KÔNGO PÓS-JAGAS

Dom Garcia II, recebendo os padres capuchinhos © RANDELS, 2002: 121

Por Patrício Batsikama

Dom Álvado I Lukeni lwa Mvêmba enfrentou os invasores Jagas, temíveis militares oriundos de nsi’a Mbângala, que destruíram as igrejas, escolas e outras instituições da cidade- Estado em Mbânz’a Kôngo. Na tese de Raphael Batsîkama, eram militares kôngo provenientes das longínquas cidades-aldeias cuja antiocidentalização orientou os seus atos. O rei refugiou-se numa das montanhas, outros altos funcionários foram para as ilhas do Zaire, onde foram seguidos e muitos deles assassinados.

Dom Álvaro I pediu socorro a Portugal e veio Francisco de Gouveia que liderou as guerras ao lado dos Mbumbuzi, Mbêmbe e Mazômbo. O general Francisco de Gouveia y Sottomaior foi orientado a criar uma colônia portuguesa em Luanda junto com o Kôngo. Diz-se que Dom Álvaro I teria feito concessão de terra à Santa Sé como forma de gratificação. Não foi possível anexar o Kôngo na dependência portuguesa, tal como mostra a carta datada de vinte e dois de janeiro de 1575.

No dia 6 de março de 1587, Dom Álvaro II Mpânzu’a Nimi’a Lukeni chega ao poder, sucedendo ao seu pai. Mas ele tem o controle de uma boa parte dos militares mazombo e autoridades de Mbata com ele. Essas legitimam o seu poder tentando repor o Direito Religioso de Mbata, mas sem deixar de lado os padres católicos. Abriu relações com Espanha, apesar dos conflitos contra Portugal.

Outro assunto consistiu em reavaliar a época pós-Jagas devido às imposições externas (Portugal) e rebeldias das autoridades da zona do Sul com a emergência do Estado Ndôngo e ao lado de Matamba. Foi decidido enviar uma embaixada à Santa Sé para devolver a Nsaku Ne Vunda a autoridade religiosa e controlar as igrejas locais. No dia 20 de maio de 1596, “a Igreja de São Salvador foi elevada a Catedral, graças ao rei Filipe II e ao vice-rei de Portugal, cardeal Alberto”. O embaixador enviado, Dom António Manuel Nsaku Ne Vunda de Mbata, ficou doente e internado no Vaticano, Face a essa situação, o Papa Paulo IV deslocou-se ao seu leito para a sua audiência. O objetivo era ter um Bispo kôngo que dirigisse a Igreja Católica no Kôngo como forma de independência religiosa vis-à-vis dos portugueses e espanhóis. Por outro lado, sugeriu reformas importantes ao nível das instituições políticas, religiosas, educacionais e comerciais. Fez em nome do Conselho do Reino a solicitação de ajudas nesses setores, pois os Jagas tinham destruído quase tudo, inclusive a igreja onde estava guardada a pedra lusûnzi. Jan Vansina fez uma observação a esse respeito:

A morte consecutiva dos dois reis no decurso de uma guerra contra os Tio (Teke) em 1566 e 1567 deu origem a uma confusão que degenerou em catástrofe, com a irrupção de guerreiros, chamados Jaga, proveniente do Leste. Os Jagas desafiaram as forças reais e a Corte teve de se refugiar numa Ilha do final do (rio) Zaire… inúmeros refugiados foram vendidos como escravizados para São Tomé. O rei teve de pedir ajuda a Portugal o qual enviou um corpo expeditório, que conquistou o reino de 1571 a 1573. A hegemonia do Kôngo na região ficou destruída, pois em 1575, foi fundada a colônia de Angola e os Portugueses vieram comercializar em grande número ao Loango, a partir do mesmo ano.

Da morte do Dom Álvaro II Mpânzu’a Nimi a Lukeni, em 1614,  até Dom Garcia II Ñkânga Nimi’a Lukeni, em 1661, todos os monarcas foram assassinados. Dom Bernardo II Nimi’a Ñkânga assumiu o trono. Esse ato foi contestado, com o apoio da linhagem da sua mãe oriunda de Mbâmba. Foi tragicamente executado em 20 de agosto de 1615. Sucedeu-lhe Dom Álvaro III Nimi’a Mpânzu, que era um jovem de 17 anos de idade e, por conseguinte, inexperiente, mas com coragem que se opunha à ocupação estrangeira visto que os padres e comerciantes portugueses imiscuir-se nos assuntos públicos, principalmente, em Luanda, que integrava a antiga região de
Mbâmba. Dom Álvaro III Nimi’a Mpânzu morreu no dia 5 de maio de 1622. O Conselho do Reino elegeu Dom Pedro II Ñkânga Mvika como forma de repor a linhagem Lukeni no poder executivo. Era descendente de Dom Afonso Mvika Mvêmba e Dona Ana Ñtûmba Mvêmba Ñzînga. Por essa razão, foi eleito Mani Nsûndi e depois da morte do rei, passou a ser elegível para o trono em Mbânz’a Kôngo. Com a morte de Dom Pedro II Ñkânga Mvika, o Conselho recebeu duas propostas de candidatura: Dom Álvaro (IV) Ñzînga Nimi (Ñkuwu) e Dom Ambrósio Nimi’a Ñkânga. Dom Pedro II Ñkânga Mvika reinou um ano e alguns meses apenas. Cometeu o erro de vingar-se do seu irmão morto pelos portugueses em Mbâmba. Essa vingança azedou as relações entre Mbânz’a Kôngo e Luanda. Faleceu em 13 de abril de 1624, sucumbindo, assim, a uma densa conspiração que envolveu sua família e os seus mais próximos.

