ADEUS TSHALA MUANA, A “RAINHA” DE MUTUASHI

Por Sebastião Kupessa “Muana Damba”

A Rumba-kongolesa modena, não obstante da sua importância no coro, dá pouco espaço nas vozes femininas, reduzidas a decorar óbitos, cultos religiosos, cerimónias tradicionais, animações revolucionárias no período de mobutismo, etc. Para ter sucesso neste universo implacável, muitos artistas femininas foram enquadradas pelos homens como Licie Moseka Eyenga, no African Jazz; Mbilia Bel no Afrisa-Inter; Miryam Jolie Detta no Ok Jazz e Choc-Stars; Munkangi Déese no Anti-Choc e Mpongo Love no Tcheke-Tcheke-Love do saxofonista Empompo Loway. Como conseguir atingir o zénite em suas carreiras, de modo independente, utilizaram subterfúgios para chegar a uma celebridade, se a memória nos permitir, citamos apenas duas: Abeti Masikini e Tshala Muana. Para se fazer conhecer,Tive que sair do Zaire (antigo nome da RDC) e utilizaram tradições e línguas originárias, swahili para a primeira e cultura Luba para Tshala Muana (evitando ambos lingala, a língua oficial da Rumba africana). Esta última é famosa por ter modernizado e dado suas cartas de nobreza ao folclore do povo Luba, o Mutuashi, cujas origens provavelmente remontam ao período da idade média. É por isso que foi apelidada de “Rainha de Mutuashi”.

Elisabeth Tshala Muana Muidikayi, nasceu a 13 de maio de 1958 em Elisabethville (atual Lubumbashi), com parentes naturais de Kassai, na sua parte ocidental. É a segunda de uma família de dez filhos. Ela é filha de Amadeus Muidikayi, soldado, e Alphonsine Bambiwa Tumba, doméstica.

Em 1964, com apenas 6 anos, perdeu o pai, assassinado em Watsha pelos guerrilheiros maoísta mulelista durante o período das cessões na RDC. Ela foi criada pela sua mãe, que morreu em 2005.

Frequenta o ensino primário em Elisabethville, sendo criança ainda, ela canta aos domingos na igreja de Kibembe, situada no campo militar, onde viviam. Em 1967, dois anos e meio após a morte do pai, mudou-se com a mãe para Luluabourg, hoje Kananga, capital do Kassai ocidental, ali terminando o ensino fundamental e parte do ensino médio. Como muitos jovens da sua geração, Tshala Muana está imersa na cultura musical da sua região, onde a música é um passa-tempo e ao mesmo tempo, um instrumento educativo, enquadrado nos rítmos e nas danças tradicionais.

O interesse outrora manifestado pela dança e música do seu Kasai, transformou-se na ambição de tudo fazer para que esta cultura que tanto preza, atravesse as fronteiras nacionais um dia. Aqui ela está deixando Kananga, a cidade de sua juventude, para Kinshasa, chamando na altura “a bela”.

Inicio desistiu de sua carreira em Kinshasa

Chegou a Kinshasa com 18 anos, precisamente em 1976, deixou-se seduzir pelas proezas dos jovens bailarinos que acompanhavam as grandes orquestras como Afrisa-Inter, OK Jazz. Foi uma vez das “Rocherettes” de Afrisa de Rochereau, das “Majorettes” do OK Jazz, as “Tigresses” do agrupamento musical “Les redoutables” de Abeti Maskini. Mas também se deixou seduzir pelas vozes dos ídolos femininos da música congolesa dos anos 1970, período em que reinavam Abeti Masikini e Mpongo Love.

