Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).
Introdução.
Segundo as tradições indígenas e alguns documentos do século XVII nelas baseados, o estabelecimento dos Congueses na região que hoje ocupam, e que já ocupavam no tempo da descoberta, deve datar do final do século XIII.
Quando Diogo Cão aportou ao Zaire, em 1482, entrou logo em contacto com a gente da terra. O chefe daquela região ribeirinha, denominada de Soio ou Sonho, era dependente de um outro mais poderoso que vivia no interior, numa povoação denominada Mbanza Kongo. As relações foram tão amistosas que Diogo Cão, de acordo com aquele chefe, conseguiu trazer para Lisboa alguns indígenas e deixou em terra alguns portugueses para explorarem a região. Passadas quinze luas, como havia prometido, voltou novamente ao Zaire e com ele regressaram os pretos que havia trazido. Vestiam à europeia, já falavam o português e contavam maravilhas do que haviam visto e da forma como tinham sido tratados. Os marinheiros que haviam ficado no Zaire e que se tinham internado até Mbanza Kongo, a fim de conhecerem o respectivo chefe e lhe oferecerem presentes em nome do rei de Portugal, também ali tiveram óptimo acolhimento.
Assim se iniciou pacificamente, sob o signo da mútua confiança, o longo processo de contacto que, com maior ou menor intensidade, se havia de manter até aos nossos dias. Com Diogo Cão vieram para o reino mais indígenas, alguns da família do chefe principal, que nós passámos a tratar por rei do Congo, e que em Lisboa foram instruídos, educados e baptizados.
Em 1490 segue para o Congo uma verdadeira expedição, de carácter inteiramente pacífico e cujo fim primordial era estabelecer mais fortes relações de amizade com o rei do Congo e iniciar a evangelização e a valorização da terra e das gentes.
Dessa embaixada faziam parte fidalgos, missionários e artífices, não faltando também mulheres para ensinarem as da terra a amassar o pão. Satisfazia-se o desejo do rei, que, por intermédio dos primeiros portugueses que o visitaram, havia solicitado o envio de missionários e também de “Mestres de Carpentaria, e de Padraria pêra fazerem Igrejas, e outras Casas d’Oraçam, assim como as havia nestes Regnos: e também lhe enviasse Lavradores pera amassarem bois, e lhe ensinarem o proveito, e culto da terra. E assi lhe mandasse alguns molheres pêra ensinarem aas do seu Regno amassr pam, porque folgaria, que com toda a possibilidade, seus Regnos de Portugal “.
Com esta embaixada regressaram também os indígenas que se encontravam em Lisboa.
Depois de uma pequena estadia no desembarcadouro do Zaire, durante a qual foi baptizado o chefe local, com o nome de D. Manuel, seguiu a expedição civilizadora para a Mbanza real. Foi recebida com entusiasmo indescritível e iniciou logo a sua acção. Passado pouco tempo, foi baptizado o rei, que recebeu o nome de D. João.
Decorrido algum tempo, como era fatal, o rei do Congo e muitos dos seus súbditos começaram a verificar que o modo de vida imposto pela nova religião não se adequava aos padrões tradicionais da cultura local. Decresceu o entusiasmo e entra-se até numa fase de hostilidade, mais ou menos declarada, contra os missionários. Quase todos abandonaram o Mbanza Kongo e começaram a catequizar no interior. Alguns seguiram para a região de Nzundi, chefiada por um filho do rei e que, mais tarde, lhe veio a suceder, após sangrentas lutas com um irmão, chefe dos elementos conservadores da população que regiam contra a modificação dos costumes ancestrais imposta pela nossa religião.
Entretanto toda a população mantinha cordiais relações com os portugueses que se dedicavam ao negócio e que, a troco de marfim, panos de fibra de palmeiras, peles finas e manilhas de cobre, iam introduzindo mercadorias da Europa. Estas relações eram naturalmente aceites pela generalidade da população, porque, além de não violentarem os traços fundamentais das suas instituições, lhes proporcionavam a oportunidade de entrarem na posse de tantas maravilhas que fascinavam as suas imaginações e de alguns artigos realmente úteis.
