MONA PANZU : « JÁ SUSPENDI MUITA GENTE POR PRÁTICA DE VENDA DE NOTAS »

Por Silvino Fortunato

O primeiro presidente eleito do Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) do Uíge, Mona Panzu, fala, nesta entrevista ao Jornal de Angola, dos principais desafios da instituição durante os cinco anos de mandato, que assentam no ensino, investigação e extensão universitária . E diz que está engajado em combater muitos homens enraizados na instituição, como por exemplo, práticas de corrupção relacionadas com a venda de notas aos estudantes

Que condições dispõe o ISCED para o ensino e para a gestão administrativa?

Nós não gostamos das condições do ensino, das nossas salas e dos nossos laboratórios. Depois da nossa gestão, queremos deixar uma imagem diferente. As salas de aulas não podem continuar como estão. Esse projeto está em curso e quase todas as salas de aulas estão a ter eletro-projetores e computadores. A questão das infra-estruturas não é só na parte dos equipamentos de aulas, mas até na própria acomodação dos estudantes. O ISCED é uma instituição em que quando não há aulas, os estudantes não ficam no ISCED. Quando o professor está na sala estão na sala, quando o professor sai, os alunos também saem. E um estudo rápido feito revela que os estudantes não têm muitos espaços de acomodação, quando não têm aulas não têm onde sentar. Só temos os nossos corredores com dois ou três bancos. Não tem outro espaço para a leitura, para troca de experiências entre colegas, para discussão em grupos, para compartilhar alguns assuntos. Estes espaços fazem muita falta e faz com que dois tempos (minutos) de atraso do professor sejam o suficiente para que este não encontre mais nenhum estudante, por não terem por onde sentar. Por essa razão, concebemos o projeto da criação de espaços para leitura e acomodação dos estudantes e também o apetrechamento dos laboratórios.

O ISCED realizou, no ano passado, as suas primeiras eleições. Mas a vossa eleição contornou apenas com um único concorrente, que foi o senhor. O quê é que se passou?

Não gosto muito da expressão única candidato. Tratou-se de “único candidato admitido” mas houve outros candidatos. Fui o único candidato admitido para o concurso às eleições, por causa da Norma, por causa da Lei. A lei diz que primeiro tem que ser Doutor, depois tem que ser um Doutor que pertence às duas categorias profissionais do topo. Tem de ser ou professor catedrático ou professor associado. O ISCED só tem dois professores catedráticos. Os dois são padres e a religião, parece que há algum interesse pela religião, que não combina muito bem com a chefia e então ficou menos interessado.A categoria a seguir, que é a segunda do topo, onde me encontro, é a de professores associados, que somos quatro.

 Por que nenhuma razão deles concorreu?

Temos um que foi à reforma, o outro é atualmente o presidente do Nzenzo Estrela (Instituto Superior) e a Lei proíbe a quem exercer cargo de chefia e direção nas instituições do ensino superior privadas de concorrer para a gestão de uma unidade do ensino superior público. A não ser que renuncia primeiro ao cargo que exerce lá fora. Aquele candidato não foi admitido por este facto e outros pelo que a Lei impõe. Poderia uma outra candidata que não concorreu. Não se candidatou, provavelmente, por desinteresse. O outro professor associado já constava na minha lista como meu vice. Dois candidatos potenciais já estavam comigo e os demais estavam fora, como o gerente e aquela que se desinteressou. Os demais não podiam concorrer mesmo doutores sendo, porque a categoria também contava, assim como as publicações. Ter publicações científicas nos últimos três anos foi igualmente um orçamento a ter em conta. Se é doutor e não publicou não pode concorrer.

Mas as eleições foram contestadas…

Sim, as eleições foram contestadas, mas depois o processo não teve pernas para andar, porque o Ministério do Ensino Superior refutou as alegações invocadas. As eleições tinham sido convocadas pelo Ministério, através de um despacho da própria ministra e os colegas diziam que o ISCED tinha pressão de realizar a votação, justificando que ainda não estavam reunidas as condições para o efeito. O ISCED realizou a eleição dois meses depois do despacho de convocação do pleito. Mesmo assim eles insistiam que “ainda não havia condições para a realização da eleição” e que tinham sido apanhados de surpresa.

Quais são os principais desafios da instituição?

A nossa aposta está virada para a melhoria do ensino, no incentivo dos docentes a se virarem mais para a investigação assim como dar uma outra dimensão à nossa instituição. Esses três pilares fazem parte dos nossos desafios para os cinco anos do nosso mandato e eventualmente para os desafios fora da nossa gestão, porque não se pode compreender que temos hoje uma instituição do ensino superior onde só se ensina sem investigar. Os alunos aprendem sem investigar. Ensina-se aquilo que vem dos outros e nunca nos traz à tona os resultados da nossa própria investigação científica. Queremos que o ISCED tenha uma palavra, tenha respostas a dar em termos de investigação científica, mostrando soluções para os problemas que afetam a província e o país, na esfera da educação,

E quanto aos próprios professores?

