubro, naquela área. Na linha horizontal occidental, Na Mpângu e os seus kibênga prepararam a ofensiva, integrada pelo próprio Dom António I Vita Ñkânga. O Exército kôngo contava com todas as baterias e com a eficácia da estratégia traçada. Ignorava, portanto, que alguns reforços já tinham sido dizimados.

Até o dia 27 de Outubro, os Imbangala já estavam em prontidão: os portugueses e inúmeros Jagas meridionais e outros africanos contratados já ocupavam a região nos dois flancos do rio Lwêzi (Wulânga). Os mosqueteiros – no meio, montavam a formação em formato de diamante com as duas peças de artilharia. No primeiro ataque, estavam os Africanos ao serviço dos Portugueses, inclusive vários sobas mbûndu.43
O Exército kôngo tinha a forma de meia-lua: os arqueiros Zômbo em linha em forma de V, foram sucedidos pelos Mbêmbele (Mbêmbe) e pelos Makela (artilharia pesada, consoante os autores). E antes destes havia a cintura, composta por variados militares e que poderia ser abastecida de todos os cantos.

Na manhã de 29 de Outubro de 1665, os arqueiros Zômbo eliminaram uma grande parte dos africanos pró-lusitanos. Os Makêla, com uma grande parte dos mosqueteiros, lançaram a ofensiva para quebrar a formação portuguesa. Essa resistiu, tendo mosqueteiros aguerridos servidos de travão. O atraso dos Mbêmbe – tendo em conta que os Makela encontraram uma resistência sólida – fez com que os Portugueses quebrassem a cintura de defesa e tornassem inútil a possível intervenção dos Mbûmbi e Mbêmbe, especificamente na parte oriental. Na parte ocidental, Ma Mbêngu encontrava-se já à porta do local com as suas tropas (de reserva), na maioria Solongo e Ndembu. Os Kôngo já tinham lançado três tentativas para quebrar a formação portuguesa e esta foi a quarta. Dom António I Vita Ñkânga participou nesta quarta tentativa, na qual lutou e faleceu em combate.

Dom António Vita Ñkânga foi vítima de uma bala perdida e caiu ao chão. De imediato, foi cercado pelos jovens guerreiros que lutaram para conservar a integridade física do seu soberano. Dois grupos dos militares retiraram-se e marcharam até algum esconderijo, nzênzo. O campo adversário que se apercebeu dos ferimentos de Dom António I Vita Ñkânga, infiltrou um Kilâmba (chefe Ndêmbo’a Mulaza) que teria atingido mortalmente o soberano kôngo.

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