
Por Sebastião Kupessa
De todas forças libertadoras de Angola do regime colonial, o Exército de Libertação Nacional de Angola – ELNA, em sigla – é a menos que se refere na história da luta de libertação de Angola, também é a mais que se denigre nos primeiros anos da independência depois da humilhação sofrida na Batalha do Kifangondo, na tentativa de colocar a sua ala política FNLA no poder em Luanda. Esta batalha desenrolou-se, um dia antes da proclamação da independência, precisamente no dia 10 de novembro de 1975.
Hoje não restam dúvidas, a guerra colonial foi uma das principais razões do derrube do regime dictatorial que reinava em Portugal. Dias depois do 25 de Abril, o ELNA declara-se vitorioso da guerra colonial, graças a sua guerrilha iniciada em 15 de março de 1961 e o processo para independência era irreversível. As declarações do ELNA coincide com o desejo dos militares golpistas de cessar as hostilidades em Angola sobretudo de certos políticos como Mário Soares que desejavam o regresso rápido para Portugal dos militares engajados na guerra colonial para não ser esmagados pela guerrilha angolana. Apesar dos fracos resultados no terreno, a guerrilha angolana era responsável pela morte de dezenas militares portugueses anualmente, o choque psicológico provocado na metrópole e o peso no orçamento para sustento da guerra estavam, entre as razões, da mudança do regime. Isto foi considerado como victória para os guerrilheiros angolanos.
Incorporado hoje nas FAA, em conjunto com outros dois « parceiros » no objectivo comum de libertação de Angola, o ELNA foi o exército libertador mais radical que se ilustrou ao longo dos quase 14 anos que durou a luta, tendo sido o único que procedeu a troca de prisioneiros no momentos das assinaturas de acordos de cessar-fogo, com o exército colonial, ocorridas no mês de outubro de 1974.
Desde a data da sua fundação até nos meados de 1981, o seu comandante em chefe foi Holden Roberto, depois mudou-se de apelido para COMIRA ( Comité Militar de Resistência de Angola ), antes de ser incorporado nas FAPLA, em 1983, sem o consentimento do seu líder, confirmando a ruptura com a sua ala política, a FNLA, que desde sempre, as relações entre as alas política e militar, nunca foram totalmente cordiais, o que veremos mais tarde.
As razões da sua existência são anteriores à data da sua fundação, em 1962. É impossível falar do ELNA, sem se referir às acções militares da UPA, um dos componentes da FNLA, em 1961. A UPA surgiu nas cinzas de um pequeno grupo denominado Filhos do Kongo « Esikongo em kikongo », de confissão protestante, que se transformou em UPNA – União das Populações do Norte de Angola em 1954. Como é tratada, de forma errada, comparando com a configuração nacional actual de Angola, as razões que originaram a UPNA não foram étnicas nem tribais. A UPNA surgiu de forma fortuíta.
Porque o que faz o português, o africano não pode fazer?
É com base na pergunta que vai nascer um dos grupos mais aguerridos na luta para libertar Angola. Com efeito, Barros Nekaka, encontrava-se em Lisboa, 1940, em estágio de aperfeiçoamento da sua profissão quando foi contactado pelo rei do Kongo, Pedro VII, igualmente em visita na metrópole do Império Lusitano para ser intérprete nas conversações com as autoridades coloniais. O rei do Kongo pede a construção das ruas, escolas e outras infraestruturas, o governo português impõe a condição de fornecimento voluntário de mão de obra para as plantações de Cabinda e de São Tomé, razão que tinha originado a revolta de Tulante Mbuta em 1912. O rei recusa, obviamente, as condições do governo colonial. Nekaka sugere ao rei de solicitar a diáspora angolana no Congo Belga, para angariar fundos com vista a construir a infraestrutura no Kongo-angolano, porque “os africanos podiam muito bem, segundo a sua visão, fazer o que o colono faz”. Em 1941 é enviado para o Congo Belga com este objectivo. Nekaka tenta reunir angolanos ali residentes, funda em 1947, a SAE (Sociedade dos Angolanos no Exílio) segundo Rocha Nefuani, funcionário do GRAE em Leopoldville. O projecto do Nekaka teve pouca adesão.
