Calayande José Cabeya é um nome que não chama atenção. Socorro, o cantor, este sim, esgota audiências e suscita emoções com a sua singela presença e um reportório musical invejável.
O artista nasceu em Quimbele, província do Uíge, em 1976, e começou a cantar quando criança.
“Cresci sempre a cantar, porque a música alimenta o meu espírito, principalmente a melodia e o ritmo. Os primeiros instrumentos que usei em Quimbele foram banheiras, paus e depois passei para o kissanje. Depois, apostei na guitarra”, revela o cantor, sustentando: “fui autodidacta, mas tive que aprender algumas notas com amigos, o man Lucas, o Man Carvalho, o Matéua e o Santos.”
O processo de aprendizagem de notas foi de todo prático. Sob a orientação dos amigos, colocava os dedos no sítio certo, em que a guitarra produzia o som mais nítido. “De tantos ensaios, fui interiorizando e conhecendo bem o instrumento”, informa, confidenciando de seguida: “hoje, sou o melhor entre os amigos.” Na infância, o músico alinhou muito em brincadeiras com os amigos, imitando coros da igreja, o que lhe emprestou alguma musicalidade e dicção. Contudo, dá a conhecer “nasci cego. A minha mãe lamentava por ter um filho com deficiência visual.”
Quimbele: os primeiros palcos
Na década de 80, ainda pequeno, antes dos dez anos, Socorro desfilou muito do seu talento em público no bairro Maianga, em Quimbele, província do Uíge. “As pessoas gostavam de me ouvir cantar. Também havia alguns contestatários que não apreciavam a minha música”, adianta, recordando: “já senti alguma discriminação pela deficiência visual, mas sei que na sociedade nem todos são bons e não prestava atenção a isso”, lamenta, com coragem.
Quanto ao estilo musical, com o qual sustenta o seu acervo musical e faz vibrar e dançar os fãs um pouco pelo país, garante com orgulho que “é muito pessoal. Já disseram que era o “sukussa”, oriundo do Congo Democrático. Apareceu alguém por cá que chama ao meu estilo de “belissango”, porque veio precisamente do Quimbele. Socorro garante que tem acompanhantes para constituir uma banda, mas faltam-lhe patrocínios.
Os convites para participar de espectáculos têm sido raros. “O que eu queria era expandir os palcos. Sou um músico nacional e pretendo actuar em todo o país. Ultimamente, restrinjo-me às províncias do Uíge e do Zaire, salvo raras excepções.”
O cantor confidencia que não tem agente de marketing ou promocional, para o colocar em diferentes espectáculos, o que diminui a sua presença em alguns eventos. “Estou agora a constituir um agente. Não o tinha. Devido às minhas limitações, para alargar os passos da minha carreira, devo contar com a colaboração de alguém sério, responsável, para estabelecermos cunho jurídico”, considera o cantor.
A língua nacional kicongo tem sido a bandeira do artista, um baluarte que transporta por onde actua. “Domino o kicongo e não tenho problemas em cantar nesta língua”, embora tenha músicas em língua portuguesa, explica, elucidando que as letras das suas músicas transmitem o dia-a-dia das aldeias, a vida rural, a vivência das famílias, o sentimento, o choro de um óbito, sempre sob a capa de figuras de estilo.
Música de consumo obrigatório
O nome do primeiro disco é “Meu dever” de 2007. Começou a “bater” em 2008 e levou-o ao Top dos Mais Queridos. Não vendeu o que esperava, mas agradeceu a Mona Nguindo, um empresário que lho patrocinou. O segundo disco, “Kuvata dietu” de 2010, editado sob a chancela da LS Produções, teve boa aceitação no mercado, mas o terceiro, o “Nzimbo”, de 2012, foi o que mais vendeu. Já o “Icuma” de 2014, com a MP Produções, nem por isso foi bom de mercado.
Segundo o artista, “lançar discos, de facto, é bom, mas não é o que nos vai ajudar a melhorar a carreira. Procuro fazer três a quatro músicas para não estar ausente do mercado. Poucas músicas, desde que sejam bem promovidas, com vídeos a rolar são a minha intenção. Vale a pena fazer pouca comida, mas bem feita, do que muita e sem sabor nem apreciadores.”
A música de Socorro constitui uma boa safra para consumo. Contudo, admite que ao longo da sua carreira já bebeu de muitas fontes. “Nem tudo o que cantamos é da nossa lavra. Por ser conhecido, aparecem pessoas que nos oferecem letras para as compormos e cantarmos, mas a maior parte delas é de minha autoria.” Socorro tem uma imagem que por si só constitui marketing. “A própria música”, confessa, “quando chega ao mercado, todos querem ouvir e há sempre aquela ânsia. Eu nunca tive uma estratégia de marketing ou publicidade profissional. O meu trabalho, a minha música é considerada como um produto de consumo obrigatório.”
Socorro Responde
Fale um pouco da convivência com a fama. A popularidade não o incomoda?
Convivo com a fama. Sinto-me bem com ela. Para a conquista da fama, não precisamos de feitiço. A pessoa que faz música tem que ter um dom, a própria música também tem os seus segredos, que começam na escolha da melodia, na definição do que queremos cantar. Por exemplo, temos que utilizar guitarras com cordas novas para a música não sair desafinada. Há muitos mais segredos.
A voz do Socorro é um chamariz. Há quem considere que está na base do sucesso. Quer comentar?
Sob a voz hilariante, que quando combinada com sons contagia e faz dançar multidões… A voz não é boa, mas sei cantar. Há pessoas com boa voz que não cantam bem. Há outras que cantam mas a voz não favorece, por causa de certa rouquidão, outros a fonia. Enquadram bem as notas, mas a voz não oferece garantias. No meu caso, dá-se o contrário.
O que lhe falta para um sucesso mais alargado?
Sou músico e compositor. Faço as minhas letras, toco e canto. A minha música tem audiência em todas as províncias. Atravessa fronteiras. Falo de boca cheia que me sinto capaz de ir mais além, arrastar multidões. Preciso é de patrocínios, porque vivo mal. Não me humilho para ter espectáculos. Quero que me coloquem também como espelho do país. Pelo que faço, devia ser mais explorado. Deviam pesquisar a minha letra, estudá-la. O Socorro tem que ser considerado como uma luz nacional, como o Sayovo, que está na história do país e do desporto mundial, porque foi bem promovido.
Aconteceu comigo
Reza a minha história que uma velha, minha familiar, segredou à minha mãe que tinha sonhado comigo. No sonho, eu lamentava sob a minha situação de cegueira e a velha iniciou com tratamentos tradicionais para a recuperação da minha visão e consegui, com isso, ter acção do olho esquerdo, que, entretanto, perdi, definitivamente, quando tinha os meus oito anos.
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