Manuel Kunzika, um nacionalista angolano de grande vulto

 

Emmanuel KUNZIKA nasceu aos 14 de Junho 1925 na aldeia de Kiyanika, povoação de Kintoto (ou Kintó), no município de Maquela do Zombo na Província do Uíje. Fez todos os estudos na República Democrática do Congo, de 1938 a 1963, onde obtém o certificado de Estudos Políticos Sociais. Continuou os estudos nos Estados Unidos da América, nas universidades Nova Iorque e Abraham Lincoln (Filadélfia), de 1963 a 1968, tendo obtido os certificados de Organização e Orientação Escolar e de Professor de Português e Espanhol. Volta ao Congo Democrático e consegue a graduação em Ciências Económicas e Desenvolvimento e em Ciências Político-Administrativas e Jurídicas, de1968 a 1971. Foi na Universidade do Zaire, entre 1970 a 1974, onde consegue o diploma, com a apresentação de uma monografia que agora lança em livro, aumentada com outros documentos e momentos da sua vida política: Vice-Primeiro-Ministro do Governo Revolucionário de Angola no Exílio e Vice-Presidente da FNLA de 1962 a 1974.

Quando decide regressar a Angola, foi no dia 21 de Março de 1976. Foi um sábado, quando chegou a Makela. O comissário mandou preparar o transporte para ele chegar até Uíge. Ele e Dombele Fernando chegaram à capital da província no dia 23 e foram bem recebidos, com a magna notícia de que pela primeira vez o presidente viria a cidade do Uíge. Agostinho Neto visita Uíge no dia 25 de Março deste ano. Chegada a hora, foi posto numa sala de espera e julgava que o comissário já tivesse informado ao presidente da presença do seu retorno ao país. Quando entrou onde estava,

Neto disse: “Bem-vindo, Kunzika”. Comovido, não soube o que dizer ao presidente. Quando lhe segurou a mão, Kunzika respondeu: “Só hoje chego”. Ao que Neto, cordialmente, replicou: “Mais vale tarde do que nunca. Se saísses antes, talvez não tivesses chegado vivo”.

Neto convida-o ao banquete e Kunzika não sabia o que oferecer ao presidente. Decide então oferecer um exemplar da sua monografia. Neto foi a primeira pessoa em solo angolano a tomar contacto com o livro. Um dia depois, 26 de Março, foi o dia de uma grande reunião do Partido. À tarde, o presidente manda avisar Kunzika para que estivesse disposto a acompanha-lo a Luanda. Quando chegam a Luanda, era um dia de arco-íris, um sinal bom para alguém que tinha fé. Neto disse-lhe que já tinha arranjado alguém para acolher Kunzika mas não encontrava esta pessoa. Mas uma outra pessoa, Lúcio Lara, a mando directo de Neto por telefone, preparara um lugar no Hotel Trópico, onde Kunzika viveu por quase um ano.

Depois, o presidente manda chamar Kunzika e é recebido por Lopo do Nascimento, na altura Primeiro-ministro. Foi enviado ao Gabinete do Comércio Interno e um ano depois assume o cargo de diretor-geral adjunto da ENDIMBI, cargo que ocupou até 1996.

Foi ele próprio que pediu a sua aposentadoria, com intuito de gozar todo o seu tempo empenhado em terminar um Dicionário de Provérbios Africanos em Kikongo, traduzidos em francês e inglês. São mil e um provérbios, seguindo a sequência de Mil e Uma Noites, de Ali Babá. O dicionário ganhou grande aceitação junto da massa estudantil e intelectual angolanas, tendo sido apresentado pelo respeitado professor Vato

“Na vida há um princípio da impenemene Kukanda e merecido a prestimosa intervenção no prefácio de Pinda Simão, que num dos pontos diz: “O Dicionário de Provérbios, único no seu formato, contém um manancial de sabedoria que, bem usado, é um instrumento essencial e rico de conhecimento. Posto à disposição das comunidades, das Universidades, Bibliotecas, Centros de Investigação e Escolas, contribuirá, tenho a certeza disso, para o conhecimento da realidade e riqueza da cultura de África e, particularmente, da cultura kongo, ajudando assim a reafirmar a nossa participação na construção dum mundo melhor neste século de mundialização”.

Quando o dicionário sai a público, em 2008, Kunzika encontra finalmente um editor que aceita publicar o livro versado em História e Política angolanas recentes. Kunzika disse logo que não tinha nada a retribuir, senão estas palavras que transcreve-mos: “Um bem feito, nunca é perdido, mesmo que fosse esquecido pelo beneficiado, fica sempre à espera do seu semeador”.

