4 de Fevereiro: lições aprendidas em busca da integridade territorial

 

Por Patrício Batsikama

 

 

 

 

 

Introdução

Celebra-se “4 de Fevereiro” como o início da Luta de Libertação que conduziu a independência de Angola. A construção dos factos sobre esta data ilustra-nos três aspectos que interessam aos angolanos: (1) razões e consequências imediatas da data; (2) anseios da anatomia social dos protagonistas e configurações do capital cultural adquirido; (3) lições aprendidas na Era da democracia.

1. Causas e consequências

A configuração dos factos que constroem 4 de Fevereiro de 1961 ilustra-nos três causas e duas consequências.

a. Causas

i. Independências africanas

Vários países africanos que fazem fronteira com Angola tiveram as suas independências em 1960, principalmente a República Democrática do Congo. Pela transnacionalidade das fronteiras culturais entre este país e Angola, a ideia da independência da RDC imigrou para Angola. De forma geral, até Dezembro de 1960 dezassete [17] países africanos conseguiram a sua independência. Logo, as ideias independentistas ganharam substância.

Do Congo Democrática, três figuras são emblemáticas. A primeira é Patrice Lumumba. Tido como grande nacionalista de todos, a sua luta a favor dos povos africanos era bem conhecida assim como a sua
repugnância em relação ao poder colonial. Ele era amigo do MPLA, pela linha comunista/socialista. O segundo, Joseph Kasa Vubu que chegou a ser presidente daquele país. A ABAKO privilegia FNLA em relação a Angola.

No fim, temos Moisés Tshombe que liderou a cessação de Katanga em 11 de Julho de 1960. A influência destas três figuras em Angola foi notável.

ii. Proto-nacionalismo angolano

O Tokoismo que iniciou em 1949 ganhou silenciosamente um terreno vasto e preparou psicologicamente os Africanos em geral, e os angolanos em particular, no que tange as ideias independentistas. Curiosamente, intervém personalidades religiosas ligadas ao tokoismo para motivar e elevar a moral dos insurgentes de 4 de Fevereiro, de acordo com as informações que a PIDE-DGS recolheu [ver arquivo Torre do Tombo].

A criação de grémios culturais e desportivas – visto que os assimilados e indígenas viram os seus direitos políticos anulados – constituía o espaço poderoso para consciencialização das massas. A “Liga Africana”, por exemplo desempenhou um papel importante nesse processo.

Naquela época, a UPA já era conhecida no mundo Ocidental. A figura de Holden Roberto era lançada nas arenas diplomáticas [Gana, por exemplo]. A figura de Agostinho Neto era incontestável nesse processo.

Várias vezes presos pelas ideias independentistas, a PIDE-DGS associa-o já desde 1959 com o MPLA que, em Dezembro de 1956 espalhou o teste de Manifesto nos meios comunistas. Não se pode esquecer aqui as ideias intelectualistas de Mário Pinto de Andrade junto da Présence Africaine.

A figura de Holden Roberto/UPA, a celebridade do intelectual poeta Agostinho Neto e a sua popularidade em Luanda. A intelectualidade de Mário Pinto de Andrade [Primeiro presidente do MPLA] ecoava forte na subconsciência dos angolanos que começaram a resistir contra as opressões coloniais e as leis segregacionistas. Tudo isso preparou os Angolanos do modo geral e há textos [teses] bons sobre o tema.

iii. Exclusão do africano nas leis coloniais

Portugal tinha estabelecido uma lei racista e segregacionista de 1929/1930 que vigorava até a sublevação em 1961. No primeiro plano estavam os portugueses, com todos os direitos e por nascerem católicos. No
segundo plano, estavam os portugueses que nasceram na Ultramar [católicos ou não], com direitos políticos limitados e maior espaço de actuação na vida social. Depois são os assimilados, que eram os africanos com capitais culturais lusitanos. Eles não tinham direitos políticos, por isso aproveitaram em criar grémios culturais como espaços de intervenção.

