A batalha de Ambuíla / Mbwila

 

Por João Nogueira Garcia

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Fazem ( 29 de Outubro ) hoje 346 anos desde que ocorreu a célebre batalha de Ambuíla que marcou o início do fim do Reino do Congo como estado independente.

O local da batalha do Ambuíla não está perfeitamente definido no terreno, admitindo-se que tenha tido lugar no Vale do Rio Luege, na zona onde existiu desde tempos muito remotos o povo e sanzalas do Dembo Ambuíla que se julga corresponder à actual serra Ambuíla, já na zona do Quitexe. Na periferia desta serra estava instalada a fazenda Alegria cujos trabalhadores encontraram, por várias vezes, armamento antigo.

Contava-se, no tempo colonial, a anedota do chefe do posto de Nova Caipemba. Quem então mandava, lembrou-se de fazer um monumento a comemorar a batalha e o chefe de posto foi encarregado de o colocar no local. Como a lucidez já não seria muita mandou os ajudantes largar a coisa onde melhor lhe pareceu. Assim ficou uma placa junto ao campo de aviação de Nova Caipemba dizendo que naquele local se travou a batalha. E ainda há pouco tempo a administradora do município de Ambuíla, Elisa Mafuta, reclamava a construção de um memorial no local da batalha, naquela localidade, “onde foram mortos milhares de angolanos em vários períodos, com destaque para a Batalha de Ambuíla, em 29 de Outubro de 1665″…

Nos textos que se seguem vamos proceder à descrição da batalha com base e com transcrições do livro “A Batalha de Ambuíla”, Gastão Sousa Dias – Lisboa, Museu de Angola, 1942 e com apontamentos dos livros ” História do Congo Português”, Hélio Esteves Felgas – Carmona, 1958, “História de Angola”, Norberto Gonzaga – CITA, 1963, “História de Angola”, Douglas Wheeler e René Pélissier.

As dificuldades provenientes da guerra entre Portugal e Espanha, exigindo o aproveitamento de todos os recursos metalúrgicos, levaram D. Afonso VI a escrever, em 22 de Dezembro de 1663, uma carta ao governador-geral de Angola Vidal de Negreiros, ordenando-lhe que tomasse posse das minhas de cobre que, pelo tratado de paz de 1649, o rei do Congo era obrigado a ceder a Portugal.

Vidal de Negreiros

No início de 1661, tinha falecido o velho rei Garcia II. Sucedeu-lhe seu filho D. António I, Nvita-a-Nkanga, marquês de Kiva. O Rei do Congo D. António respondeu negando a existência das minas e dizendo “posto que as houvera, não as devo a nenhum”. Seguem-se diligências de parte a parte com intervenção dos representantes do Cabido e Clero do Congo, mas ambos os lados se aprontam para a guerra.

Recepção do rei do Congo aos capuchinhos

Vidal de Negreiros prepara o seu exército para o combate e D. António responde apelando à mobilização geral dos seus súbditos com uma inflamada proclamação: “… que toda a pessoa de qualquer qualidade que seja (…) capaz de poder menear armas ofensivas (…) se vão alistar para saírem a defender as nossas terras, fazendas, filhos e mulheres, e nossas próprias vidas e liberdades, de que a nação portuguesa se quer empossar e senhorear”.

O exército português tinha ordem para ir ocupar as minas situadas no outeiro do Embo. Seguiria por Cazoangongo, em direcção às terras do Dembo D. Francisco Sebastião, e daí, atravessando o rio Dande, caminharia entre os Dembos deMutemoaQuinguengo e Ambuíla, para depois prosseguir a suamarcha entre Coxi e Ambuela, ondese informaria da situação do Outeiro do Embo. Era comandado por Luis Lopes de Sequeira, cabo de guerra, natural de Luanda. Chegaram ao rio Zenza, com uma força de 200 homens armados de arcabuzes, levando consigo duas peças deartilharia. Ali se juntou a chamada“guerra preta”, constituída por quilambas, jagas e escravos dos portugueses e sobas fieis. Mas receoso que as suas forças fossem insuficientes pede reforços aLuanda recebendo mais 100 homens bem armados e municiados mas “os mais deles reformados e soldados velhos”.

