DIKENGA DIA KONGO – A COSMOLOGIA BAKONGO

Os bakongo fazem parte que se configura como um grande grupo linguístico, histórico e cultural chamado Bantu, um grupo de sociedades africanas que se compara a um pequeno grupo linguístico, das nossas origens, nossos primeiros mil anos antes da era comum (Fourshey; Gonzales; Saidi, 2019). Remontando ao segundo Milênio A.C., lentamente aconteceram ondas migratórias de comunidades Bantu em direção ao sul, processo que fez com que a maioria dos africanos que vivem na região ao sul do equador viessem a falar uma ou mais das 400 línguas relacionadas ao Bantu.

Está localizada numa grande expansão territorial do continente, combinada com os países da África Central, Ocidental, Oriental e Austral (Munanga, 2009). Os Bakongo “descendem do grande grupo Bantu que migrou do sul da região do Rio Benue (atualmente Nigéria) para a floresta equatorial do centro-oeste africano e proximidades.”

Pois as linguagens do grupo refletem “[…] a organização de uma filosofia humana, da cultura humana e da relação entre a natureza e o universo” (Cunha Junior, 2010, p. 26).

Também possuem uma levantada em comum, “ntu”, utilizada para nomear o ser humano (mu-ntu, singular; ba-ntu, plural), por esse motivo “essas línguas foram batizadas de bantu pelos linguistas ocidentais” (Munanga, 1996, p. 58). O termo muntu, em língua kikongo, com variantes, tais como “mutu” e “ntu”, em outras línguas bantu, vem a significar ‘pessoa’. Mu-ntu indica ‘dentro da cabeça’, ‘por cabeça’, ‘onde aquilo se manifestou e/ou é, da cabeça’. A ideia de pessoa, entre os bantu-kongo, está totalmente associada à concepção de que a cabeça (ntu) determina o ‘ser de modo humano’ (Tiganá Santana Santos, 2019, p. 122).

Nessa mesma direção, Nei Lopes (2005, p. 23) apresenta a noção de muntu em que a pessoa é “uma força vital realizada, existente, pulsando” no mundo. É forçado, portanto, assume a responsabilidade (incluindo o manejo) por toda a vida, no mundo, no mundo físico e espiritual. Desta forma, todos nós somos donos de uma força vital, e é uma homenagem ao “valor supremo da existência” (Lopes, 2005, p. 24). O ser humano, porto, é tanto um ser espiritual quanto material/físico, pois não é apenas endotado de inteligência como também de intensa força vital.

Além disso, onde o nosso ser humano está envolvido num ciclo temporal, essas coisas passam pelo processo de “nascimento”, “maturidade” e “morte”. Assim como um ciclo solar, que não acontece, mas se renova cada vez que é novo, onde o ser humano vive em eterno estado de transformação, e que está morto, não morre de vida necessariamente, mas passa, que isso aconteça no futuro outro modo existe. Nas palavras de Fu-Kiau (2001 apud/junto a Santos, 2019, p. 20) “[…], para um muntu africano, os mortos não estão mortos: eles são apenas seres vivendo além da muralha esperando pelo seu retorno provável à comunidade, ao mundo físico (‘ku nseke’)”. Nesse sentido, partindo da cosmologia Bantu-Kongo apresentada pelo autor, onde o ser humano é considerado uma materialidade própria da Terra, que nasce e contínua a ser posta.

Esse processo pode ser ilustrado por intermédio do “Dikenga dia kongo”, ou “cosmograma bakongo”. Definido por Tiganá Santana Santos (2019, p. 127) como um “[…] mapa interpretativo do mundo e seus acontecimentos, da realidade existencial de tudo porque eu sei o que é”. Além de ilustrar os caminhos percorridos pelo Sol, indo do amanhecer ao ápice do meio-dia, para então o pôr do sol até o sol da meia-noite, a partir do cosmograma apresentamos um portal verde que nos conduz a outro ritmo. Distinto do “kronos” (do grego) em sua origem e vivência, “o conceito Kongo do tempo aqui descrito”, nas letras de Fu-Kiau (1994), “é profundamente enraizado em nossa visão de mundo, nossa cosmologia [a do Kongo]”.

Trata-se quando há ligação entre “musoni”, (cor amarela) quando chega o momento da “concepção”, quando as ideias são a primeira lâmpada de luz, quando não há tangível, físico, quando chega o momento em que há ápice do mundo espiritual (ku mpemba), quando é amarela está associada ao conhecimento; na direção que temos que mudar as coisas no futuro, quando soubermos, quando ocorrer o momento de tormento, quando, quando a vida surgir em nosso mundo físico; nenhum tempero disso é “tukula”, (cor vermelha) quando a maturação faz efeito e nossos grandes frutos aparecem; e, por fim, temos “luvemba”, (cor branca) o estágio mortal em que tudo se será, momento no qual se faz a travessia até o outro lado da muralha, o mundo espiritual, é quando grandes transformações ocorrem e novos ciclos podem ter início (Fu- Kiau, 2001 e Santos, 2019).

