Estrutura do sistema de ensino no Reino do Kongo

Por Camilo Afonso Nanizau Nsaovinga

Esta estrutura é apresentada aqui, grosso modo, em três etapas: a primeira infância, o início da socialização e a entrada para a vida adulta.

– a primeira infância.

Do nascimento aos 5-6 anos a criança vive principalmente sob a protecção da sua mãe. As relações que se estabelecem entre os dois são marcadas no início pelo amor maternal incondicional e por uma atitude de grande permissividade; a mãe se concentra totalmente sobre a vida da criança, e submete-se as suas necessidades e exigências. Este clima é particularmente favorável à criança e vai até ao desmame, quando a criança é tratada com menos indulgência do que antes; ela regista pela primeira vez a recusa da sua mãe e desenvolve assim uma experiência dupla e contraditória de indulgência e de rejeição. E, portanto, ela é agitada por uma reversão afectiva às vezes severa e brutal que marca a primeira ruptura da criança com a sua mãe. Esta ruptura é, portanto, compensada em parte pelos laços familiares intensos e múltiplos que favorecem a socialização da criança e a sua educação.

Durante este período a educação é ainda difusa, o modo de transmissão dos conhecimentos é informal e se educa pelo que é e não pelo que fizemos. A criança assimila pouco a pouco a filosofia da existência dos seus parentes ou do seu meio imediato e dos seus.

– socialização.

Entre 7 e 14-15 anos a acção educativa se torna um pouco mais explicita: se defende, se ralha, se estimula, se encoraja, se sensibiliza a criança para um ideal de conduta aceite pelo grupo. Os estratagemas dos adultos, as suas atitudes mentais, os pensamentos que eles exprimem perante si marcam profundamente a personalidade da criança e faz com que ela torna-se inteiramente no que o seu meio deseja para si.

A criança é submetida a um sistema de repressão por erros graves e por encorajamento pelo bem. A aprendizagem é pragmática e se caracteriza por uma participação mais activa da criança nas diferentes actividades da família e do grupo. Os métodos de educação são essencialmente atraentes, naturais e não constrangedoras: A maior parte dos conhecimentos são adquiridos através dos jogos e distrações tal como os contos, as adivinhas, as legendas, as canções, etc.

Entre 7 e 10 anos há o início da separação dos sexos: o rapaz vive ao lado do seu pai e auxiliao no trabalho do campo, da caça ou da pesca, a menina vive ao lado da sua mãe e ajuda-a nos diversos trabalhos de limpeza e do campo, etc. O papel dos parentes se resume em guiar a criança na tomada de contacto com as realidades da vida e no cumprimento das actividades produtivas da família.

Entre os 10 e 15 anos, a separação dos sexos é cada vez mais clara: os rapazes começam a ser integradas na intimidade dos homens e as meninas nas intimidades das mulheres. Eles participam nas diversas actividades do grupo e são assim preparados progressivamente na autonomia e na responsabilidade.

– a entrada na vida adulta.

Ela é marcada, sobretudo pelos ritos iniciáticos. Aqui a acção educativa é mais consciente. O adolescente é submetido a provas e endurecido pela vida dura que lhe espera; ele deve assim dobrar-se sobre a “autoridade de ferro” que lhe é imposta. Ele aprende um ou mais ofícios e, pouco a pouco, os adultos lhe confiam os segredos da família, do clã, da etnia. Através das provas, dos jogos e as cerimônias iniciáticas se criam os de amizade e de solidariedade assim também com os pares, os iniciados e os mais velhos e com os outros membros do grupo. O resultado mais importante da iniciação é que o jovem saía um homem completo; ele tem da sua vida e da sua sociedade uma idéia clara e coerente, ele sabe o que os outros esperam dele e o que ele espera dos outros.