Também se pode apoiar que o aspirante a artista Tshala Muana, estava atento aos ecos de outros espaços de lazer na cidade de Kinshasa naquela época. Estes espaços eram animados com músicas de tradição oral ou folclórica dos grupos étnicos das diferentes regiões do Zaire. Estas bandas tocavam ritmos e danças tradicionais específicas, recriavam e tocavam canções tradicionais, melodias e ritmos ancestrais antigos, graças à contribuição dos instrumentos tradicionais-modernos. Citam-se, por exemplo, os grupos folclóricos como: Balokin de origem lulwa, Kasai- ocidentais; Madimba do Kasai, de origem luba-lubilanji, Kasai-oriental; Basokin, Basonge de Kinshasa, de origem sonho, Kasai-oriental; Kintueni et Kintueni Sukisa, da origem yombe du Kongo-Central;Kibandanzila do Kwilu, Bandundu; Engundele de Mbuza, Equador; Lokombe, tetela, Kasai-oriental; Banimento’ Odeon » dos Teke-Humbu, Kinshasa; Mabele elisi dos mongos, Equador, Minganzi dos pendentes, Bandundu; Konono dos Zombo-Angola; etc.

Nessa mesma época, o lingala dominava a canção e a rumba congolesa em Kinshasa, mas a música folclórica urbana composta pelas canções em línguas vernáculas revivia como danças étnicas como o Zebola, Agbaya, Maringa, Nzango, Kebo, yombe, tshikuna, tetela, etc.

Elisabeth Tshala Mwana começou sua carreira musical em Kinshasa em 1977 como dançarina/corista, ingressando no conjunto Tcheke-Tcheke Love, do seu ídolo feminino Mpongo Love.

Pouco tempo depois, a bailarina Tshala Muana tenta, pela primeira vez a carreira-solo, trabalhando com Laurent Galans e Rachid King. Ela compõe duas canções em Tshiluba. Mas por razões supracitadas, os melómanos ignoram o termo pejorativo “muluba móvel”, designando uma mulher rural, subdesenvolvida luba. Fora do universo Lulua-Luba, as suas canções vão conhecer o fracasso.

Mais isso não vai desencorajar a dançarina e aproveitar, em 1978, participou num famoso concurso que tinha a intenção de caçar talentos musicais, organizado por Madiata Gérard, estrela congolesa do music-hall, patrão da orquestra Congo-Jazz, de onde saiu vitoriosa, como melhor revelação, e é recrutada pela Abeti Masikini como dançarina e corista, incorporando-a nas suas famosas « Tigresas », apesar dos dois discos do tamanho 45T já produzidos por ela.

Como já referido, Abeti tirou a sua inspiração de contos congoleses, música tradicional e folclórica; cantava em swahili, a sua língua materna, em lingala, depois em francês e inglês, como sinal de abertura ao mundo e para comunicar com um público cada vez mais heterogêneo que apreciava a sua música. É possível que Tshala Muana foi recrutada para introduzir o folkclore luba no seu repertório, de forma a diversificar o rítmo, no interior do seu país, num momemto em que o Zaire de Mobutu estava mergulhado na sua política de regresso às origens africanas.

No início dos anos 80, do século passado, o agrupamento Minzoto Wella Wella, que surgiu nas cinzas do Minzoto Sangela, grupo fundado pelo Padre Bufallo, dominava a música zairense, com a liderança do angolano Takinga, residente hoje no bairro Palanca em Luanda, abra pela primeira vez na história de Rumba Kongolesa, uma secção de teatro concomitante de um coro feminino, Tshala Muana é recrutada como corista-dançarina.

É fácil imaginar que o toque folclórico da música de Minzoto, dominado pela dança « Canetton » teria atraído Tshala Muana, mas, novamente, ela não conseguiu impor-se e então decidir tentar a sua sorte fora das fronteiras do seu país, viajar para África -ocidental e vai instalar-se durante alguns anos na Côte d’Ivoire, cuja capital, Abidjan, já foi considerada como capital da música africana em competição com Kinshasa, onde reinavam Sam Mangwana, Dizzy Mandjeku, Lokassa ya Mbongo, Nyboma , e Soki Vangu, todos de nacionalidade zairense.