Temos consciência disso, um contributo fundamental para o pensamento do Kongo (imagem 1) para compreender o pensamento do Kongo, para registar uma dinâmica cósmica em relação ao mundo e à vida, para estabelecer a nossa temporalidade que está no nosso ciclo. Ou você vê, você sabe o que você é, você sabe o que existe, está posto em circularidade, há uma dinâmica de eterna transformação, e “nada na vida diária da sociedade Kongo está fora das suas práticas cosmológicas” (Fu-Kiau, 2001 apud Santos, 2019, pág. 34). No seu percurso, onde você está a todo momento assimilando a realidade que encontra, transformando-a em algo muito diferente. Viva e reviva diferentes situações, experiências acumuladas, aprendizados, histórias e memórias, começos avançados e reelaborações, mas nunca esqueça no mundo físico e vice-versa.

Estando o ser humano imerso nessas práticas cosmológicas, podemos estreitar nossa perspectiva para perspectivar as crianças à luz dessa dinâmica solar. Para os povos do Kongo, cada criança que nasce, dá corpo e forma física a um novo Sol vivo. Como a força da vida é realizada (Lopes, 2005), um choro-muntu só surge quando não existe um ciclo, ou o mundo físico, a partir do momento do seu nascimento, o que não significa que seja o fim de uma vida, ou o momento da luz, conforme ilustração de Fu-Kiau e Lukondo-Wamba (2000) em livro, Kindezi: “The Kongo art of babysitting (imagem 2)”, não sabemos o que fazer, ou quando não sabemos quando vemos a luz na primeira luz, quando clamamos às nossas primeiras suspeitas no mundo físico, ou não sabemos. Partindo em direção à posição G, (cor vermelha) acompanhamos seus passos rumo ao crescimento, é o momento de maturidade e dos resultados, de se posicionar com firmeza no mundo. E, por fim, o ponto D (cor branca) representa o findar do dia ao pôr do sol, o momento propício às maiores mudanças, quando, depois de pois de uma longa donada, pega-se o caminho que leva da velhice ao invisível: a morte é equivalente a pôr-se em direção para “além da muralha” até que já hora de um novo amanhecer (Fu-Kiau, 2001 apud Santos, 2019, p. 20).

A Cosmologia Bantu ensina que para completar seus processos de formação ou “dingo-dingo”, um planeta, pessoa, fenômeno, etc., precisa atravessar esses quatro estágios ou “represas do tempo” (n´kama mia ntangu) chamados de Tempo Musoni, Tempo Kala, Tempo Tukula e Tempo Luvemba” (FU KI.AU, Ntandu).

MÛSONI

O primeiro ciclo se chama Mûsoni, que é o começo de todos os tempos. A mitologia tradicional Kongo refere-se a tal período como “Tandu Kia Kuku Lwalamba Kalunga” (literalmente, “o período do cozimento da Kalunga”), a era fervente da matéria magmática (Fu-Kiau 1969, pp. 17-27). Esse é o período durante o qual o vazio (luyalungunu) encheu-se de matéria em fusão. Esse foi o início do “kele-kele dia dingo-dingo dia ntangu ye moyo”, “a faísca dos contínuos processos do tempo e da vida” em todo o universo; é a colisão das colisões (o Big Bang).

KALA

Kala é o segundo estágio da formação dos planetas e de suas transformações. Depois que se completou o ciclo do resfriamento da Terra veio o estágio do tempo Kala (Tandu Kia Kala). Durante essa era, a Terra presenciou grandes transformações. A vida em sua forma mais primitiva – seres microscópicos (zie), algas – começou a existir (Kala) nesse período. O solo era úmido e a água podia ser encontrada em todas as partes. O negro é a cor simbólica dessa era, a segunda grande “represa” do Tempo (ou “n´kama wanzole wangudi wa ntangu”).

TUKULA

O tempo Tukula é o terceiro estágio da formação dos processos dos planetas (mundos) e de suas transformações que seguem a era Kala. Nesse período do tempo Cósmico, nosso planeta amadureceu (Kula). A vida que existia durante a antiga era Kala amadureceu e prosperou. Os animais também surgem em um ponto da era Tukula. É O Ponto do Guerreiro, o Auge da Força do Sol no Céu.

LUVEMBA

Esse é o quarto estágio e último período, ou, era pela qual um planeta passa para completar seu processo de formação e transformação, e ele segue o tempo Tukula. De acordo com a escola de ensino superior Bantu-Kongo, durante essa era, “Maghûngu” existiu no planeta. Maghûnguera um ser andrógeno, completo por si só. Esse ser mitológico era “dois em um”, macho e fêmea. Através de contínuas buscas por rituais, Maghûngufoi cortado em dois seres separados: “Lumbu” e “Muzita” (fêmea e macho). Nesse momento, o planeta Terra tornou-se vivo por inteiro, completo por si só. Lumbu e Muzita, para manter a unidade de quando eram Maghûngu, decidiram permanecer juntos durante a vida (casados). Tornaram-se mulher e marido (“n´kento ye bakala”), (Fu-Kiau 1969, pp.17-27). Com esse novo começo de vida, o ciclo cósmico do Tempo completou-se e um novo estágio de tempo iniciou-se – o tempo vital.

Via: FU KI.AU, Bunseki. Ntandu, Tandu, Kolo – “O conceito bantu Kongo do Tempo”.

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