Após esta perspectiva de A. Mungala e conforme ficou referenciado sobre a educação tradicional africana Bakongo, da Região Noroeste de Angola, importa apresentarmos as reflexões de Côme Kinata, da República do Congo Brazzaville, sobre as etapas da educação dos jovens: construção do homem, o Kimuntu.

Segundo Kinata (2013.p.118), o recém-nascido ainda é um “novel”, o adolescente não iniciado aguarda pela metamorfose que lhe transformará em um homem, um cidadão. Assim, a educação bakongo é um lento processo que acompanha a mudança da situação ou da modificação provocada da personalidade. Pois, durante a primeira infância, até a idade 5 a 6 anos, o rapaz ou a menina estão submetidos `a influência preponderante da mãe. Eles vivem da sua intimidade; eles recebem dela os conselhos fundamentais; eles aprendem a língua, o conhecimento da sua linhagem, descoberta do mundo legendário ou fabuloso que é evocado pelas canções; elesaprendem também a simular os seus gestos, a reconhecerem os produtos da colheita, a descobrirem as fronteiras que delimitam os lugares e os comportamentos interditos.

De seguida acontece o tempo de separação, as meninas passam a habitar na casa das mulheres, os rapazes na casa dos homens e frequentam o Mbongi para as refeições e o momento de das conversações antes de dormirem. Recontam-se as histórias como forma da educação das crianças, as adivinhas. Em toda esta formação do homem, se insiste sobre as noções importantes da justiça, do roubo. Estes são os primeiros vícios que cercam as crianças. Pois, os Bakongo têm um sentimento bem vivo da justiça imanente: por exemplo, a confissão de uma mulher que vai dar à luz, o afastar o mal tanto para a criança que vai nascer como para a mãe. Justiça imanente significa que cada delito demanda a sua pena e sua punição.

Este estudo permite-nos saber até que ponto este sentimento foi desenvolvido pelos nossos antepassados. Pois, existe um sentido de respeito pelo bem de outrem. Em geral, o Mukongo não pode consentir guardar injustamente os bens do outro. Razão pela qual os Bakongo nunca tiveram cadeados e nem chaves. E por isso, afirmam que foram os europeus que introduziram o roubo no seu espaço e as suas sanções por mais que sejam humanas se tornam impotentes para fazer respeitar o bem do outro.

Finalmente, outro assunto de muita preocupação que os pais inculcam muito cedo as crianças: a autoridade e o poder. Para Kiata (…) O Mbongi, é o centro da educação dos jovens, de transmissão do que deverá ser um homem. Na óptica do Cardeal Emile Biayenda, da República do Congo Brazzaville (1968. apud. C.Kinata, 2013), na sua carta pastoral da Quaresma de 1973, a sua preocupação maior colocava-se com a questão referente a educação dos jovens aliada com o desaparecimento do “Mbongi”, deu o seguinte sentido:

Outrora, a criança nascia numa família larga, extensa: o clã. É neste ambiente familiar que a criança se desenvolve. Toda sua educação que consiste em ele aprender dum lado, a sabedoria, os hábitos e costumes transmitidos pelos antepassados e veiculados pelos anciãos; doutra parte, a conhecer, a aprender todos os laços que o ligam à sua família e ao seu clã. Seu grande orgulho, sua maior alegria é o de poder pronunciar as suas linhagens, “mvila” (tanto do seu lado paterno, como do seu lado materno). Toda esta educação contribuía para fazer um ser social e consciente em pertencer `a uma família, de receber ajuda e assistência, de assegurar uma função primordial: esta da transmissão da vida. (BRAZZAVILLE 1968 apud INATA, 2013, p.120).

Assim, oMbongi pode ser entendido como o espaço de lareira ardente, sala comum, espaço de recepção de visitas, instituição de justiça, centro de educação dos jovens. Muitas vezes é um grande casarão construído no centro da aldeia destinada apenas para os homens, sobretudo, os Mais-Velhos e os anciãos da Comunidade. Este espaço faz parte dos lugares de memória e de aprendizagem dos saberes e de conhecimentos, que só aos homens diz respeito.