Em 1954, as autoridades portuguesas vão propôr o Rei Dom Manuel para substituir o Rei Pedro VII, falecido por motivos da doença, rejeitando a candidatura de Eduardo Pinnock, por razões que residia fora de Angola e era da confissão protestante. Pinnock, acompanhado do seu secretário pessoal, Borralho Lulendo, regressa a Matadi onde residia, contacta o grupo dos Filhos do Kongo (Besikongo) para se fazer eleger rei do Kongo pelos africanos em lugar dos portugueses, porque o “branco não pode escolher um rei para nós“. No entanto, Pinnock foi aconselhado contactar o Nekaka que residia com o seu grupo em Leopoldville, Nekaka aceita o desafio, criando uma plataforma dos bakongo de Angola, que eles chamam de povos do norte de Angola, assim nasce aos 07 de julho de 1954 a UPNA (União das Populações do Norte de Angola). A UPNA, o embrião da UPA nasceu com objectivo de substituir as autoridades coloniais na escolha do rei do Kongo, e não da separação do Kongo português de Angola, como se percebe actualmente.
Recordamos que o governo português nomeava ou apoiava as eleições dos reis do Kongo, o dia que os africanos reclamam o fazer, são tratados de regionalistas e tribalistas.
A Fundação da UPA.
Passados 4 anos, os membros fundadores da UPNA, precisavam de inovar quando ao seu objectivo principal, visto que a administração colonial em Angola abandonou a ideia de eleger um novo Rei do Kongo, devido a morte prematura e misteriosa do seu candidato, o Rei Manuel, juntando a isso, suspições independentistas de certos candidatos. O cargo ficou vago, até hoje.
O presidente da UPNA, Barros Manuel Sidney Nekaka, estava a ser contestado por uma ala apoiante do Pinnock que desejava ser aclamado Rei do Kongo pelos africanos, em oposição do regime colonial. Mas o Nekaka com a sua visâo mais ampla, vai propôr uma plataforma de todos bakongo, sejam eles de Angola, Congo-Belga e de Congo-Brazzaville. Como a junção de todos bakongo demorava a se realizar, Pinnock exige a demissão do presidente da UPNA, mas como foi uma pessoa carismática e gozava de uma forte popularidade no seio da comunidade dos angolanos no Congo Belga, não foi fácil afastá-lo no seu cargo, para o acomodar, propuseram o seu sobrinho, o filho da sua irmã maior, Holden Roberto. Nekaka apoia a ideia de ser substituído pelo sobrinho, visto que segundo a tradição Kongo, a sucessão efectua-se, de tio ao sobrinho, esperando o controlar e influenciar nas suas decisões. Praticamente a sucessão ficou nula e sem efeito.
Alguns membros apresentam um outro candidato, de nome Jorge Freitas, um bancário. Logicamente, beneficiando do apoio da maioria dos membros fundadores da UPNA, em que tinha relações familiares, Holden Roberto ganha a eleição, com uma maioria confortante. Jorge Freitas derrotado vai ingressar mais tarde no MPLA e entra no Comité Director no mesmo dia que entra Deolinda Rodrigues, em meados de 1962.
A UPNA vai financiar a viagem de Holden Roberto para primeira Conferência dos Povos Africanos, que se realiza em Accra, de 5 a 13 de Dezembro de 1958, onde foi aconselhado de estender a sua luta no conjunto do território angolano, visto que as fronteiras herdadas do colonialismo, seriam consideradas pelos africanos. Holden fundou a UPA em Accra em 1958, um ano depois viaja até Brazzaville, onde se encontra com a maioria dos membros da UPNA, explicando as razões da transformação e os exortou a preparar-se para uma verdadeira luta pela independência de todo território nacional. Holden volta para Accra onde vai passar, dois anos, alternando com Conacri, na Guiné, onde faz parte da sua representação na ONU, em Nova York.
Apesar das hesitações de Barros Nekaka, a ala restauracionista colabora com os nacionalistas encabeçados por Eduardo Pinnock, iniciando a mobilização dos angolanos na sua totalidade para a independência de Angola. As primeiras actividades da UPA no interior de Angola vão se realizar em outubro de 1959 nas vilas do Noqui, São Salvador, Bembe e Maquela que consistia na distribuição e colar nas paredes e outros objectos fixos propagandas escrtidas em kikongo, umbundu, kimbundu, tchokwe, português, francês e inglês.