O exército português seria assim de 360 mosqueteiros portugueses e de 6a 7 mil negros. Estes últimos tinham sido escolhidos entre gente com prática de combate e especial aptidão para a guerra, como os Imbangalas. 

 Entretanto do outeiro do Congo partira o rei com o grosso das suas forças, que iam aumentando à partida que se deslocavam. Ao seu lado encontravamse o Duque de Bamba, capitão general das forças congolesas, o poderoso Conde de Sonho, os Duques de Bata e de Súndi, os Marqueses de Bumbi e de Pemba e outros vassalos fidalgos, ao todo uns cem mil homens, conforme o cálculo dos cronistas da época (HistóriaGeneral das Guerras Angolanas, António Oliveira de Cardonega), que provavelmente pecam, largamente, por excesso. O exército do Rei do Congo teria, ainda, cerca de 300 mosqueteiros, 29 dos quais, portugueses, liderados por Pedro Dias Cabral.

 Caminhava o exército do rei do Congo ao encontro das tropas portuguesas, quando a cerca de 80 léguas da sua corte, teve conhecimento da proximidade destas.

A vanguarda, constituída por cerca de vinte mil homens, directamente comandadas pelo Duque de Bamba, remetese ao ataque. Eram nove horas da manhã do dia 29 de Outubro de 1665. O quadrado português, em fileiras dobradas, apoiava uma das faces num bosque, no lugar de Ulanga, junto das pedras de Ambuíla, no alto Loje. À aproximação das massas inimigas, precedida de densa poeirada que escurecia o horizonte, começou a manifestarse na “guerra preta” portuguesa, que constituía asavaadas uma grande inquietação. Aos primeiros contactos cerca de4000 negros puseramse em fuga.

Quando a onda da vanguarda inimiga chegou ao alcance, o fogo do quadrado rompeu. Em face da seguraa do tiro, a onda humana queavaava hesita, detêmse e recua em confusa gritaria. A frente do quadrado estava juncada de centenas de mortos e feridos.

O rei do Congo ao saber da derrotainveste com o grosso das suas tropas. Os portugueses, na folgaque se sucede à luta, restabelecemas sua fileiras e reabastecemse demunições.

Agora a poderosa linha queavaava, envolta em nuvens depoeira, desenhavade longe um movimento envolvente das tropas portuguesas, de larga envergadura. Guiando e impulsionando essa mole humana, vinha o próprio rei, cujafigura alta e forte, se destacavamajestosamente acima dos guerreiros. O quadrado português consegue manterse organizado e vai resistindo às sucessivas vagas “granizando balas e centilhando fogo”.

O próprio rei, embraçando umaadraga e armado de espadacortadeira e cercado da melhor nobreza do Congo atirase à luta.

 Em volta dele, na confusão da refrega, desenhase um agitado remoinhode corpos em luta: mal ferido por uma bala perdida, o rei tombara por terra e tentava erguerse. Para esse ponto, onde a juventude congolesa se batia heroicamente em defesa do rei, converge, por instinto, o fogo do quadrado. E de repente, um quilamba das tropas portuguesas, que conseguira aproximarse do rei ensanguentado, vibralhe um golpe,degolando o monarca. A sua cabeça é espetada e erguida ao cimo dumalaa alta. O desânimo e o pânico gerado arrasta na fuga o exército congolês.

 Em sua perseguição, laamse os negros fieis aos portugueses e, pelanoite foraa batalha durara 6 horas – nos longes da planura a carnagem prolongase em cenas de sanguinária ferocidade.

 Tinham tombado no campo da batalha e depois na perseguição para cimade cinco mil negros congoleses, dos quais 98 titulares e mais 400 fidalgosde outra nobreza; tinham caído nas mãos dos portugueses um filho bastardo do rei e mais dois do seu irmão Afonso, o seu camareiro e o seu confessor, Padre Manuel Rodrigues, e o seu capelão, Capuchinho Padre Manuel Reboredo, ficara morto no campo. Entre a considerável massa dedespojos figurava uma grande carruagem com malas cheias de panos valiosos e dois contadores com jóias e outras peças em oiro. Mas a peçamais importante seria a coroa imperial de prata dourada oferecida ao rei Garcia II pelo papa Inocêncio X em 1648, que foi depois remetida parLisboa.