O Mbongi é para os Bakongo do Noroeste de Angola, espaço a que pertenço, que designamos por Seka, Belu, Kibanga, com o mesmo sentido e significação. São os verdadeiros espaços de justiça, de aconselhamento, verdadeiros “parlamentos” e com regras e normas democráticas, onde são debatidos todos os assuntos importantes da vida da comunidade e de outras vizinhas. Os jovens só tomam ali assento quando já passaram pelos processos de socialização, de iniciação e dominam todos os códigos de conduta e terem o sigilo como objecto fundamental a preservar na sua conduta social no seio da comunidade e por toda a vida.

São importantes porque educam para a vida e fazem o homem de amanhã e com as responsabilidades de preservar todo o patrimônio histórico e sociocultural da comunidade, das histórias das linhagens e dos seus antepassados.

O seu método de transmissão é comum a todas elas. Isto é, as suas tradições são transmitidas de geração em geração através da boca e da memória. Compreende-se que se baseando a sua consciência na tradição oral, não se descura este método de transmissão do seu patrimônio histórico cultural, para melhor fixação dos princípios de orientação e de vida J. Vansina (1980), justifica afirmando;

Toda instituição, e também todo grupo social, tem uma identidade própria que traz consigo um passado inscrito nas representações colectivas de uma
tradição que o explica e o justifica. Por isso toda tradição terá a sua “superfície social”, utilizando a expressão empregada por H. Moniot. Sem “superfície social”, a tradição não seria mais transmitida e, sem função, perderia a razão de existência e seria abandonada pela instituição que a sustenta. (VANSINA 1980.p.163).

Na verdade, quanta nostalgia não se tem destes nossos lugares de memória e do aprendizado do saber ancestral. Como não relembrar dos encontros de diálogos familiares, dos assuntos do quotidiano do meu bairro, e de assuntos das histórias das linhagens afins, dos aconselhamentos de outras famílias feitas em minha casa e conduzidos por meu pai.

Finalmente, ouvir C.Kinata (2013), do Congo Brazzaville, sobre o que tem sobre o Mbongi:

É no “Mbongi” que a criança recebe os conselhos e avisos. Todas as crianças Bakongo têm muitas lembranças, algumas vezes nostalgia, deste ambiente extraordinário que reina no “ mbongi”. Depois da pequena infância, ficamos marcados por tudo quanto tínhamos aprendido, descoberto, visto escutado no “mbongi”, onde os nossos parentes se reuniam e ao chegarem discutiam todas as novelas da família, da aldeia e mesmo do mundo. O“Mbongi”, é a “alma” da comunidade, e é lá que a criança recebe a maior parte da sua educação. Que nos lamentemos ou não, nós somos obrigados a constatar que o “mbongi” desapareceu. (…)Com o desaparecimento de “Mbongi”, é todo um método de educação, e um certo número de hábitos e costumes que também desapareceram. O seu desaparecimento é uma das causas das mais importantes nas dificuldades que são encontradas na educação das crianças (KINATA 2013, p.123).

Ao tratarmos desta temática tão importante como a educação tradicional em África de modo geral e do Noroeste de Angola foco da nossa abordagem, se faz necessário apresentarmos as diferentes discussões que se foram levantando sobre este processo educativo na região em referência. E terminarmos com uma contribuição da Região a África Ocidental do Oeste, espaço que muitos estudos apresentam sobre a problemática da educação tradicional em África, que veremor a diante.

Andoche Bavuidinsi Matondo (2012. pp.36-46), da República Democrática do Congo, fazendo parte do prolongamento das nossas reflexões, discute a temática em estudo apresentando três pontos importantes, a saber: a educação como processo de integração social; o conteúdo educativo e a sua função social, finalmente, as grandes etapas educativas da tradição congolesa.

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