Queremos deixar um ISCED com professores com um nível académico mais elevado em relação aos níveis encontrados. Se continuarmos assim, nunca teremos mestrado em Inglês, em Química, porque não temos PhD. Esse projeto de formação está em curso e neste momento já temos alguns professores fora do país a estudarem e sendo apoiados pela instituição.

O processo de ingresso de novos estudantes gerou inúmeras reclamações e protestos. O que é que aconteceu?

Esse processo foi gerido com muita sabedoria, com muita mestria. Mas reconhecemos que todo o trabalho humano acarreta imperfeições. É difícil que num universo de cem pessoas se consiga controlar o que todas estas pessoas fazem. O nosso processo foi carregado de alguma característica, algumas lacunas, houve erros de lançamento, pessoas com notas negativas que passaram, pessoas com notas positivas que não entraram. Por causa de algumas denúncias e insatisfação de alguns candidatos que se sentiram injustiçados, fez-se um trabalho de inquérito com a IGAE e, em conjunto, tratou-se e detectou-se todas essas falhas e corrigimos os erros.

Qual é a situação neste momento?

Neste momento, todos aqueles que estavam para entrar e não entraram, porque houve uma falha do nosso lado (admitimos estes erros e falhas), entraram. Aqueles que de forma irregular conseguiram entrar, fazendo as suas matrículas, neste momento já se encontram fora. Também houve candidatos que ficaram de fora por expulsão mas também por má leitura do nosso lado ou do lado de quem fez o inquérito, esses também desistiram a fazer outras reclamações e os casos estão a ser reapreciados para entrarem. No fundo, no fundo, são erros humanos que foram cometidos e hoje essas situações estão totalmente ultrapassadas.

Quantos alunos foram apurados neste processo, depois das correções efectuadas fruto das reclamações?

Por causa do que se afirmou, devíamos continuar a fazer as matrículas em atraso durante o mês de dezembro, para acolher aqueles casos que ainda podiam entrar e que ainda não tinham entrado. Até aquele momento, o ISCED tinha cerca de sete mil candidatos, sem contarmos com os que fizeram as matrículas atrasadas por causa das reclamações referidas. Vamos ter muito mais do que foi estimado.

Qual é o número de estudantes finalistas?

Desde o ano passado que está em preparação a cerimónia de outorga de diplomas a 1.254 candidatos. Esse número deve-se ao encerramento de alguns cursos e todos aqueles que andaram relaxados, que desistiram de fazer as defesas, atendendo a extinção dos cursos de Pedagogia e de Psicologia.

 Como é que o ISCED está em termos de laboratórios?

Herdamos um ISCED onde muitos laboratórios funcionavam como laboratórios e salas de aula ao mesmo tempo, o que era muito perigoso. Um laboratório de Química com todos aqueles agentes químicos lá dentro e no outro lado estudantes a estudarem. Também acontece com os laboratórios de Física e de Biologia. Dentro do laboratório não se pode estudar, porque existem muitos produtos e é preciso muita cautela e prudência. Então esta gestão pretende separar as salas de aula dos laboratórios e criar novas condições nestes laboratórios que, praticamente, não têm quase nada, como o laboratório de Geografia que só tem um mapa simples de Angola e do Mundo e ainda por cima em péssimas condições. Então, queremos trabalhar para dar um novo visual aos nossos laboratórios.

Para além da formação de docentes, que outras contribuições o ISCED podem dar para a sociedade?

O ISCED, sendo uma instituição do ensino superior, não pode só ficar na formação de professores. Aliás, no princípio eu falava numa trilogia em que queremos edificar o ISCED que é ensino, investigação e extensão universitária, que é a partilha de conhecimentos dos resultados da investigação científica junto das comunidades. Se o ISCED tem curso de Química, não é só para a formação de professores de Química. Os químicos podem trabalhar para resolver problemas da sociedade com base na ciência. Temos cursos de Biologia, que não se dedicam apenas à formação de professores, mas também para olhar os problemas da sociedade, por exemplo, como questões de saneamento, a gestão do lixo. Então, o ISCED tem de dar essas respostas. Faz parte dos nossos desafios, junte-se ao ensino e investigação a extensão universitária. Levar o conhecimento,

Existem outras áreas de atuação para além dessas que iniciaram?

