Por Salomão Ndombasi (Nobre Zombo)
“Sou Africano não por ter nascido em África mas, sobretudo porque, África nasceu dentro de mim”. (Kwame Nkrumah, 1909-1972)
Não sendo saudosista mas, apenas e sobretudo, observador atento das coisas da nossa terra e do mundo cada vez mais controverso onde, num passado não muito distante, o nosso Ministério da cultura fazia dueto com o da Educação, muito longe da confusão do atual triunvirato: Cultura,
Turismo e Ambiente, também onde não se falava de reformas e coisa alguma, mas sim, o tempo em que recebíamos nas escolas, os Ativistas cívicos e os Sindicalistas previamente selecionados para partilhar com os Estudantes, em palestras ou quiçá, paradas em tempos de intervalo sobre os mais variados temas de atualidade, isso com o fito de refrescar e consolidar os conhecimentos dos futuros quadros.
O tempo foi passando, as boas práticas foram sendo abandonadas; a escola deixou de exercer a sua função social primordial; a cultura essa, engolida pela globalização e a comunicação social totalmente capturada e proibida de contribuir para a saúde mental dos Autóctones.
Estando a 24 de Janeiro, data comemorativa do 16º aniversário de aprovação da Carta de Renascimento cultural de África, passados 4 dias, coincidência ou não, a meditar em meu escritório sobre as ricas palavras pronunciadas a 09 de julho de 2002, no mítico estádio de Durban, na África do Sul perante mais de 20 mil almas, pelo Líder da revolução Líbia, de feliz memória, o Africanista Muamar El Kadhafi, no dia da proclamação e nascimento da União Africana (UA): “África para os Africanos, estamos livres, a escravatura acabou…” (Simão Toco: vida e obra, 1ª edição, p. 6), visão cujo legado, a nova elite Africana tarda cumprir, infelizmente.
O silêncio que se seguiu 4 dias depois, criou em mim sinceramente, o sentimento de apreensão pelo facto da imprensa local ou, do nosso Governo não terem dado nota sobre a efeméride, atirando pura e simplesmente à data as calendas gregas.
Assim, no intuito de saciar a minha curiosidade investigativa, visando medir o nível da literacia da nossa juventude, com uma simples pergunta sobre o que sabiam da data; realizei nos quatro dias que se seguiram, um pequeno inquérito a vinte Estudantes Universitários e dez do Ensino Médio em cinco diferentes Estabelecimentos Escolares de Luanda, na proporção de seis em cada Instituição.
A amostra dos resultados apurados, foi a todos os títulos surpreendente pois, nenhum dos Entrevistados correspondeu a minha expectativa, que pena.
Preocupado com a situação, procurei investigar as razões do sucedido. As conclusões apuradas, espelham o seguinte:
1- Na lista das efemérides do dia 24 de Janeiro no contexto universal, nada consta sobre o que aconteceu em África nesse dia;
2- Os órgãos executivos da União Africana, nossa organização continental, não são acutilantes, não trabalham na divulgação da história moderna e contemporânea do continente berço, à exceção dos “ conhecidos volumes da História Geral de África” compilados pela UNESCO com concurso de
Eminentes Académicos Africanos.
3-Nos programas letivos a todos os níveis, excetuando os da formação de Historiadores e Professores de ensino de História, não figuram conteúdos estritamente ligados à Historia de África senão, os alheios à nossa africanidade e por via disso, os Estudantes também não se esforçam em pesquisar as nossas origens.
Que legado para as novas gerações:
Reza a história que, de 23 a 24 de Janeiro de 2006, reunidos em Cartum, República do Sudão, na sexta sessão ordinária da conferência da União Africana, mais de trinta Chefes de Estado e de Governo presentes, em nosso nome e implicados pela carta cultural de África; guiados pelo acto
constitutivo da União Africana, acordaram estabelecer e aprovar, a Carta de Renascimento ou Renascença Cultural de África.
São passados dezasseis anos desde o memorável dia, muitos Países do continente, comemoraram efusivamente a data com múltiplas realizações de índole educativa e cultural (festivais, concertos, palestras, reflexões…), o Senegal por exemplo, país de matriz umbilical fortemente africana, realizou uma romagem à imponente estátua ao renascimento cultural de África (Gigante com mais de 60 metros de altura, virada para o Atlântico) e, Angola nosso País nem por isso, sempre à margem.
Monumento ao renascimento cultural de África, Dacar – Senegal
A carta em si, se aplicada com rigor e sentido de estado, como se lhe recomenda, trará benefícios incomensuráveis aos Africanos e contribuirá para a inserção da verdadeira história do continente no contexto da história Universal e jogará sua influência no contexto da globalização, a julgar pelos objetivos que nela se inserem.
