Os Mazômbo em Pernambucu no século XVII-XVIII

Por Patrício Batsikama

Introdução

Depois da derrota de Dom António Io Vit’a Ñkânga, em 1665, como já vimos no capítulo anterior, os Mazômbo – militares – foram dispersos. Com a morte de Ne Miala ya Nzimbwîla Dom Daniel Io Na Mpângu, em 1680, os Mazômbo foram caçados intensamente e muitos deles vendidos como escravizados no tráfico atlântico (em Luanda e Cabinda/Nsoyo). Mas esta prática terá começado com a derrota dos Jagas no Kôngo, com o capitão Francisco Gouveia e o início – em 1576 – com os “Negreiros de Luanda”, e em Cabinda com os Jagas foragidos que tinham passado pelos Mazômbo (Ravenstein, 1905:367-402).

Neste capítulo, iremos focar apenas sobre os jovens militares Mazômbo que foram transportados para o Brasil como escravizados, e que protagonizaram revoltas naquele país de América latina. Este capítulo baseia-se em três fontes: (i) um livro significativo: “A fronda dos Mazombos” da autoria de Evaldo Mello. A este livro, consultamos outros textos bons: uma dissertação sobre os Mazômbo; um ensaio sobre os quilombo de Pernambuco e Paraíba; (ii) entrevista que o nosso assistente – Alessandro Elisário Doneiros – levou junto de algumas famílias descendentes dos Mazômbo de Pernambucu; (iii) arquivo que registou os Mazômbo como militares e comerciantes, no Brasil: AHU.

I. Os Mazômbo escravizados e vendidos no Brasil

O termo “mazombo” é, no português brasileiro, um substantivo pejorativo que significa – na linguagem corrente – estrangeiro (escravizado que veio com o Português); e como adjectivo, designa: (a) mal-encarado; (b) carrancudo; (c) macambúzio. Estes sentidos parecem-nos originar da história, em Pernambuco, de quase 1200 mazômbo armados rudimentarmente com flecha, pau, etc., derrotaram mais de 1900 holandeses bem armados (Mello da Costa, 2003) no dia 15 de Maio de 1645.

A pergunta é: de onde seriam oriundos estes Mazômbo pernambucanos? Eram os negros, mestiços que os negreiros de Luanda traziam para Brasil, especificamente em Pernambuco e Paraíba desde o início do século XVII (1602-1609). A este termo, passou a designar – também – os portugueses da segunda mão, ou reinóis. Miguel Real nos esclarece a origem os Mazômbo:

“Os mazombo eram os moradores dos palacetes de Olinda reconstruídas após a victória sobre os Holandeses; a maioria, sugada pela guerra, que o Rei de Portugal em nada auxiliava, não tivera suficiente cabedal para os reconstruir, permanecendo na casa-grande dos engenhos do interior, possuindo câmaras em casa de fidalgo familiares para estanciarem por Olinda”.

De acordo com Dieudonné Rinchon mais tarde minhas de ouro) no Brasil precisa de mão-de-obra. O Kôngo, entre 1543 e 1591 conheceu dois episódios que fomentaram a venda dos escravizados Kôngo nos portos de Luanda e Nsoya: (a) a invasão do Kôngo pelos Jagas, e a escravização dos Kôngo (oriundo de Mbata); (b) a reputação dos Mazômbo como militares (Lopes; Pigafetta, 1591) e carregadores resistentes a fadiga (Rinchon, 1921: 34). Comparando
com o arquivo AHU3 kôngo nestes dois períodos, e em grande quantidade: perto de 12.000.

Estes Kôngo (Jagas e “gente de Mbata” derrotados) transportados em Pernambuco, revoltavam constantemente, e formavam seus kilômbo para resistir ou ficar longe das imposições portuguesas. Vamos partir de algumas curiosidades: (i) porque o termo mazômbo – oriundo de África/Kôngo – passará a designar mestiços, negros e reinóis/portugueses – (iii) será que há alguma ligação entre o nome/título, a descoberta da agricultura de açúcar (e, percebemos que Pernambuco terá recebido os escravizado Ganga Zumba (Nganga Zumba) ou o do seu sobrinho Zûmbi tivessem “títulos” e mazombo? (iii) Haveria alguma explicação com relação à semelhança concernente as funções sociais dos Mazômbo (comerciantes ambulante/mascates; militares) de Pernambuco e dos Bazômbo “gente de Mbata”?; (iv) porquê, curiosamente, a Serra da Barriga em Pernambuco Bûmbu serviram aos Bazômbo em Angola (Kôngo) depois das derrotas de 1665?

Possíveis respostas:

(i) Mazômbo terá passado por dignificá-los;
(ii) Ngâng’a Zûmba indicaria a presença dos Zômbo: eram a Autoridade serviu aos mazombo na mesma forma que as Serras de batalhas/guerras;
(iii) A explicação que nos parece lógica é que seriam grande parte dos
(iv) A geografia física do Brasil e a de angola/Kôngo aproximam-se, e este religiosa a quem os militares mazômbo solicitavam as previsões das batalhas/guerras; escravizados Jagas e mazômbo transportados no Brasil; comportamento social semelhante de duas partes leva-nos a perceber que a anatomia social seria a mesma, justificável pelo Tráfico negreiro.