O sucesso de Tshala Muana em Abidjan e em Paris

Ao contrário de Kinshasa, Tshala Muana explodiu musicalmente em Abidjan, produzindo a canção “Amina” que ela gravou em 1982. Em 1984 ela viaja para Paris, onde eventualmente gravaria 19 álbuns. Ela faz mais digressões mundiais apartir de Abidjan e quase onde quer que ela vá, ganha prêmios e troféus de música excepcional. Em 1987 vai aparecer no filme com o título “Falato”, como atriz secundária. Foi nesta altura que certos rumores vão atribuir-lhe relações amorosas com o presidente de Burkina Faso, Thomás Sankara e da estrela de futebol do PSG de Paris, o senegalês Jules Bokandé.

Em Abidjan, a artista congolesa Tshala Muana infunde a música congolesa com o “Mutuashi”, esta dança com um balanço sugestivo de tirar o fôlego. Seduz e conquista a “Costa do Marfim” e a África Ocidental, a coroação virá sobretudo dos seus espectáculos ao vivo, onde exibe toda a sua mestria artística como mulher de espectáculo, combinando a sua voz e dança, auxilhada pelo seu plástico magnífico, com exibição das suas curvas, com as ancas ondulantes e a vibração de todo seu corpo.

Durante três anos, os seus espectáculos ao vivo em estádios na Côte d’Ivoire e em países vizinhos inspiraram-se em lotação esgotada, apoiados pelos arranjos do artista ivoirense Jimmy Hyaçinthe e sobretudo do célebre congolês Souzy Kasseya. Para a maioria dos observadores e objetivos da música pan-africana, Tshala Muana começou a fazer parte do lote de artistas que apressaram a bandeira congolesa bem alto no tabuleiro de xadrez musical internacional.

Já, Tshala Muana, destaca-se como artista talentosa e impõe o “mutuashi”com muitas canções extraídas da tradição musical luba-lulwa e outras compostas em lingala. As convulsões da transição política iniciada em 1990 obrigaram-no a mudar-se para Paris. Com o apoio artístico de Jojo Kashama, Chico Mawatu e Bibi Den’s, ela trabalha arduamente e enriquece o seu repertório com vários títulos como Malu, Nguma yanyi ou Muamba e opta pelo Show-Business. A partir daí, ela lançará 19 álbuns e fará um périplo pelas principais cidades da África, Europa e América do Norte.

A partir dos anos 2000, Tshala Muana produz a sua própria música e, a partir de 2008, a de jovens talentos, nomeadamente MJ30, Jos Diena, Lula Tshanda e Boss Bossombo…

O regreso de Tshala Muana ao seu país

No regresso ao seu país em 1997, a intensidade da sua carreira musical reduz-se de intensidade, devido do seu interesse pela política, e mais uma vez, os rumores revelam a sua relação com o novo chefe de estado congolês, assassinado em janeiro de 2001, o que lhe obriga voltar à cena musical, ela é supervisionada, desta vez,  por seu empresário Claude Mashala e cria sua banda chamada Dynastie Mutuashi. Produz, ao longo da década, obras que lhe conferem ainda um grande sucesso e várias distinções sobre toda a extensão da R.D. Congo e fora das fronteiras nacionais. Graças a Dinanga (amor), Tshala Muana obtém a palma de melhor estrela feminina da R.D. Congo, em 2002, concedida pela Associação de Cronistas de Música Congolesa (ACMCO). Malu (problema), o seu 21° álbum gravado e produzido em Paris, devolve-lhe o seu antigo sucesso em toda a África, Europa e América do Norte e permite-lhe obter o prémio de Melhor Artista Feminina no Kora 2003. O álbum “Malu” (problema)  foi vendido a mais de 526.000 exemplares, segundo a casa de produção JPS, sem contar a venda efectuada pelos piratas. Depois dos seus concertos em Brazzaville e Pointe-Noire, no Congo, em 2004, é sagrada “Melhor artista feminina” no Benim, em 2005. O plebiscito obtido pelo duplo álbum que produziu em 2006, intitulado “Mamu Nacionale” (a mãe nacional) leva os amantes da música, jornalistas, simpatizantes e o grande público a chamar Tshala Muana de «Mamu Nacionale»

Tshala Muana “Rainha Kasa wâ Tshanda”

Além a música, a cantora Tshala Muana tem atrás de si uma história inscrita na tradição Luba- Lulwa, que vai permitir ser coroada entre os grandes chefes consuetudinários de Kasai.