Regressando a Leopoldville, em 1960, Álvaro Holden Roberto é eleito presidente da UPA, por unanimidade, lançando um apelo a todos angolanos de todas etnias, de todas as raças, para juntar-se a UPA que visa libertar Angola da dominação portuguesa.
No entanto, a sua decisão de afastar na direcção da UPA, da maioria membros fundadores da UPNA ( menos o Eduardo Pinnock, pai, que participou mais tarde na fundação da FNLA, em 1962), vai provocar a fúria do próprio tio, Barros Nekaka e de ABAKO (Associação de Bakongo), no poder no Congo-Belga, que corta a ajuda financeira a UPA. Todavia, Holden Roberto vai apropriar-se dos fundos provenientes da contribuição dos refugiados angolanos no Congo, para sobreviver.
A UPA será nacionalizada, integrando todos angolanos no seu seio. Assim, já em 1961, Jonas Malheiro Savimbi, Jorge Valentim, Rosário Neto, Manuel das Neves, Liahuca, João Baptista Traves, Pio Amaral Gourgel, entre outros, faziam parte, como membros da organização independentista angolana.
Início da Luta armada
No Congo-Belga, as autoridades coloniais interditam, já nos anos 50, organizações e manifestações de carácter político, mas autoriza organizações culturais. Muitas organizações regionalistas surgiram, entre as quais ABAKO, (Associação dos Bakongo) que tinha como objectivo principal a preservação da língua kikongo, contava entre membros e doadores importantes, a comunidade de angolanos refugiados no Congo. Mingiedi Mbala, um comerciante e membro de ABAKO, originário de Angola, é co-organizador de um jogo desportivo entre equipas rivais de Leopoldville no campo de YMCA, no dia 4 de janeiro de 1959, convida o presidente do seu partido, Joseph Kasavubu para pronunciar um discurso antes do jogo, este galvaniza a assistência, reclamando independência (Kimpwanza) imediata. O Jogo não terminou bem, a arbitragem comete um erro que obriga os adeptos a invadir o campo. Eufóricos, os fanáticos de ambas equipas penetram na chamada cité, com gritos de kimpwanza, destroem casas habitadas pelos brancos e infraestruturas coloniais, os angolanos vão se destacar destruindo lojas dos portugueses. A pilhagem durou dias, a força pública conseguiu impor a tranquilidade com prisão da maioria de membros da ABAKO e centenas de angolanos foram expulsos para Angola. Kasavubu será preso, para a sua libertação, os angolanos, através de uma colecta de fundos organizada por Miguel (Mingiedi) Mbala, consegue o equivalente de $10 mil que permitiu a contratação de um advogado belga, obtendo a sua soltura semanas depois, segundo o pesquisador congolês Franklin Mohko. Assim os angolanos participaram activamente na independência do Congo-Leopoldville ( ver: Viriato da Cruz: – “A contribuição dos Bakongo de Angola na independência do Congo Belga”.).
A revolta de 4 de janeiro de 1959 obrigou o Reino da Bélgica a largar a sua colónia, entregando a independência no dia 30 de junho de 1960, esta experiência vai inspirar angolanos que vão também optar pela violência como forma de reclamar a independência. Os angolanos expulsos do Congo, avançados nas ideias da independência, vão consciencializar o resto dos angolanos nas zonas perto de fronteiras. o que que vai acontecer ao longo dos anos 1959, 60 e finalmente 1961.
Segundo General Silva Cardoso, no seu livro “Angola anatomia de uma tragédia”, os angolanos expulsos do Congo Belga foram responsáveis pelas revoltas de 1961, iniciando com a guerra em Angola. Na região Baixa de Kassanje, os trabalhadores de algodão de uma empresa belga, vão escolher a mesma data, 4 de janeiro de 1961, para reclamar a melhoria das condições destruindo as plantações, inspirando-se em Lumumba, Pinnock e Maria, nome de um movimento religioso. O seu líder, António Mariano, foi adepto declarado de kimbanguismo. O nacionalista Augusto Kiala Mbengi, numa entrevista realizada por jornalista Salas Neto, se atribui a liderança do 4 de fevereiro de 1961, por ser ele o kimbandeiro, responsável do baptismo místico que realizou a todos participantes algures em Cacuaco antes do dia marcado. Mbengi foi um dos nacionalistas expulsos do Congo. Holden Roberto, certamente no centro desta turbulência, aproveita o descontentamento dos angolanos contra colonialismo, organiza a maior revolta de todas, a de 15 de março, cuja a execução no terreno não dependeu dele, o povo se encarregou, segundo os seus dizeres num documentário-vídeo “a guerra colonial” de Joaquim Furtado, ultrapassando a expectativa chegando perder o seu controlo.