Há uma outra dimensão do ISCED que é pouco conhecida. O ISCED não é só uma escola de formação de professores. É uma escola de formação de professores e agentes de educação. Um componente agente de educação é pouco explorado. Temos professores, mas nas escolas não atuamos só professores. Há quem trabalhe numa escola, mas não é professor, é um agente de educação. Há quem trabalhe na administração, na gestão de crianças, na elaboração de programas, em questões relacionadas à educação, os inspetores, por exemplo. É desta maneira que o ISCED vai dando respostas.

Já houve intervenção do ISCED na solução de questões que preocupam a sociedade?

Seria imprudente afirmar que ainda não havia feito este tipo de intervenção. O que posso dizer é que esta atuação deve ser institucional. Acredito que os professores do ISCED já fazem este trabalho, mas fazem-no de forma educativa, em nome próprio. O que se pretende é que esta atuação na sociedade seja institucional. Há muitos professores do ISCED que investigam, trabalham ou colaboram, por exemplo, com os ministérios da Agricultura e do Ambiente. Fazem muita coisa nestas e noutras instituições, só que fazem-no em nome próprio, não é o ISCED que vai lá. Nós queremos institucionalizar essas atuações. As atuações feitas de forma singular têm uma abrangência menor. Por falta de recursos, o projeto não é grande e se calhar o investigador não tem muitas condições para desenvolver um projeto de grande envergadura.

Como é que o ISCED publica os resultados da investigação científica dos seus docentes?

Estamos em fase de reformulação do que já existia. Já temos pessoas nomeadas e está em curso o estabelecimento de uma parceria com a Universidade Óscar Ribas, que tem muita experiência em termos de gestão de revistas científicas. Pessoalmente tenho trabalhado com o Reitor daquela instituição para a formação dos nossos técnicos. Depois desta formação vamos criar uma revista. A intenção é criarmos uma revista que não terá o mesmo nome, “Ngindu za nlongi”, que existia aqui, mas será uma revista para publicação de investigação dos professores, as melhores monografias defendidas pelos estudantes do ISCED a nível de mestrado e licenciatura. monografias defendidas pelos alunos com muito mérito serão retrabalhadas para saírem em forma de artigos Vamos publicar livros individuais e colectivos dos professores do ISCED, através da seção criada recentemente. Temos aqui de destacar uma coisa, em termos de divulgação científica: não é muito ético que na revista do ISCED se publiquem obras dos professores do ISCED, porque retira algum mérito.

Como assim?

Se os professores da instituição publicam, por excesso, na revista da mesma instituição, é reduzir o rigor na arte dos artigos patenteados. O que se aconselha é que na revista do ISCED não haja muitos professores da instituição a publicar nela, porque os que trabalham dentro da editora são colegas, que podem fazer passar até artigos sem grande qualidade, mas simplesmente com a finalidade de dar alguma visibilidade a um colega, que tenha feito um trabalho, às vezes, de péssima qualidade. Mas como temos parcerias com outras instituições, os nossos vão lá e os de lá virão aqui publicar, para dar maior crédito à revista da nossa instituição. Isso não quer dizer que os professores do ISCED não vão publicar. O que queremos é prevenir o excesso de publicações internas.

A nossa aposta é melhorar o ensino, a investigação e a extensão universitária”

O senhor foi eleito o primeiro presidente do ISCED, embora tenha estado à frente da sua direcção de forma interina por alguns anos. Que compromisso assumiu perante a comunidade académica desta instituição?

A nossa gestão pretende trazer muitas novidades em muitos domínios da gestão. Estamos a lutar para dar corpo a um projecto que se destina a munir todas as salas com um computador dentro e também um electro-projector fixo, para que o professor não continue a dar aulas, usando técnicas tradicionais, mas que funcione, também, com o recurso às novas tecnologias.

Que quadros tem o primeiro presidente do ISCED para fazer face aos problemas que vem enumerando, sobretudo na actividade docente?

Temos um ISCED onde a classe dos licenciados é a maioria e não podemos deixar uma instituição do Ensino Superior com 80 por cento de professores licenciados. Por isso, já estamos a investir na formação de professores a nível do Mestrado e Doutoramento, através da criação de um plano de formação docente. Temos cursos onde não há nenhum professor doutor, como os cursos de Geografia, de Física e de Inglês onde ninguém é PhD. Isto preocupa- nos, por ser uma instituição vocacionada à formação de licenciados, mestres e doutores

 Pode fazer uma descrição da situação geral do ISCED relativamente aos desafios da instituição que dirige?