Este livro é uma composição de várias outras obras. Inclui a sua petição que apresentou na 16a Assembleia das Nações Unidas, no dia 24 de Novembro de 1961. E desse dia, lembra que lhe fizeram as seguintes perguntas: “Porquê vocês estão divididos?” e “Se alcançassem a independência, que tipo de contrato manteriam com os portugueses?”. Ao que respondeu:“Na vida há um princípio da impenetrabilidade, que rege que dois corpos sólidos não podem entrar no mesmo lugar na mesma altura, ou seja, querer ocupar a mesma cadeira na mesma altura, e só há uma cadeira da presidência. Em relação aos portugueses, respondeu: “Não estamos a lutar contra os portugueses, mas sim contra o regime. Nós também somos portugueses”.

Depois vão a Londres, ainda neste importante ano de 61, convidados para falarem no parlamento britânico pela defesa dos presos políticos, nos quais constava Agostinho Neto. Falavam em nome da Amnistia Internacional, que tinha organizado este encontro. Recordou:

“Fizemos o encontro com um grupo em Londres, de brancos que nos chamavam irmãos. Lá também encontramos um missionário que passou em Mbanza Kongo e que falava em nome de Angola, mas muito beliscado por ser branco. Quando se apercebe da chagada em Londres da nossa delegação, corre ao hotel buscar-nos e apresenta-nos à mídia londrina como sendo seus irmão negros angolanos que poderão falar com toda a legitimidade”. E assim fizeram, dando entrevistas a órgãos de destaque como a BBC.

Desafiar Salazar

Fora as pretensões académicas, escolheu este título como forma de desafiar/contrariar António Salazar, quando dizia: “Ouve-se gritos lá fora a pedir a independência de Angola, mas Angola é uma criação portuguesa onde não existe uma consciência angolana mas sim portuguesa. Todos de lá são portugueses de Angola”. Convicto de que não podíamos concordar com esta diatribe retrógrada do colonizador português, quis mostrar aos que assim pensavam que já os angolanos tinham na cabeça e no coração o sentido de Nação Angolana, sendo o ideário pátrio o motivo ardente de toda perpetrada luta de libertação nacional.

O mundo virou uma nova página com o fim do regime colonialista, com grande ajuda dos africanos. Como investigador, das vezes que foi a Portugal verificou que Salazar tinha deixado todos os arquivos na Torre do Tombo. É assim que numa dessas visitas encontra um espólio sobre Angola, e ali encontrou um relato da sua apresentação na Organização das Nações Unidas, quando o representante do Congo Brazzaville pergunta ao ministro Alberto Nogueira qual era a sua versão em relação ao que Kunzika defendia. Nogueira respondeu que Kunzika não era angolano mas um estrangeiro, ao que o embaixador congolês eloquentemente replicou: “Entre o colono e o colonizado, quem é o mais estrangeiro em Angola?”. O documentos estavam todos carimbados pela PIDE e interpretados e traduzidos por eles, que para Kunzika, num tom entre a ironia e o gracejo, considerou uma grande ajuda de Portugal para si. Da participação angolana na conferência da Organização Mundial da Juventude, o livro traz também a intervenção de Agostinho Neto, Holden Roberto e a de Kunzika neste dia, onde os três falaram sobre a unidade angolana.

Utopia

Durante o exílio, criou um Instituto Secundário Angolano, com direito a diploma. Nos dias que correm, um dia vai ao ministério das Relações Exteriores e esbarra-se com um senhor que o chamou professor Kunzika e acusando-o como responsável da sua formação. Não o reconheceu, tinha passado muito tempo. Era um dos seus alunos. A formação tinha dados bons frutos. Kunzika esteve presente aquando da criação da OUA, em 25 de Maio de 63, e Hailé Selassié fê-lo chorar quando discursava porque viu naquele dia que a unidade dos povos
africanos era uma utopia possível.

Aliás, naquela fim de tarde na União dos Escritores Angolanos, Kunzika não escondia que nunca morreu nele a utopia de uma nação angolana parida noutro manto que não o da
discórdia entre irmãos, evitando para já a tão sofrida guerra civil e ingerências externas.

Agradeceu a Deus por lhe ter dado este tempo de apresentar o trabalho, um testemunho que deixa aos jovens desta nação pela qual lutou. Morre aos noventa anos aquele que aos 18
anos foi um dos 12 rapazes com os quais Simão Toco fundou o Coro de Kibokolo, em Kinshasa. Morre o homem e ficam as utopias.

Faleceu no dia 12 de Março de 2016, em Luanda.

Via J.A

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