Com efeito, ela foi entronizada “Rainha Kasa wâ Tshanda” no sábado 24 de março de 1990 em Kananga, pelos grandes chefes consuetudinários do grande Kassai. Durante a cerimônia, dois chifres de animal foram colocados em sua cabeça e recebendo igualmente dois cogumelos grudados desde o dia em que foram colhidos. Ambos os cogumelos completaram 15 anos no dia da cerimônia, e permanecem intactos até o dia da sua morte, 32 anos depois. Segundo a tradição, esses cogumelos são dados a uma pessoa que se distingue por seus méritos em um campo; esta é a primeira vez que eles foram dados a um artista.

Meta Sankulu foi a primeira mulher a receber esta honra em 1958 e Tshala Muana foi a segunda em 1990. Desde então, Tshala Muana tornou-se a “Rainha Kasa wa Tshanda”, que significa a bola dos magos. De agora em diante, vivos e mortos terão que apoiá-la em todas as suas ações e todos os chefes tradicionais deram a ela uma bênção fetichista que a apoiará por toda a sua carreira e toda a sua vida. Foi no final de sua digressão nos dois Kasaïs em dezembro de 1989 e em janeiro e fevereiro de 1990, durante a qual ela conseguiu convencer essas duas províncias com sua maneira de dançar o “Mutuashi” mais do que aqueles que estão lá no Kasaï, que os chefes tradicionais decidiram sobre o caso dela sem que ela soubesse. Após debate e deliberação, eles decidiram entronizar Tshala Muana, a verdadeira Rainha de Mutuashi.

Após esta indução, Tshala passou dois anos no exterior da RDC para produções teatrais na Europa e na África, a mais significativa das quais, foi a de 8 a 9 de maio no Zénith, a mítica sala de espectáculo de Paris. Em 24 de junho de 1992, ela foi aclamada como “Melhor Cantora Africana” e “Miss Africana” por ser a mais bela cantora africana. O júri concedeu-lhe uma medalha de ouro e uma taça.

Tshala Mwana e a política

Em 1997, a AFDL, a aliança política liderada pelo maquisard maoísta congolês, Laurent Désiré Kabila, substitui a longa ditadula de Mobutu no poder, permite a Tshala Muana voltar ao país após cerca de vinte anos em Paris, e se engaja na política, apoiada pelo presidente Laurent-Désiré Kabila, que a acolhe pessoalmente. Fundou a associação REFECO (Reagrupamento das mulheres congolesas).

De 2000 a 2002, foi deputada na ACLPT (Assembleia Constituinte e Legislativa do Parlamento de Transição).

Em seguida, tornou-se presidente da Liga das Mulheres do PPRD (Partido do Povo para a Reconstrução e a Democracia), partido político criado em 2002 pelo presidente Joseph Kabila, cargo que ocupa até o dia da sua morte. Em 2011, ela foi derrotada nas eleições na circunscrição de Kananga, a cidade de sua infância.

Desde o seu envolvimento político, Tshala Muana é uma cantora de sucesso de canções políticas e patrióticas.

Seu indefectível apoio ao presidente Joseph Kabila valeu-lhe a inimizade dos opositores do seu regime. Isso originou ao boicote político de seus concertos, sua última produção cênica em Paris foi em 2010.

Tshala Muana morreu em Kinshasa em 10 de dezembro de 2022.

Discografia

1984: material Mbanda
1985: Kami, Nasi Nabali e M’Pokolo
1987: O Divino e Antídoto
1988: Munanga e Biduaya
1989: O melhor de Tshala Muana
1992: Yombo
1993: Elako
1994: Ntambué
1996: Mutuashi
1997: Katsha Waya
1999: Pika Pende
2002: Dinanga
2003: Malú
2004: Tshanza
2006: Nacional Mamu (2 vol.)
2007: Crazy Tshikuna
2008: Enkor e Sempre
2009: Sikila
2013: Vundala
2015: Lunzenze
2016: Tribunal dos grandes
2018: Dádiva de Deus (feat . Mbilia Bel) Ver mais

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