Com a subida ao poder do novo rei, que recebeu o nome de D. Afonso I, o contacto entre as duas culturas em presença entrou num período da sua maior pujança. Este chefe indígena era dotado de admiráveis qualidades de receptividade e, tendo-se convertido ao Cristianismo e estando plenamente conquistado pela superioridade da cultura portuguesa, queria transformar integralmente a fisionomia do seu reino, fazendo dele um retrato fiel do reino de Portugal.
Como verificaremos noutros passos deste trabalho, os seus intuitos não foram atingidos, porque a cultura de um povo não se pode transformar na curta duração de uma existência humana, não pode abandonar os seus padrões e substitui-los pelos de outra muito diferente e, em certos aspectos, antagónica.
Além disso empregou a violência, como veremos mais adiante, para fazer desaparecer as práticas e os símbolos religiosos tradicionais. Disso resultou, como não podia deixar de ser, uma reacção intensa por parte da grande maioria da população e talvez até um efervoramento das crenças antigas, como tantas vezes tem acontecido em situações idênticas.
Foi durante o seu longo reinado (1506 – 1543) que D. Manuel I enviou ao Congo Simão da Silva para lhe servir de conselheiro e o ajudar a governar os seus domínios segundo o molde português. Nesta época pretendia-se estabelecer entre os dois reinos uma aliança, sem haver da nossa parte um intuito de conquista ou de ocupação militar. O presolitismo que animava os nossos reis queria transformar a precária organização política que encontráramos no Congo num reino civilizado que servisse de baluarte do Cristianismo e de base da futura expansão do Reino de Cristo a todo o continente africano, constituindo ao mesmo tempo uma zona de expansão natural para o nosso comércio. Desejáva-se estender à África a Respublica Christiana.
O Regimento dado por D. Manuel I a Simão da Silva, no qual se davam instruções completas e minuciosas sobre a maneira como deviam ser conduzidas as relações com o reino do Congo, constitui um admirável documento pelo qual se pode avaliar o espírito que orientava a actividade colonizadora de Portugal. Era o puro colonialismo missionário, baseado na ética cristã, que pelos séculos fora viria a caracterizar sempre as nossas relações com os povos atrasados.
Ultrapassaríamos a finalidades deste pequeno esboço histórico se nos detivéssemos na apreciação deste Regimento. A ele nos iremos referindo, na sequência do trabalho, sempre que seja oportuno ou necessário.
Após a morte de D. Afonso, a intensidade da acção civilizadora decresceu bastante, não só por os seus sucessores não possuírem qualidades que se comparassem com as suas, como também por termos de atender à colonização de outros territórios, sobretudo do Brasil. Além disso, íamo-nos compenetrando de que a transformação integral e rápida das instituições locais era uma miragem irrealizável.
Continuou a evangelização, com altos e baixos na sua intensidade e até entremeados por soluções de continuidade, e mantiveram-se as relações comerciais, tanto nos centros principais como nos sertões. Imperava agora o tráfico de escravos, pois as plantações do Brasil demandavam abundante mão-de-obra. Como veremos a seu tempo, os reis reagiam contra certos abusos cometidos neste negócio, mas apenas contra abusos, porque a instituição da escravatura existia também na cultura local.
Porém, nunca abandonámos os reis do Congo e prestámos-lhes auxílio sempre que necessitaram para dominarem as frequentes rebeliões internas. Em 1570 salvámos o reino da queda fatal, ajudando D. Álvaro a expulsar os Jagas, povos vindos do além-Cuango, que o haviam invadido e conquistado.
Daí em diante o reino do Congo, pode dizer-se, deixou de existir como unidade política autónoma e ficou dependente de Angola, onde já nos estabelecêramos com fundas raízes.
