Por Rui Ramos
Filipe Nsiku Ndofula Paulo, 29 anos, filho de Afonso Balakolele Paulo, enfermeiro e professor, e de Juliana Luvuvamu, camponesa, natural de Damba Luzuanda, província do Uíge, reside desde 2001 em Luanda, no município de Cacuaco.
“Tive a graça de nascer num berço cristão, com um pai evangelista, dedicado a missões eclesiásticas, e mãe diaconiza, labutando sempre juntos para a educação dos filhos e o cuidado dos fiéis.”
Aos 11 anos, em 2001, época de intensa guerra civil, Filipe Nsiku Ndofula Paulo partiu em companhia da sua mãe grande (irmã mais velha da mãe) numa longa viagem a pé que durou uma semana, de Zongo Kimata-Damba para Benvindo-Uíge.
Na inexistência de meios e vias de transporte, a viagem efectuou-se com os pés descalços por não ter sapatos, com destino a Luanda-Cazenga-Mabor.
“Com a frequência da 4ª classe deixei os meus pais na Damba para viajar até Luanda, para dar sequência à formação académica.”Já em Luanda, e nas mãos do tio, Filipe Nsiku Ndofula Paulo viu o ano terminar sem fazer a 4ª classe. No ano seguinte, o tio matricula-o na explicação Maxi Weber, no bairro dos Combustíveis, para repetir a 4ª classe, mas sem pagamento de matrícula, porque em casa não havia qualquer rendimento.
Filipe Nsiku Ndofula Paulo continuou a estudar, apesar do acumular da dívida das propinas e era por isso frequentemente expulso das aulas. Termina o 2º trimestre “mesmo com a velha dívida não reduzida nem um centavo”, no terceiro trimestre já não podia aguentar a vergonha e decide conversar com o tio.
“Meu tio, pedreiro, respondeu-me: Nsiku, tenho mil kwanzas no bolso. O que acha, não tem comida em casa e você não está a estudar por causa da dívida, pagamos os mil na escola onde não fará diferença ou compramos comida?” Filipe Nsiku Ndofula Paulo respondeu: “Compramos comida”. Satisfeito, o tio disse “muito bem”.
Daí, perdeu o caminho da escola, passando a ajudar pedreiros que construíam uma casa na vizinhança, por quase 6 meses.
Devido à crise que a família vivia como resultado do fracasso do trabalho do tio, Filipe Nsiku Ndofula Paulo é acusado de feiticeiro, que “atrasava o desempenho profissional do tio”.
Para sustentar a casa passa a vender água fresca no mercado do Kikolo. O tio comete então agressões físicas, verbais e morais contra Filipe Nsiku Ndofula Paulo, que passou noites ao ar livre tendo como lençóis sacos de cimento molhados pela chuva, por não poder entrar em casa. O ambiente já não era favorável à coabitação e Filipe Nsiku Ndofula Paulo vai morar com a mãe grande, cujo filho mais velho o matricula no Colégio 8 de Novembro-Chandovava para fazer a 5ª classe.
Filipe Nsiku Ndofula Paulo faz uma formação de enfermagem mas o posto de saúde fecha e em casa já nem sequer há roupa para vestir, e o irmão mais velho mete-o numa oficina de bate-chapas. Filipe Nsiku Ndofula Paulo continua a frequentar a 5ª classe com sucesso apesar da enorme distância de casa, saia antes das 6h00 e às 7h30 tinha de estar na oficina, saía da oficina às 13h00 seguia a pé até ao colégio e às 18h00 rumava a casa.
Não aguentando mais, furta dinheiro à irmã para investir na profissão de fotógrafo mas é apanhado e expulso de casa da mãe grande. Cinco anos depois de se tornar bate-chapas, cria uma pequena oficina, que deixa em 2007, para se dedicar à docência no colégio Dizolele Isaac. Com o dinheiro ganho, pagava as propinas no colégio Rody na Mabor e finaliza o ensino médio em Ciências Económicas e Jurídicas, em 2010.
A vocação chamava Filipe Nsiku Ndofula Paulo para professor mas, sem formação adequada não tinha como, mesmo assim ele tornou-se alfabetizador privado de crianças, com apenas a 4ª classe.
Um pastor da IEBA, Cosmo Kimino Macuala, custeou então a formação do ensino médio de Filipe Nsiku Ndofula Paulo, de 2008 a 2010. Com a frequência da 10.ª classe, começa a leccionar em escolas privadas do bairro Mabor-Cazenga e com as poupanças faz formações em Contabilidade Financeira, Gestão de Recursos Humanos, Pedagogia, Relações Pública e Marketing, Secretariado Geral, Informática, Gestão e Administração de Empresas. No ano de 2011 integra a ONG Ajudeca, com projectos sociais na Lunda-Norte em parceria com as Embaixadas do Reino Unido e dos EUA e a União Europeia, e gradua-se em Liderança Cívica pela UNISA (University of South Africa).
Actualmente é director executivo da AMC-Associação para a Mulher e Criança, alfabetizando senhoras e crianças a custo zero, apoia o Centro de Acolhimento Não Há Órfãos de Deus, no Zango 4, que trabalha com crianças de rua, e criou a “Escola Comunitária Longa Mu Kula”.
Via JA
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