Com o intuito de aprofundar o debate sobre a origem dos Ovimbundu, vamos apresentar, a partir de hoje, opiniões de diversos autores que se debruçaram sobre este grupo étnico. Começaremos por apresentar a obra de Hambly, Wilfrid Dyson,” The Ovimbundu of Angola”, escrita em 1934.
Chamamos não obstante a atenção dos nossos leitores ao facto de que as ideias de cada autor a ser analisado não convergem necessariamente com as nossas, mas que nos dão algumas pistas para pesquisas a realizar na área da História e da Antropologia.
Os Ovimbundos de Angola
O objectivo deste capítulo é o de sistematizar a literatura sobre Angola datada do ano 1500 depois de Cristo até aos nossos dias. Tais obras falam de movimentos tribais que poderão dar alguma luz, quer sobre a origem dos Ovimbundu, quer sobre a data das suas migrações desde os planaltos de Benguela. De acordo com a tradição, existe uma unanimidade no que diz respeito ao facto de este grupo étnico ter vindo do Nordeste, tendo como referência o local onde se encontram. No entanto, é uma ideia que ainda carece de mais justificações históricas. A palavra Ovimbundu (pessoas das névoas ou do nevoeiro)[1] talvez se justifique pelo facto de o planalto de Benguela se cobrir, durante as madrugadas, por névoas muito densas o que, provavelmente, concordaria com o termo Ovimbundu.
Se há uma evidência histórica a favor da ideia de os Ovimbundu serem originários da região norte e nordeste de Angola, o que corresponde às condições etnológicas destas áreas, importa então saber quando foi que os Ovimbundu se separaram da matriz dos grupos étnicos angolanos que habitam mais a Norte de Angola. Por outras palavras, que elementos culturais terão vindo com os Ovimbundu aquando da sua chegada aos planaltos de Benguela (…)?
Os contactos entre os Ovimbundu e os portugueses constituem um aspecto de suma importância como parte desta investigação histórica. Quando e onde se processou o contacto entre os portugueses e os Ovimbundu e que resultados teve esse contacto para a cultura indígena?
(…) É pertinente perguntar até que ponto as observações etnológicas de viajantes e os exploradores confirmam ou contradizem as informações anotadas por mim, ou seja, as minhas observações pessoais. Provavelmente, as notas etnológicas obtidas de fontes históricas servirão não só para confirmar meu trabalho de campo, mas também para entender o local onde ocorreram os aspectos culturais importantes que eu notei em 1929.
A literatura que descreve a história e os costumes angolanos é aqui apresentada sob a forma de uma bibliografia cronológica para enfatizar os aspectos que afectam o propósito desta análise histórica. A apresentação fragmentada dos dados poderá ser uma consequência inevitável da natureza da bibliografia utilizada. Foram feitas observações, não durante um espaço de tempo regular, mas sim com intervalos de tempo muito irregulares. Em consequência, as obras da maioria de observadores não foi feita com um fim especificamente etnológico. Os exploradores mais recentes tiveram inicialmente a propensão de misturar os aspectos históricos e etnológicos, sendo, as suas notas constituídas, como tal, por um grande material descritivo relativo a incidentes de viagem, à vida animal, e a observações meteorológicas.
(…) Os portugueses entraram no Congo em 1482 sob a liderança de Diogo Cão (E. G. Ravenstein, As Viagens de Diogo Cão, Geog. Journ., 1900, pp. 625-649) tendo, a partir daí, crescido a sua influência política e religiosa ao longo da costa do Congo. Gradualmente, os portugueses estabeleceram-se na costa de Angola. Paulo Dias fundou Loanda em 1576, e, aproximadamente, onze anos depois construiu o forte de Benguela.
No ano de 1590, os portugueses, para penetrarem no interior de Angola, guerrearam com os Jagas, uma tribo do norte que colocara Andrew Battell em cativeiro, tendo-o convertido, inclusivamente, num honrado prisioneiro usado para liderar o combate contra os portugueses. Todos os nativos do Norte de Angola foram importunados, e mesmo explorados, pelos Jagas.