No dia 24 de abril de 1624, foi tronado Dom Garcia I Afonso Mvêmb’a Ñkânga. Era o filho de Dom Pedro II Ñkânga Mvika e conspirou contra o poder, com amplo apoio dos seus familiares para ocupar o trono. Os portugueses não confiavam nele e foi deposto depois de Dom Manuel Jordão Mani Nsûndi invadir Mbânz’a Kôngo, em 1626. Exilou-se nas ilhas e foi assassinado logo depois, em junho de 1626. Mani Nsûndi apoiou a eleição de Dom Ambrósio Nimi’a Ñkânga a quem ofereceu proteção militar. Durante o seu reinado, houve muita turbulência, desordens e guerras promovidas por conspiradores na Corte. Foi assassinado no início de março de 1631. Seu irmão, Dom Álvaro IV Ñzînga Nimi Ñkuwu, que contava com 21 anos de idade, foi indicado como rei, mas não melhorou a situação sociopolítica. Havia uma alta insegurança na Corte. Foi envenenado cinco anos depois e faleceu em 25 de fevereiro de 1636.

Sucedeu-lhe Dom Pedro Álvaro V Mpânzu’a Mvika, depois de uma batalha com Dom Daniel da Silva do Nsoyo. Com o apoio de Dom Álvaro e Dom Garcia, ganhou e, em compensação, nomeou-os governadores em Mbamba e em Kyowa. O Poder de Mbânz’a Kôngo enfraqueceu-se em relação às regiões distantes. Realçar que, em 1644-1645, Kulêmbe, que reinava em Mbânga, juntou-se com a famosa Jaga Mbûmba Yaka – oriunda de Libolo – e tornaram a região do Sumbe independente do conjunto Kôngo.

Visto que Dom Álvaro gozava de uma popularidade no Mbâmba e Dom Garcia um prestígio alargado em Kyowa, o rei Dom Pedro Álvaro V Mpânzu’a Mvika mandou eliminá-los. Essa conspiração foi descoberta, de modo que D. Álvaro e D. Garcia juntou sinergias contra o rei que foi deposto num golpe de Estado. Daí, Dom Álvaro VI Nimi’a Lukeni (irmão de Dom Garcia Ñlaza Lukeni) foi reconhecido pelo Conselho do reino como novo monarca. Ele optou por abrir escolas, a economia e repor os portugueses na liderança das questões religiosas. Fiel aos portugueses, procurou nos espanhóis apoio militar e logístico para fazer face aos holandeses. Seu irmão Dom Garcia deu-lhe todo o apoio possível, devido à lição aprendida com o rei anterior. Dom Álvaro VI morreu no dia 22 de fevereiro de 1641, depois de 6 anos de reinado com uma paz relativa, necessária e muito comparticipada.

Luanda foi invadida pelos holandeses. Logo depois de Dom Garcia II Ñlaza Lukeni ter assumido o poder, em fevereiro de 1641, este optou por fazer aliança com os novos senhores de Luanda. Com isso, irritou os portugueses. Dom Daniel da Silva Mani Nsoyo, fiel a esses, levantou- se contra Dom Garcia II ao ponto de conseguir a autonomia do Nsoyo. O monarca do Kôngo viu-se impossibilitado de recuperar Luanda e Nsoyo e na Conferência sobre a paz – já depois da expulsão dos holandeses – foi-lhe reduzida a capacidade política de intervir nas regiões meridionais e Nsoyo. Em 1651, os capuchinhos vieram e começou outro conflito religioso, tal como deixa transparecer o italiano Hyacinthe de Vetralla Brugiotti nas suas correspondências. O Papa Alexandre VII enviou- lhe uma carta aconselhando-o a exterminar as práticas pagãs. Dom Garcia II Ñlaza Lukeni morreu em 1660 e sucedeu-lhe Dom António I Vita Ñkânga.

Ao alcançar o trono, esse monarca e os seus apoiantes propagaram o espírito nacionalista em todos os sectores, principalmente na economia e religião. Em todas as regiões onde a cidade-Estado predominava, notou-se a emergência da cidade-aldeia e nasceu a forte ideia de retomar a força da união. Esse fato reforçou a necessidade de retomar o Mbâmba (até além de Luanda). Ora, os portugueses tinham criado as fortalezas (São Miguel, São Pedro da Barra) e começaram por travar várias batalhas infrutíferas em Mbâmba. Daí, as minas de Wându – de onde provinha a força logística, como armas, comida durante a guerra, roupas militares – passaram a ser cobiçadas pelos portugueses. Da resposta do rei, eclodiu a tão falada batalha de Mbwîla. Foi nesta batalha que se desenhou o rumo do declínio no antigo Kôngo.

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