Com as revoltas de 1961, Holden Roberto encarnou a resistência angolana, tal como a aconteceu no Congo Belga, país onde cresceu, esperava a mesma reacção dos Belgas para Portugal deixar Angola, é o contrário que acontece, os portugueses vão resistir, com a exortação do ditador português António Salazar „…para Angola já e em força“.
A criação do ELNA
A independência do Congo-Belga foi contagiosa para Angola, no seio da UPA notava-se que a opção da guerra era a única via para libertação, graças aos conselhos de Franz Fanon e de Habib Bourguiba. Recrutou-se no seio da comunidade angolana residente no Congo-Belga, os primeiros combatentes que foram treinados pelos contingentes tunisinos integrados nas forças das Nações Unidas que mais tarde foram introduzidos para Angola e colocados em várias áreas onde levaram a desenvolver acções da guerrilha. Outros guerrilheiros foram desertores do exército colonial.
Assim foram nomeados para a região de Kuimba até São Salvador, o comandante Kufika. A área operacional de Fazenda Primavera até Kaluka foi confiada aos comandantes Delapante Samuel e Gonçalves. Os Comandantes Pedro Mabwatu, João Ngingi, Concacera, Lebo Manuel Ngonga „Kalunga“ e Joaquim Ndongo lhes foram confiadas as regiões do Noqui até Soyo. As regiões do Nambuangongo, Kikabu, Úcua, Barra do Dande, Mabubas, foram colocadas sob responsabilidades de Mpanzu Ngolo Lima “Assassino”, Gonçalves Silva Margoso “Wafwakala”, Adão Kissonde, Manuel Efenso, Pascoal Mapanji de Andrade, Gingongo, Kiambaxi, Domingos Hungo, Dias dos Santos, Manuel Sebastião Júnior, Manuel Domingos Kituanga, Ngonga Mukage, Adão Pascoal Garcia, João Pedro júnior e Pascoal Júnior, como narra Pungula Fernando Manuel no livro sobre “História Militar de Angola” – editado na Mayamba”.
No interior de Angola, realizou-se na região de Ambuila, uma reunião onde participaram mais 3000 delegados da UPA no dia 10 de março, presidida pelos delegados políticos Pedro Vida Garcia, Manuel Bernardo e Pedro Garcia Rodrigues. Esses foram os delegados políticos da revolta do 15 de março na região dos Dembos entre as actuais províncias do Uíge, Bengo e Kwanza Norte.
A revolta de 15 de março foi confiada ao comandante António Ninganesa e ao delegado político Frederico Daves secundado por comandante Domingos Manuel Cosme teve a responsabilidade de iniciar as hostilidade no dia em que a “filha do senhor Nogueira iria casar”.
Com o 15 de março de 1961 a UPA não atingiu o seu objectivo principal, a saber independência de Angola naquele ano, mas surpreende a administração colonial pelo nível da violência, da coordenação e da sua organização ao ponto de chegar a proclamar a República Socialista de Angola em Nambuangongo. Sem dúvida a UPA constitui-se um movimento activo na libertação de Angola e a maior ameaça à soberania portuguesa, em todo seu império. O ditador português, António Salazar, responde com força enviando um contingente militar importante para recuperar os territórios ocupados.
Superior em armamento e tecnologia, a máquina militar (soldatesca na linguagem da UPA) colonial vai usar todos meios em sua disposição para desalojar os maquisards da UPA nas zonas ocupadas, desde a infantaria motorizada até aviões chegando usar, segundo muitas fontes, bombas de Napalm: Montou a operação denominada “Viriato“ para recuperar a República proclamada em Nambuangongo. A recuperação dos territórios ocupados pela UPA aconteceu com combates violentos.