Em 1645, foi enviada uma expedição portuguesa, com fins punitivos, para o interior do Bailundo que, na altura, era o maior centro de onde partiam caravanas de comerciantesUmbundu[2] e traficantes de escravos para a África Central.
Caconda, no Sudoeste de Angola, foi fundado em 1682 e, um século depois, a cidade litoral de Moçâmedes tornou-se num ponto de partida para a exploração do Rio Cunene. (Para os detalhes da penetração portuguesa em Angola veja Bibliografia: T. E. Bowditch; R. F. Burton; E. G. Ravenstein; T. Lewis.)
Quando os portugueses chegaram ao Congo, no fim do século V, entraram em contacto com o rei de Congo, que governava com grande pompa e circunstância em Ambassa, a 150 milhas no interior, localidade que passou, a partir daí, a ter a mesma importância para os portugueses como São Salvador.
O antigo reino do Congo era composto por seis clãs fortes, que rivalizavam entre si, procurando tirar partido da presença dos portugueses para fortalecer a posição política e comercial de cada um. O tráfico de escravos foi considerado tão nobre quanto lucrativo, e não há nenhuma dúvida de que a Igreja tenha participado activamente nesse tráfico (o T. Lewis, O Velho Reino de Kongo, Geog. Journ., 1908, pp. 598-600).
A Influência política dos portugueses através dos padres Jesuítas, permitiu criar facções no Império de Congo, e as perturbações resultantes causaram movimentações de populações que afectaram todo o Norte de Angola e os povos do planalto de Benguela.
A penetração portuguesa no interior de Angola, especialmente de Loanda para o Bié, visava dominar as tribos nativas, o estabelecimento de postos comerciais, assim como estimular o tráfico de escravos (S. Marquardsen, Angola, 1928, pp. 6-10).
A importância dos portugueses como aliados das caravanas dos Umbundu do Bié” era para providenciar armas e pólvora aos nativos os quais retribuíam através de uma ajuda que ia para mais além da militar. Para responderem a demanda portuguesa, no que toca aos escravos e ao marfim, as caravanas dos “Umbundu” viajaram durante um longo período de tempo pela bacia do Congo, Rodésia, Sul e Sudoeste de Angola e, possivelmente, noutros pontos da África como o Lago Tanganica e Niassa. As armas obtidas através da troca de marfim e escravos ajudaram os Ovimbundu nas suas incursões predatórias. Assim, os Ovimbundu, depois de um contacto com os portugueses que durou séculos, foram encorajados a construir a sua sociedade na base dos recursos de que dispunham.
Os portugueses nunca foram suficientemente fortes para dominar completamente o Norte de Angola. De modo que tenham privilegiado, nas relações com os nativos, especialmente na região dos Ovimbundu do Bié, alianças assentes numa base comercial. O resultado político disto era a aliança dos portugueses com as tribos mais fortes para a exploração das mais fracas.
A etnologia histórica do Congo do Sudoeste é tão complexa que os elementos são difíceis de serem analisados. O número de tribos afectadas é grande, e os seus movimentos não são fáceis seguir; mas uma deslocação gradual das pessoas do Congo para o Sudoeste, em direcção à Lunda e aos planaltos de Benguela (1600-1800), parece ser a consequência de todo esses conflitos.
Eu considero os Ovimbundu como uma dessas vagas de pessoas, que através de uma forte disciplina, conseguiu fazer do Centro de Angola o seu ninho, apesar da mais recente oposição dos portugueses.
Fonte: HAMBLY, W.D. (1934). The Ovimbundu of Angola. USA. Chicago Museum Press.
Tradução de Mbela Issó..
(1) – O autor deveria estar a referir-se ao sufixo Mbundu que significa neblina ou nevoeiro, uma vez que o prefixo Ovi se refere ao povo ou pessoa. Literalmente, Ovimbundu traduz-se por: ” povo das névoas ou da neblina”.
(2) – Deve entender-se por Ovimbundu, uma vez que, o que o autor confunde, Umbundu é a língua deste povo.
Deixe uma resposta