II. A fronda dos Mazômbo

Esvaldo Cabral de Mello é tido como o historiador sério que tenha escrito sobre os Mazômbo de Pernambuco. O seu livro contém 496 páginas, com uma larga referencia bibliográfica da primeira-mão depois de ter lido o seu livro, vamos tentar identificar quem seriam os Mazômbo na opinião deste historiador.

“… tendo recebido ordem régia sobre socorro à Angola, – [Luís de Mendonça Furtado] despachara para Luanda barco de propriedade do irmão e a André Vidal de Negreiros, que
então administrava aquela conquista [Angola], travestia a providência em ato de dedicação do serviço de El Rei, lembrando uma viagem a Lisboa teria sido bem mais rentável. Dai que intercedesse no sentido d Vidal autorizar o regresso da embarcação ao Brasil, fosse para o Rio, Bahia ou Recife, dando-lhe prioridade no carregamento. Quem diz comércio com Angola em1666 diz tráfico negreiro em ano de preços altos, devido à epidemia terrível que então se abatera sobre os núcleos coloniais do litoral brasileiro, causando mortandade entre os escravos” (Melo, 203: 27).

Por outras fontes sabemos que os escravizados que vão sair de Luanda, do Nsoyo e de Cabinda entre 1593-1627 e 1666-1680, são: (i) Jagas e seus aliados, então derrotados por Fancisco Gouveia; (ii) “gente de Mbata” e seus aliados dispersados depois das derrotas com Dom António Io Vît’a Ñkânga e Ne Miala ya Nzimbwîla Dom Daniel Io Na Mpângu. Já entre 1709 e 1843, notar-se-á outras gerações dos Mazômbo nascido no Brasil, com a reinvenção social de kilômbo e seus respectivos rituais e crenças: nascerá congada.

Em 1901, foi criada no Rio de Janeiro uma “Nova União de Cabinda” por Mayûmba e Jagabumba. Interessante é, por um lado, perceber que os escrvizados sairam do porto de Cabinda. Por outro, Jagabumba é o termo que designava os comandos Mbûmbu (que já vimos atrás), em 1665 na Batalha de Mbwîla. Ora, tratava-se de integrantes de kilômbo que um século antes fugiram nos kilômbo e formaram núcleos de resistência. Curiosamente, Mazômba como topónimo no Brasil é presente onde havia presença dos kilômbo dos mazômbo: Rio de Janeiro, Recife, Olinda, etc.

Como vimos nos capítulos que antecedem este, tratar-se-ia na sua maioria dos Bazômbo. Talvez isso justificasse a designação mazombo, embora António Gusmão acha que seria reservada aos brasileiros filhos de portugueses apenas. Esvaldo Cabral de Melo é da seguinte opinião, quanto a origem do termo mazombo:

“… o africanismo mazombo designava o filho do português nascido no Brasil, sendo assim o equivalente de voz criollo na América hispânica, cujo correspondente lusitano, ‘crioulo’, era reservado aos negros nascidos entre nós [Brasileiros]… dado o banto ‘mazumba’, o donzelo, [mazombo devia ter sido] empregado desde o começo em sentido pejorativo pelos Africanos daquela procedência chegados à América portuguesa. O mazombo seria etimologicamente o donzelo, isto é, o delicado, o apaparicado ou o afeminado, não necessariamente na acepçãoo de tendência sexual, mas de estilo de vida, que o apartava de trabalho manual ou do trabalho tout court próprio dos escravos. Nada há aliás de surpreendente em que ‘mazombo’ originalmente depreciativo, viesse a ser utilizado como orgulho, colectivo de naturalidade na segunda metade do século XVII”.

O terceiro episódio do seu livro, Esvaldo de Mello aborda o conflito (consequente da açucarocracia) entre os Mazômbo e os reinois (Mello, 2003: 233; AHU, Pernambuco, cx 15), por um lado; por outro lado, encontramos os dois em colusão, e ambos na luta contra os Holandeses.

O termo de mazombo no século XVI designava a “gente militar” do Kôngo, oriundo de Mbata (Lopes; Pigafetta, 1591). Curiosamente, as escritas do século XVII apresentam-nos como militares derrotados, ou militares errantes que praticam comércio ambulante: consequência da invasão de Mbânz’a Kôngo pelos Jagas. Das trajectórias negreiras verificadas entre Luanda (potencial porto dos Jagas e mazombo entre) e as Índias ocidentais, os Estados brasileiros como Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia receberam várias peças oriundas do Kôngo. É curiosamente nesta época que os escravizados negros fugitivos no Brasil começam a formar kilômbo e organizarem-se como forma de se proteger contra as imposições portuguesas.

Os mazombo passou a designar os reinois, filhos dos portugueses e negros que sabiam ler latim, e se defender. A questão é: porque os reinois se sentiriam orgulhosos de se identificar como mazombo? Os autores apresentam-nos duas razões: (i) mazombo designavam nobres no local de origem: Ma, prefixo que indica a nobreza, a Autoridade; e zômbo que designa uma “tribo” de grande nobreza neste Kôngo do século XVI, ainda que os Jagas tenham infiltrado pelo Mbata; (ii) a discriminação da colonização portuguesa, mesmo para os próprios portugueses consoante as suas origens, era símbolo de submissão. Ora, mazombo nesta época indica a rebeldia contra as imposições lusitanas. E durante a guerra contra os Holandese em 1666, a bravura dos mazômbo serviu de lição. Isto é, o termo mazombo deixava de ser etnónimo exclusivamente africano/kôngo pela abrangência multirracial e multiétnica que passou a exprimir.

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