Passada a fase da revolta de 1961, a UPA preparou-se para uma longa luta de guerrilha adaptando-se às circunstâncias do momento. Muitos comandantes que participaram na insurreição de 15 de Março, aparecem em Leopoldville reclamando apoio logístico e armas para continuar com a luta. Assim Holden Roberto auto-proclama-se, logicamente, comandante em chefe do braço guerrilheiro da UPA, e constituiu o estado maior comandado por Marco Kasanga (um ngangela) em Leopoldville, o território do norte de Angola foi dividido em 40 sectores cada um com o seu comandante, a responsabilidade foi confiada ao comandante João Baptista Traves, um cuanhama de Cunene, um antigo alferes da tropa colonial, este tinha o seu posto do comando na Serra de Kanda/Kuimba na província do Zaire.
No entanto, a UPA vai viver a sua primeira crise, o comandante João Baptista Traves é morto em combate, segundo o comunicado emitido pela UPA no princípio de 1962. O chefe de estado maior da UPA, Kassanga não acredita versão oficial da UPA, acusa publicamente Holden Roberto ser autor do assassinato e associa a este acto triste, a morte de 8 mil guerrilheriros e demitiu-se. A UPA sai bem enfraquecida por este triste episódio. Segundo W.S. Van der Waals, no seu livro „Guerra e paz. Portugal e Angola, 1961-174“, os portugueses não perderam tempo e exploraram esta desunião nas fileiras revolucionárias.
Com este abalo, Holden aproxima-se do PDA (Partido Democrático de Angola) de Manuel Kunzika, promovendo uma fusão com a UPA, criando a FNLA, no dia 27 de março de 1962 e em 5 de abril do mesmo ano é constituído o GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exílio).
No ponto de vista político-militar no interior de Angola, precisava-se uma dinâmica para desenvolver a luta armada no sentido de a expandir por todo território nacional. Com a formação da FNLA/GRAE surgiu a necessidade de actualizar as forças guerrilheiras revolucionárias, assim foi criado no dia 16 de Agosto de 1962 o ELNA (o Exército de Libertação Nacional de Angola). O ELNA vai instalar-se na Base de Kinkuzu, criada no dia 20 de março de 1962, por Cyrille Adoula, então Primeiro-Ministro do governo congolês. A instalação do ELNA no Kinkuzu foi decidida depois do regresso do primeiro grupo que foi formado na Argélia. Todos foram promovidos ao grau de “oficial“. Kinkuzu localizou-se há escassos Km de Angola perto da vila de Thysville (hoje Mbanza Ngungu).
Durante a guerra de libertação, o Kinkuzu constituiu-se na mais importante base militar da FNLA e não só como também de toda história da guerra da luta de libertação de Angola, onde foram formados os efectivos angolanos, como também do Zimbabwe, Namíbia e África do Sul. E tinha um importante arsenal com armas checas e americanas, como J. P. Ganga enumerou algumas no seu livro “Holden Roberto”. Pai do Nacionalismo angolano“ em: morteiros 81 e 60 milímetros com bastantes granadas; Metralhadoras grandes com fitas métricas , pistolas-metralhadoras com carregadores; Pistolas automáticas; armas de marca „Mausers“ americanas, belgas e alemães; Amas FN e FM; Armas Gni Fildes; Metralhadoras Thomsons americanas Granadas defensivas americanas; Minas anti.Carros e anti-pessoal; Explosivos TNT; cordão detonante; Cordão mecha lenta; detonadores pirotécnicos; Detonadores eléctricos e munições diversas em grande quantidades, etc.
A Organização do ELNA
O ELNA possuía bases importantes fora do território de Angola, instaladas no Congo-Kinshasa bem próximas da fronteira. As bases de Kinkuzu, Kasongo- Lunda, de Kinzamba, Mukaka e Nzilu possuía cada de um centro de instrução e serviram igualmente de retaguarda segura dos guerrilheiros em operações da guerrilha no interior de Angola.
Com a formação do Estado Maior do ELNA, as acções da guerrilha intensificaram-se, unidades da guerrilha compostas de 10 elementos empreendiam atividades militares que incluíam emboscadas, sabotagens e colocação de algumas minas. No sentido global, o ELNA nunca ocupou um posto administrativo de maneira permanente, mas conseguiu infligir golpes decisivos. As acções da guerrilhas mais notícias se realizaram na região dos Dembos, nas margens do rio Mbridge, nas serras de Kanda, Mucada, do Uíge; Bembe, Nova Caipemba (Ambuila), Luvo, Songo, Bessa Monteiro e Tomboco. Às vezes notava-se batalhas intensas onde o ELNA conseguia capturar prisioneiros e levá-los nas suas bases instaladas na RDC. Alguns dos generais portugueses conheceram baptismo de fogo em confronto directo com guerrilheiros do ELNA, basta citar, Otelo de Carvalho, Melo Antunes, Rosa Coutinho (feito prisioneiro), António Spínola, Melo Antunes, Silva Cardoso e tantos outros, mais tarde tiveram promoções importantantes no comando do aparelho militar e de estado português.