Em geral, a maior razão de “4 de Fevereiro” foi a exclusão dos Angolanos nos benefícios cívicos, políticos que onde ainda tinham direito. Os angolanos revoltaram para conquistar o seu bem-estar e manifestar-se contra a autoridade estrangeira dirigir as terras dos seus antepassados.

b. Consequências

i. Luta de libertação.

Se “4 de Janeiro” foi uma opressão colonial contra os angolanos, “4 de Fevereiro”, como resposta, foi o início da Luta de Libertação. Desde aquela data, os Angolanos preferiram morrer lutando do que viver
escravizados. Tratava-se da Luta para a Conquista da Soberania do Povo.

Mas convém realçar que surgiu maior organização desta luta, e os
apoios externos se prontificaram para ajudar os angolanos a conquistar a
sua dignidade humana.

ii. Nacionalismo angolano plural.

O nacionalismo moderno ganhou nova dinâmica. Notou-se que Angola é plural socioculturalmente quanto politicamente, visto que os apoios externos se pronunciaram no âmbito da guerra fria. As divergências políticas ganharam uma voz tónica, e configuraram-se em diferentes perspectivas da Angolanidade.

Se é verdade que naquela altura só existia UPA, MPLA convém informar que foi em Junho de 1961 que Jonas Savimbi foi contacto pela Embaixada americana na Suíça, Bern. Foi-lhe aconselhado formar um
movimento de Libertação devido a grande vontade política americana em patrocinar os angolanos a lutar pela sua autonomia/independência.

A anatomia social angolana serviu da base para acolher as configurações sociopolíticas que instrumentalizaram o nacionalismo angolano moderno.

2. Ocorências e anatomias social dos protagonistas

Vários livros e artigos científicos apresentam-nos, por um lado, os protagonistas e os locais onde se efectivaram “4 de Fevereiro de 1961”. Por outro, os depoimentos e arquivos valiosos incitam-nos a reescrever a História do 4 de Fevereiro de 1961.

1. O que aconteceu:

Estima-se entre 200 e 250 angolanos como protagonista de “4 de Fevereiro de 1961”. Eles atacaram: (a) a Casa de Reclusão Militar. (b) a Cadeia da 7ª Esquadra da Polícia; (c) a Sede dos Correios, Telégrafos e Telefones (CTT); (d) a Emissora Nacional de Angola [RNA]. Há três versões sobre essas ocorrências que resumimos a seguir.

A primeira diz que os angolanos utilizaram as catanas e, em quatro direcções, atacaram os locais acima mencionados. Isso implica uma organização e uma liderança de quem articula esses actos. O cónego
Manuel das Neves foi indicado como orientador desta “revolta”. A Inteligência policial tinha indicadores de que este padre tinha ligação com FNLA, sobretudo quando a FNLA incluiu o nome dele na hierarquia
organizativa.

A segunda diz que o descontentamento do sistema colonial era tanto que, várias células de Luanda [maioritárias do MPLA] desenvolviam actividades políticas na clandestinidade. Lia-se muito a “Guerra Civil em França [Comuna de de Paris]” de Karl Marx. O plano de ataque consistia dois grupos [células] atacar dois objectivos militares: (a) Casa de Reclusão Militar; (b) Cadeia da 7ª Esquadra da Polícia. Deste ataque, conseguiriam armas a fogo, para atacar aos dois objectivos estratégicos: (c) Emissora Nacional de Angola; (d) CTT. Com estes últimos, poder-se- ia informar ao mundo das revoltas dos angolanos contra o poder português colonial. Na verdade, o MPLA dispunha de várias células de maneira que logo depois das ocorrências, o MPLA reivindicou a autoria moral de “4 de Fevereiro”.
A terceira versão associa as duas primeiras, e conta de forma quase anacrónica os factos. Começa com o ataque a Casa de Reclusão.

O insucesso deste ataque dispersou os seus protagonistas. Simultaneamente dois outros grupos que se prepararam dispersaram-se. É assim que vai se realizar uma emboscada, onde serão mortos um cabo portugues. Os revoltados apoderaram-se das suas armas e dirigiram-se a 7ª Esquadra da Polícia, numa tentativa ofensiva cujo insucesso fez mais de quarenta [40] mortos e muitos foram levados presos. Visto que Luanda tem a característica de pluralidade sociocultural, admite-se que pouco importava-se da cor partidária. Os angolanos queriam apenas a sua libertação.