Em Luanda ainda se mantem o largo com o nome do herói português da Batalha de Ambuíla

Luiz Lopes Sequeira, ilustre cabo de guerra, crioluo, natural de Luanda, filho de Domingos Lopes deSequeira, que em 1643 fora a Portugal pedir socorro para os defensores de Massangano e que, regressando a Angola, com este socorro veio a morrer massacrado peloa jagas, em junho de 1645, quando à testa da guarda avaada dessa coluna, demandava o rio Cuanza. Depois de vencer o rei do Congo em Ambuíla, Luiz Lopes Sequeira dominou o rei de Dongo nas Pedras de PungoAndongo (29/11/1671) e, ainda o rei de Matamba, caíndo morto nesta última acção (4/09/1681)

 

Todos estes despojos foram levados para Luanda, onde chegaram a 5 de Dezembro, incluindo a cabeça do Rei que para o efeito foi salgada e encerrada num cofre de veludo preto.

No dia seguinte realizou-se um solene funeral com “um honrado e ostentoso acompanhamento, com toda a irmandade da Santa Misericórdia de que era irmão o rei na cidade de São Salvador, clerezia e religiões, indo no acompanhamento o Governador, o Senado da Câmara, cidadãos e moradores, com todos os capitães e gentes de guerra (História General das Guerras Angolanas, O. de Cardonega). Chegando à praia, embarcaram a urna com a cabeça do rei, acompanhada por todos os religiosos, Governador e outros seculares, enquanto os populares e militares caminhavam por terra até à ermida de Nossa Senhora da Nazaré.

Dobravam funebremente os sinos da cidade.

Nesta Igreja ficou, finalmente, sepultada a cabeça de D. António Manimulaza, Rei do Congo.

Quanto às minas, depois de ocupadas, veio a confirmar-se que o minério era “verde, de cor do verdete e não mostrava em si coisa que luzisse”. Os antigos tinham razão quando negavam a existência de ouro no Congo e afirmavam apenas existir cobre.

As minas mais conhecidas eram as de Bembe. Na realidade só em 1856, depois do estabelecimento na região de um presídio, é que estas minas começaram a ser exploradas, mas sem grande êxito.

O principal documento iconográfico da batalha de Ambuíla consiste num belo painel de azulejos existente na capela-mor da Ermida da Nazaré, mandada construir pelo Governador André Vidal de Negreiros em 1664 em cumprimento de um voto à Virgem, feito possivelmente durante um temporal ocorrido na sua viagem para Luanda.

 No painel da capela-mor está representado , ao centro o quadrado das forças portuguesas resistindo ao envolvimento do exército congolês. Na diagonal do quadrado duas peças de artilharia vomitam fogo. O rei, à frente do seu exército, de manto e coroa real conduz os seus ao assalto.

Esta ermida foi o primeiro edifício a ser classificado como Monumento Nacional em 1922.

Depois da batalha, São Salvador (Mbanza Congo) foi à ruína com as linhagens nobres fugindo das guerras sucessórias para outras províncias.

Cada chefe local cercou-se de um grupo de auxiliares, reproduzindo nas províncias a estrutura da corte real e escolhendo seu sucessor. As rivalidades entre as linhagens provocaram guerras permanentes que empobreceram a população em consequência de recrutamentos forçados, destruição de plantações e escravização dos derrotados, vendidos para os comerciantes de Luanda ou para a Loango dos mercadores.

Nsoyo, a mais forte província, cuja capital teve a população dobrada entre 1645 e 1700, quando contava com cerca de 30.000 habitantes, desenvolveu-se muito nesse período, beneficiando dos escravos trazidos de São Salvador, em ruínas.

No entanto, a crise política, qualificada por alguns como verdadeira “anarquia”, tomou conta do reino congolês. Entre 1665 e 1694, houve nada menos do que 14 pretendentes à coroa do reino, alguns com sucesso, outros nem tanto, e muitos deles assassinados.

Fonte: www.quitexe-historia.blogs.sapo.pt

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