Numa conferência da imprensa, no final de 1963, Holden Roberto chega reivindicar 10 mil homens armados em Angola, muitos candidatos a serem alistados nas fileiras do ELNA e afirma ainda ter morto em combate mais de 2 mil militares portugueses, apesar este número ser contestado pelo regime colonial que avançou o número de 617, entre 1961 e 63. Claro, Holden não fazia diferença entre militares e civis portugueses e angolanos armados para defender a causa colonial.
A crise entre o GRAE e o ELNA
Todavia, apesar do prestígio adquirido pela FNLA na luta de libertação de Angola desde 1961, graças ao apoio dos governos de Lumumba, Íleo e sobretudo do Cyrille Adoula. Moisés Tshombe, presidente da efémera secessionista República de Katanga é nomeado Primeiro-Ministro da RDC pelo presidente Kasavubu, em 1964. Tshombe, amigo dos portugueses, decide dificultar as actividades dos guerrilheiros angolanos. As defecções do chefe de estado maior do ELNA, Kassanga, que vai aliar-se ao André Kassinda e Mendonça Bolombo, líderes da LGTA (Liga Geral dos Trabalhadores de Angola) em 1962, para formar outra Frente para libertar Angola. Outro chefe de estado maior, José Soma Kalundongo, abandonou o seu posto para seguir o grupo do Savimbi, Valentim, Liahuca enfraqueceu muito ELNA que vivia momentos difíceis. Alguns comandantes tomavam iniciativa privada sem se referir ao comando central em Leopoldville. O ELNA vivia uma crise profunda.
Tshombe e Kasavubu foram depostos pelo comandante do ANC ( Exército Nacional Congolês), no dia 24 de novembro de 1965, Joseph Désiré Mobutu que decide apoiar Holden Roberto, que admirava muito. Mas Mobutu e o seu governo apesar do apoio declarado à FNLA, foi corrupto chegando a desviar a maioria parte ajuda da FNLA que recebia dos países estrangeiros amigos, Holden não conseguia gerir a logística da guerrilha em Kinkuzu, com 9 mil guerrilheiros onde reinava fome, os feridos da guerra não eram tratados bem, faltava armas e munições. Isso provocou o descontentamento e debilitou o ELNA que nunca recuperou totalmente até outubro de 1974, o mês da cessão de fogo com exército portugês.
A situação explosiva que o Kinkuzu vivia obriga Holden remodelar o ELNA criando um ministério da Guerra no GRAE, com ministro e um secretário de estado com poder de administrar directamente a gestão do exército da libertação que era composta de trabalhadores e camponeses engajados na luta de libertação nacional. Fernando Pio Amaral Gourgel será nomeado para ocupar este importante cargo. O estado maior será renovado dirigido pelo próprio comandante em chefe, coadjuvado por um Conselho de Estado-Maior e um Corpo de Estado-Maior.
O ministério da guerra designava os comandantes para o Conselho do EstadoMaior, estes tinham a missão de estudar as medidas tomadas e discutir métodos de luta. Deste Conselho fazia parte 13 comandantes e 4 representantes do ministério da guerra que ocupavam os seguintes cargos: membros do Corpo de Estado Maior; Comandante do Regimento de Angola; Comandante da Zona de Cabinda, Comandante da Zona de Kasongo-Lunda; Comandante da Zona de Tshikapa, Comandante da Zona de Katanga; Comandante da Zona da Zâmbia; Dois delegados de guerra e dois Técnicos militares nomeados pelo Ministério da Guerra.
O Corpo de Estado-Maior era o órgão que executava na conta do exército decisões estratégicas do Ministério do GRAE e era constituído de Comandanteem-chefe; Chefe de Estado Maior; Subchefe do Estado-Maior; Chefe das Operações; Comissário Político; Chefe da Informação de Exército e do Chefe da Segurança.