Com dominação filipina abrandaram ainda mais as relações directas com Portugal. Os reis passaram e entender-se directamente com Roma no que tocava a evangelização e enviavam embaixadas ao Papa. De uma delas foi encarregado Duarte Lopes, a quem muitas vezes nos referiremos no decurso deste trabalho.
O Congo começa a decair. A sua diocese, a primeira de África Negra, criada em 1595-1597, passa a ter oficialmente a sua sede em Luanda em 1676, se bem que os respectivos bispos já nesta cidade vivessem desde 1625.
Durante a ocupação holandesa de Angola e no período que se lhe seguiu, houve revoltas no Congo contra o domínio português. Um dos seus reis, D. António, foi morto na célebre batalha de Ambuíla.
Ainda houve um período de intensa evangelização, enquanto as missões do Congo estiveram entregues ao Capuchinhos italianos, mas, no fim do século XVII, também estas entram em decadência.
O esforço português passou a incidir mais sobre outras regiões de Angola. Com o Congo mantinham ainda relações importantes os comerciantes portugueses que se aventuravam pelo interior ou que aguardavam nas feitorias do litoral a chegada das caravanas vindas dos sertões. Alguns missionários lá se encontravam também.
Ao longo de todo o século XVIII acentua-se a decadência da acção missionária, que quase se torna total em grande parte do século XIX. Neste período o Congo foi visitado algumas vezes por missionários, mas a sua acção foi quase nula, pois a permanência era curta e as visitas muito espaçadas. Só em 1881 se restaurou a missão de S. Salvador do Congo, que foi entregue ao grande missionário padre Barroso, que mais tarde veio a ser bispo do Porto. A sua acção foi meritória em todos os aspectos. Além dos seus trabalhos de evangelização, que foram importantes, contrariou a cação desnacionalizadora da missão protestante inglesa que antes ali se tinha instalado e que pretendia apagar os vestígios ainda bem vivos da influência portuguesa e o prestígio do nome de Portugal, que ainda estava bem vincado na tradição dos Congueses. Fomentou, além disso, a ocupação comercial de S. Salvador, convencendo alguns comerciantes dos portos fluviais do Zaire a montarem ali algumas feitorias.
A ocupação administrativa efectiva só teve início em 1887, com a criação do distrito do Congo por Decreto de 31 de Maio daquele ano, mas durante alguns anos foi muito precária. A criação do distrito, com sede em Cabinda, e a ocupação foram consequência da Conferência de Berlim. Quanto ao interior, passou a haver apenas uma residência em S. Salvador. Só em 1896 (Portaria provincial nº. 30 de 30 de Janeiro) se ocupou Maquela do Zombo, aliás a pedido da própria população indígena, que estava continuamente a suportar violências e extorsões dos soldados do Estado Independente do Congo. Por razões idênticas se criaram e ocuparam os postos di Cuílo e do Cuango, em 1899 e 1900, respectivamente. Nas a ocupação era precária e, fora das vistas dos postos, os chefes indígenas continuavam a cobrar impostos aos comerciantes portugueses que iam negociar ou que se estabeleciam nas suas terras. Algumas revoltas se davam, sobretudo nos povos da Damba, região que só veio a ser ocupada em 5 de Outubro de 1911. A partir do posto que então aí foi instalado, começou a fazer-se a ocupação do Sosso (actual 31 de Janeiro) e do Pombo (Sanza Pombo). No Bembe, após a sufocação de revoltas, foi instalado um posto em 1912. Nesse local existia um forte desde 1857, construído pelo primeiro ocupante da região, oficial da Marinha Baptista de Andrade, e que se destinava a proteger as minas de cobre que então entraram em exploração. Ainda se deram alguns levantamentos de indígenas, sobretudo na Damba, Pombo e Cuango, e só em 1918 o distrito do Congo ficou totalmente pacificado.
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