2. Discussão sobre a autoria:

O MPLA reivindicou a autoria de “4 de Fevereiro” logo depois das ocorrências. A PIDE-DGS tentou reconstruir os factos e percebeu-se que a autoria é complexa por três razões: (a) a presença efectiva das células do MPLA, cujos integrantes foram presos ou mortos nos confrontos; (b) a presença virtual da FNLA pelas conexões dos angolanos insatisfeitos em Luanda, ao associar a autoria moral das ocorrências ao Padre Manuel das Neves; (c) os autores reais que comandaram integravam as células do MPLA: Imperial Santana, Neves Bendinha, Paiva Domingo da Silva e Domingos Manuel Mateus.

Durante o Monopartidarismo [1975/1990], o MPLA assumiu inequivocamente a autoria de “4 de Fevereiro”, e somos herdeiros deste legado. Com o multipartidarismo e abertura de vários arquivos, nota-se que haja outros índices propícios. Há presença da FNLA, por um lado. Há, por outro lado, presença dos apartidários e de pequenos “partidos de Luanda” que se fundiram no MPLA, somente mais tarde [mas antes da independência]. A própria PIDE-DGS percebeu-se naquela altura que
existia uma tricefalia em relação a autoria das acções de 4 de Fevereiro: MPLA, FNLA e partidos insignificantes [em termo de número] em Luanda.

Se me perguntar quem foi o autor de 4 de Fevereiro de 1961 eu responderei que foram os nacionalistas angolanos destemidos, com ou sem partidos políticos.

3. Reconstrução dos factos

Sempre partilhei a opinião da necessidade de reconstruir os factos. Já se registou várias versões paralelamente convergentes. Não são tão contraditórias, na verdade. Mas apresentam perspectivas contrárias. Isso é sinal da multicefalia em relação aos autores. Os documentos existentes nos arquivos portugueses e não portugueses, por exemplo, revelam que vários religiosos desempenharam papel importante. É o caso dos tokoistas, por exemplo. Estes últimos acreditavam que Simão Toko deveria libertar Angola dos portugueses, e tomaram iniciativa com a agressão. Por isso, Simão Toko, já em 1962, é utilizado para chamar as populações voltar a repovoar as suas aldeias uma vez que se refugiram nas matas.

É preciso reconstruir os factos para melhor conhecer a nossa História e enaltecer os “Heróis de 4 de Fevereiro” como se deve, e de forma despartidarizada. Quando ocorreu “4 de Fevereiro”, existia uma quantidade considerável de jornalistas em Luanda que esperavam pelo navio Santa
Maria, que foi desviado pelo capitão Henrique Galvão. Cada um contou a
sua maneira. Ora, isso também, pode nos ajudar a reconstruir os factos.

3. Lições aprendidas e tempos modernos

Acho que três grandes lições parecem relacionar-se ao “4 de Fevereiro” nos dias de hoje:

1. Lutar sempre que possível para libertar-se, e nunca permitir se escravizado por ninguém nem sequer por qualquer sistema escravizador. Apesar do insucesso [nenhum dos preso foi libertado, como se pretendia], nunca mais os angolanos aceitaram qualquer domesticação externa.

2. Rentabilizar a Democracia, enquanto luta uma vez que “4 de Fevereiro” nos ensina: (a) organizar-se melhor, para evitar os insucessos; (b) construir os capitais académicos e rentabilizá-los ao benefício do bem-estar colectivo; (c) aceitar a multicefalia das tendências [sociais, políticas, económicas, culturais, etc.] como melhor forma de concorrência para o desenvolvimento social.

3. Resistir contra a ingerência dos países estrangeiros nas questões públicas de Angola; nunca mais deixar privar os Angolano da sua felicidade política, económica para que garantam a sua Soberania
política [externa] e a Soberania do Povo de Angola. Celebrar Angola como espaço que devemos construir constantemente na diferença, na base da Lei por todos.

Wizi-Kongo

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