Essa remodelação do GRAE tinha objectivo de melhor controlar o ELNA, que já mostrava sinais de rebelião. Essa medida renovadora permitiu ao chefe de Estado Maior, em 1968, Eugênio Jaime António Augusto de elaborar um plano de acçâo que constitui se a desenvolver a guerra revolucionária no interior de Angola cuja a execução foi adiada por causa da persistência das razões elucidadas anteriormente.
Foi neste período que o ELNA realizou uma série de ataques com sucesso no eixo Bembe-Bessa Monteiros. Com efeito, no dia 17 de Janeiro de 1969, guerrilheiros da FNLA sob comando do lendário comandante Pedro Afamado organizam uma emboscada, na via Toto-Vale de Loge, depois de meia hora de intenso tiroteio, destruíram uma coluna de carros, com 29 mortos (17 mortos segundo a versão do regime colonial), 8 feridos e captura 3 prisioneiros das forças portuguesas ( Hélder, Víctor Manuel Severino e Joaquim Alberto Jorge Franco) e apreensão de 17 espingardas FN, um emissor/receptor AN/PRC-9 e muitos outros troféus de guerra. As façanhas dos guerrilheiros angolanos, vão merecer referências do poeta português Reis Ventura no seu livro “Sangue no capim” – Fernando Pereira, Lisboa, 1981 e sobretudo do Melo Antunes, nas suas poesias sobre a guerra colonial.
A crise entre as alas militar e política do GRAE agudizou-se novo em 1971, Holden foi convocado várias vezes para encontrar soluções para abrandar a crise, com a miséria que os guerrilheiros viviam nas suas bases, com sucesso do exêrcito português com seu sistema de quadralhimento ao longa da fronteira tornou a infiltração dos guerrilheiros quase impossível.
O comandante Pedro Matumona, antigo guerrilheiro do MPLA em Cabinda, nacionalista oruindo do PDA, assume a rebelião dos oficiais em Kinkuzu, afasta Holden Roberdo como comandante do ELNA e obriga os políticos em Leopoldville para escolher outro dirigente. Nesta crise, os oficiais só ELNA no Kinkuzu vão rejeitar as mediações do Barros Nekaka, Eduardo Pinnock(Pai) e de Kunzika que, respectivamente, recusam substituir Holden Roberto mas solidarizam-se com oficiais revoltados. Holden pede ajuda ao Mobutu para recuperar a situação, mas como era militar e respeitava os guerrilheiros na luta colonial no continente, opta pela prudência, manda o capitão-General Bumba Mowaso para servir de mediador, o helicóptero que levava oficial máximo das FAZ (Força Armadas Zairenses) foi alvejado ao tentar aterrar na base de Kinkuzu, foi um erro grave, é quase declaração da guerra, Mobutu autoriza a brigada mecanizada de Mbanza Ngungu, comandada por general Babia. Holden foi admoestado que se houver um único morto entre os efectivos zairense, a base lhe seria confiscada e entre ao „Docteur Neto“ e para desencorajar os amotinados, os activistas do MPR (partido no poder), organizam comícios nos comunas habitadas pelos angolanos que serão expulsos brevemente se os militares de kinkuzu matar um único zairense. Esta medida chegou aos ouvidos dos oficiais do ELNA através das ondas de la “Voix du Zaïre“, a rádio oficial do Zaire.
No dia da investida das tropas do Zaire no Kinkuzu, 12 de Fevereiro de 1972, os comandantes contestatários angolanos não resistem, rendem-se. Ao ocupar a base de Kinkuzu, os militares zairenses pilham o campo dos guerrilheiros e violam mulheres, alguns homens tentam reclamar são abatidos e enterrados numa vala improvisada, todos os oficiais do ELNA foram neutralizados e algemados.
Quando a situação estava sob controlo total da tropa zairense, Holden Roberto acompanhado do General Babia desce de helicóptero, encontra a base em estado esquelético, totalmente desfigurado com fumo, fogo e choros das de guerrilheiros da sua confiança que foram molestados. Finalmente é levado na vale comum onde jaziam homens abatidos pelos zairenses, estes responsabilizam acto bárbaro aos oficiais guerrilheiros angolanos motinados.