A título de exemplo, aproveito destacar os objetivos de algumas alíneas da Carta consignadas no 3º artigo:
a)- Afirmar a dignidade dos homens e mulheres Africanos bem como, os fundamentos da sua cultura;
l)- Combater e eliminar todas as formas de alienação, exclusão e de opressão cultural em todas as partes de África;
f)- Reforçar a unidade africana através de uso das línguas Africanas bem como, encorajar o diálogo entre culturas.
Não menos importantes destacar, os Artigos 26º e 27º que tratam do património pilhado e retirado fora do continente durante a ocupação colonial e as guerras que se seguiram e os moldes da sua restituição às origens e sua perene salvaguarda.
No intuito de consolidar e dar ênfase, aos princípios do renascimento Cultural de África; em Abril de 2015, reunida na cidade de Niamey, no Níger, a União Africana, lançou a Agenda 2063 com linhas programáticas e uma visão mais ampla e abrangente contemplando, 14 Iniciativas em diversas áreas como: cultura, educação, ciência e tecnologia,
Infraestruturas e manutenção da paz, com o lema principal: “A África que queremos”.
Esmiuçando a mesma no que, a iniciativa cultural diz respeito por exemplo, ela defende, uma África com forte identidade cultural e patrimonial, valores e éticas comuns.
Todavia, a agenda estabelece outras metas com cumprimento a curto prazo, como por exemplo:
– Até 2020, todos os vestígios do colonialismo terão sido eliminados e todos os territórios sob ocupação, estarão totalmente libertados.
– Até 2020, sejam silenciadas todas as armas.
No capítulo cultural e em função a agenda 2063 e tendo em conta o valor e o simbolismo da data, o dia 24 de Janeiro, foi instituído pela UNESCO, como “dia da Cultura Africana e dos Afrodescendentes”
Outrossim, importa destacar que, aquando da realização da Jornada Mundial da Cultura Africana (JMCA) em Nova Iorque no dia 24 de Janeiro de 2019, a ONU aprovou o dia como, data da celebração mundial por tudo que representa o Continente berço da humanidade pois, tudo começou
curiosamente aqui, como sublinhou na ocasião F. Kodjo, Célebre Ensaísta e Cineasta Burquinabê,
Assim grosso modo, o 24 de Janeiro, encarna uma tripla dimensão: é considerado pela UNESCO como “ dia da cultura Africana e dos Afrodescendentes”; pela União Africana- UA, como “ o do renascimento cultural de África”, e pela ONU como “ dia Internacional de cultura Africana.” Infelizmente, alguns países Africanos, como Angola e outros, apáticos mais uma vez, deixaram passar em branco a efeméride principalmente, o 16º aniversário de aprovação da Carta do seu
renascimento cultural de cuja data, a própria UA instituiu.
Atencioso como sempre, acompanhei com satisfação, a mensagem do Presidente Félix Antoine Tchissekedi Tchilombo (FATCHI) da RDC e Presidente em exercício da União Africana, divulgada na ocasião para anunciar a data e pedir aos países Africanos o cumprimento escrupuloso do estipulado na Carta e na Agenda 2063.
Estando a refletir, aproveitando a deixa, sobre a África que queremos e o legado para as novas gerações, recordei me de três acontecimentos importantes, sumamente opostos, ocorridos no dia 24 de Janeiro em anos e contextos diferentes, que merece a nossa reflexão:
-
A alternância pacífica do poder como premissa para a paz social
– No dia 24 de Janeiro de 2019, enquanto a ONU realizava a Jornada Mundial da Cultura Africana (JMCA) em Nova Iorque, na República Democrática do Congo (RDC) simbolicamente, o dia marcava pela 1ª vez desde a proclamação da Independência do país 59 anos depois, a 1ª alternância pacífica do poder; Joseph Kabila Kabange (JKK), passava o leme ao seu Sucessor Félix Antoine Tchissekedi Tchilombo (FATCHI) para a condução dos seus destinos, inédito exemplo legado à prosperidade.
2- O respeito escrupuloso das constituições e do cumprimento das promessas eleitorais.
-No dia 24 de Janeiro de 2022, enquanto eu aguardava no meu cantinho que, os Africanos comemorassem com júbilo, pompa e circunstância a tripla dimensão da data; eis que, as agências noticiosas ocidentais acreditadas nos nossos países (sempre os primeiros) anunciam, a amotinação dos Militares e posterior tomada do poder no Burkina Fasso, alegando a incapacidade do Governo em combater os grupos Islâmicos Jihadistas no Norte e Nordeste do País. O Presidente Roch Marc Christian Kaboré, é preso com parte dos seus Colaboradores, e encaminhado ao quartel militar de Sangoule Lamizana em Ouagadougou, estando até a data, sob custódia da Junta militar no poder.
Deixe uma resposta