O ISCED é a primeira instituição do Ensino Superior na província do Uíge, criada em 1997. O nosso estabelecimento de ensino continua a ser ainda a escola mais privilegiada em termos de formação de professores a nível superior. Hoje, é um instituto que entrou numa fase de democratização do Ensino Superior, desde os anos passados, mas que viu o seu ponto mais alto a efectivar-se no mês de Abril de 2022, com a realização das suas primeiras eleições. Antigamente, os directores-gerais eram nomeados por Despacho do Ministério. Agora temos um ISCED em que o gestor máximo já não é nomeado, mas eleito. Quanto à nossa gestão, fomos eleitos em Abril do ano passado e, desde então, estamos a “militar” por um ISCED que conjugue entre o ensino, investigação e extensão universitária. Desde cedo percebemos que herdamos um ISCED onde as práticas do ensino ficaram muito tempo desassociadas das práticas de investigação científica e por conseguinte com a extensão universitária.

 O ISCED experimentou e consumou dois cursos de Mestrado e depois parou. Não existem condições para continuar ou terão outras ideias?

A formação a nível de Mestrado não pode parar. Até porque faz parte da finalidade do ISCED, que por natureza é um instituto superior universitário, o que quer dizer que tem a competência de formar os licenciados, mestres e doutores. As duas edições que tivemos aqui de Psicologia Escolar e Pedagogia não deram sequência até aqui por causa de algumas mudanças que ocorrem a nível do próprio país. Hoje, pretende-se um curso de Mestrado que tenha ligação com o curso de Licenciatura. O que está em carteira neste momento é o curso de mestrado em Ensino de Língua Portuguesa e Mestrado em Educação Primária. Por isso, no próximo ano, se tudo der certo, teremos Mestrados em Ensino de Língua Portuguesa, em Educação Primária e também em ensino de Línguas e Culturas Africanas.

 Disse que contam, neste momento, com 13 cursos e, no próximo ano académico, terão apenas 12. Cai um curso?

Sim, pelo menos já saíram os cursos de Psicologia e Pedagogia e no próximo ano sai totalmente o curso de Filosofia. Neste momento, a Filosofia está em fase de descontinuidade. O nosso mercado pouco precisa de professores de Filosofia, actualmente. Por isso, não queremos continuar a formar para o desemprego. Temos de formar para que amanhã os formados encontrem emprego.

 Qual é o número de estudantes que se encontram em fase de saída, ou seja, os do quarto ano e os que se encontram na fase de produção de monografia de fim de curso?

Anualmente, o ISCED forma entre 700 a mil licenciados por ano. Esse número parece estático mas dificilmente temos menos de 700 estudantes que obtêm a Licenciatura e também dificilmente chegamos a 1500. Agora, com a saída dos cursos de Psicologia e Pedagogia, o número de licenciados aumentou. Isso aumentou o número de licenciados candidatos à saída.

Tem havido um défice quanto à publicitação dos trabalhos de investigação, através de revistas ou outras publicações especializadas. O que tem o senhor presidente a dizer sobre esse assunto? O ISCED não pode ter uma revista que possibilite que os resultados destas investigações científicas sejam publicadas?

Sim. Neste momento o ISCED já criou uma secção de edição e divulgação científica. Essa secção apareceu através do novo estatuto que temos hoje no ISCED. Já tivemos aqui uma revista que se chamava “Ngindu za Nlongi” (Pensamento dos Professores). Os professores do ISCED vão publicar sim, mas queremos fazê-lo com muito rigor. Nesta revista poucos professores estarão a publicar.

 Pouco a pouco vão sendo ouvidas preocupações para o estabelecimento de núcleos das universidades em municípios, o ISCED tem alguns projectos neste sentido?

A criação de núcleos é problema do Ministério de tutela. O ISCED nem pode ter esse interesse porque não faz parte dos seus objectivos, porque teremos de colocar lá professores e nós não pagamos professores. Quem paga o professor é o Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação. Temos que criar salas e o ISCED não constrói, quem constrói é o Governo.

Breve perfil

O professor associado Mona Panzo, de 43 anos, é doutorado em Ciências da Linguagem–Linguística, pela Universidade “Franche-Comte (Besançon/França)”, depois de ter obtido o mestrado, em Didáctica de Francês, numa parceria entre o ISCED/Luanda e a Universidade  Franche-Comte, uma Pós-Graduação pela Universidade Aberta de Portugal e Licenciatura em Ciências da Educação, na opção de Didáctica  pela Universidade Agostinho Neto (ISCED).

Depois da sua primeira formação superior Mona Panzo se dedica, desde o ano de 2009, à docência, leccionando e investigando na vertente da Ciência da Linguagem, nas áreas da Didáctica de Línguas, da Sociolinguística e Dialectologia, da Didáctica das Línguas e Linguística Aplicada ao ensino da Língua Portuguesa, esta última desde 2018.

O mesmo fala e escreve fluentemente as línguas portuguesa, francesa, inglesa e Kikongo.

Via JA

Comentário

Seja o primeiro a comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*


Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.