Holden ordena a sua segurança pessoal para formar um pelotão de fuzilamento, assim aproxima onde encontram-se comandantes guerrilheiros rebeldes algemados, estavam presentes Eugênio Jaime Augusto António, chefe de Estado-Maior; Sengele Norberto, Chefe de Estado do Estado-Maior Adjunto André Monteiro Londres, Chefe do Batalhão Operacional; Elias Pio de Amaral Gourgel, Chefe das operações, Afonso Bengo, Daniel Sampaio, Fernando da Elite, Alberto Pires, Mabuatu, Paulo Kindoki e Pedro Matumona, Chefe da Polícia Militar. Todos os membros principais do Estado-Maior do ELNA foram fuzilados, depois de um breve julgamento. Assim morreram os melhores filhos de Angola, combatentes da libertação.
Holden Roberto acusa a PIDE que infiltrou a base através dos comandantes Matumona e Londres, este acto debilitou muito o ELNA que Não conseguiu reerguer-se, apesar da nomeação dos comandantes da Frente militar do norte n°1, Miguel Nzambi “ozengawo“; Frente Militar n°2, Antônio Angelino Alberto e André Vemba na Frente Militar N°3. Comandante Barreiro nomeado como Chefe de Estado Maior, comandante Matos como adjunto. Afonso Castro Tonta como chefe das operações e como seu adjunto foi nomeado o comandante Sony Avelino.
ELNA e o fim da guerra colonial
O fuzilamento dos 11 comandantes principais do ELNA no Kinkuzu afectou a sua actividade guerrilheira no interior de Angola até ao fim da guerra colonial. Mas isso não impediu que alguns comandantes locais continuassem com as hostilidades contra os militares portugueses. A FNLA continuou a reivindicar victórias no terreno com acções da guerrilha dirigidas pelos comandantes Pedro Afamado, Nsumbu, Noé, Ambassy, Bwatu, Bwaka Meso no eixo Songo, Bembe e Bessa Monteiro.
Uma das reivindicações dos comandantes assassinados, era de modernizar a guerrilha, transformar certas unidades da guerrilha em tropas semi-regulares para efectuar operações de grande envergadura, como invasão massiva, convista a ocupar postos administrativos, conselhos administrativos, sedes de distritos e proclamar zonas livres. Não continuar com pequenas unidades como se fazia antes, razão pela qual foram enviados nas academias da Argélia, Tunísia e Índia.
Com ajuda da China, a FNLA decide transformar a guerra colonial, com isso pede auxílio a República do Zaire para organizar rusgas na comunidade angolana no sentido de recrutar novos guerrilheiros e formá-los em militares profissionais. Mas Mobutu que pretendia anexar Cabinda tenta desviar o objectivo do exército angolano em formação para invadir Cabinda com a ajuda da tropa zairense e anexar o seu território. Holden em perfeito nacionalista angolano que considerava Angola como território de Cabinda ao Cunene, recusa a ideia de Mobutu que decide adiar o apoio de invasão de Angola apartiir da fronteira noroeste até que o 25 de abril de 1974 surpreende todos anunciando o fim da guerra colonial.
O cessar-fogo entre o ELNA e o exército português, por ser muito importante e o principal que simbolizou o fim da guerra colonial, precedeu-se de intensas negociações de alto nível, primeiro entre os presidentes de Portugal e do Zaire. Spínola e Mobutu encontram-se na ilha do Sal, em Cabo-Verde, no princípio do mês de setembro de 1974. No final do mesmo mês, uma delegação chefiada pelo Ministro Mário Soares chegou em Kinshasa onde negociou as condições do cessar-fogo, depois de se encontrar com Mobutu e Holden Roberto. Para assinatura de acordo, os militares vindos de Portugal, constituíram uma delegação chefiada pelo General Fontes Pereira de Melo acompanhado pelo Tenente Coronel Firmino Miguel, a quem se juntaram em Angola, o comodoro Leonel Cardoso, o Tenente Coronel Gonçalves Ribeiro e Major Duarte Cabarrão deslocaram-se de Luanda para Kinshasa, onde assinaram, no dia 12 de outubro de 1974 com os comandantes do ELNA,o protocolo de acordo, marcando o fim da guerra colonial.
A assinatura dos acordos do fim da guerra colonial aconteceu no iate do Mobutu, emprestado pela ocasião, cuja cerimónia com muita pompa foi transmitida pelos órgãos de comunicação social zairense, angolana, congolesa de Brazzaville e mereceu a cobertura do mundo inteiro.
Assim Angola conquistou a sua liberdade, depois de muitos séculos de ocupação, graças ao sacrifício de seus filhos, entre outros, os que foram incorporados no ELNA
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