Aldeias abandonadas no Uíge

Por António Capitão

Silêncio na aldeia!” Foi assim que o jornalista e escritor Luís Fernando descreveu, em uma das suas obras literárias, a problemática do êxodo rural em muitas das aldeias da província do Uíge, sobretudo do município sede e mais próximas da cidade do Uíge”.

Na aldeia Ngundu, na regedoria do Kika, a cerca de 31 quilómetros da cidade do Uíge, o cenário é desolador. No local onde existiam mais de 100 residências e perto de 500 habitantes, apenas restam seis casas,  rodeadas de capim alto e que servem apenas como local de armazenamento de sacos de carvão e madeira de pessoas que ainda aproveitam as vastas savanas e matas como locais de trabalho e obtenção de renda.

Nesta aldeia, a maior parte da população, sobretudo os jovens, começou a abandonar o local entre 2008 e 2009. A busca de melhores condições de vida na cidade do Uíge e na capital do país, Luanda, está na base do êxodo “catastrófico” verificado naquele aglomerado rural.

O soba Alberto Mezembula, de 74 anos de idade, recorda, com nostalgia, o fulgor que se vivia na antiga aldeia Ngundu. Às manhãs, o movimento frenético de pessoas adultas a “rasgarem” atalhos nas savanas e matas em direcção às lavras era constante, enquanto as crianças e adolescentes com os cadernos e bancos de madeira à mão íam aprender o “A,B,C” na escola com uma sala de aula existente a cerca de quilómetro e meio antes da aldeia.

Alberto Mezembula conta que até 2010 não existia na aldeia mais de 15 moradias habitadas e os habitantes que tinham sobrado eram quase todos pessoas idosas. A cerca de dois quilómetros havia a Fazenda Dondo do falecido ancião Barros Lele onde ainda viviam mais de 20 famílias.

Os “mais-velhos” da antiga aldeia Ngundo começaram a falecer e o local começou a ficar desabitado. Os moradores que ainda tinham entre 50 e 60 anos de idade decidiram fazer aliança com os moradores da fazenda Dondo para recriar a aldeia junto do local onde se encontrava a escola.

“O bairro estava muito antigo e com a morte de muitos velhos e a ida dos jovens à cidade do Uíge à Luanda, a aldeia começou a morrer. Até 2010 já não havia mais de 15 casas habitadas na aldeia Ngundo. Nós, que ainda tínhamos alguma vitalidade, decidimos ir nos juntar com os irmãos da fazenda Dondo do falecido mais-velho Barros Lele para formarmos um novo Ngundo aqui onde nos encotramos”, disse.

Alberto Mezembula ainda tem a esperança de ver o bairro a se reerguer e a ter centenas de habitantes. Hoje, com a fertilidade das mulheres e dos homens, a aldeia Ngundo já tem 406 habitantes, maioritariamente crianças e adolescentes que vão garantir a continuidade das famílias tradicionais da localidade.

“Queremos apenas água”

Para o soba Alberto Mezembula, longe de grandes preocupações, como a falta de energia eléctrica e o mau estado da estrada de cerca de sete quilómetros que intercepta a rodovia entre a cidade do Uíge e o município de Mucaba, a população do Ngundo quer que na aldeia seja construído um sistema de captação e abastecimento de água.

A autoridade tradicional do Ngundo disse que acompanha, desde criança, com tristeza, o “vai e vem” das mulheres, tanto crianças como adultas, a percorrerem até mais de dois quilómetros de distância para lavarem a roupa, a loiça e acarretarem água para o consumo e uso doméstico nos rios Lukoka e Nzebeta.

“Muita coisa nos faz falta aqui na aldeia. Mas não podemos pedir tudo ao governo porque há acções que precisam do investimento de muito dinheiro que a administração municipal pode não possuir. Mas pedimos que nos seja construído pelo menos um pequeno sistema de captação e abastecimento de água, para deixarmos de percorrer longas distâncias para tratar da higiene pessoal, lavagem de roupa e loiça e obter água para bebermos e cozinharmos nossos alimentos”, disse o soba Alberto Mezembula.

Na aldeia Ngundo existe uma escola com apenas uma sala de aula e o processo de ensino e aprendizagem é garantido por dois professores. A comunidade, pela voz do soba Alberto Mezembula, pede o aumento de pelo menos mais duas salas de aula e o envio de mais dois professores, tendo em conta o número de crianças em idade escolar existente na localidade e a construção de residência para professores.

“Se for possível, que seja feita a terraplanagem da nossa via de acesso, como foi feito nas aldeias Kandande e Kissenguele. Os professores não vivem na aldeia porque não têm casa. A única sala de aula existente já não tem capacidade para absorver o número de alunos matriculados, tendo em conta que até as crianças da aldeia vizinha, Kika II, a cerca de três quilómetros, também vêm estudar aqui”, referiu.

Na aldeia Ngundo existe um posto de saúde onde um único enfermeiro presta os cuidados primários de saúde. Para o técnico de saúde foi erguida uma residência para que permaneça na localidade onde a malária, doenças diarreicas e do fórum respiratório são as mais frequentes.

MBANZA POLO : À mercê dos meliantes

A aldeia Mbanza Polo começou a ser preterida pelos seus habitantes em 2007 quando estes, por falta de energia eléctrica e um sistema mais eficaz de distribuição de água, decidiram construir outras moradias ou arrendar nos bairros Bungo, Candombe-Velho e Kimakungo, na periferia da cidade do Uíge.

A soba adjunta da aldeia Mbanza Polo, Ana Pascoal, vê com preocupação o abandono da localidade que fica a menos de 500 metros do bairros Candombe-Velho e Kimakungo por falta de melhores condições de habitabilidade, sobretudo de água e energia eléctrica e outros serviços básicos.

Ana Pascoal fez saber que com o aumento do número de casas abandonadas os meliantes transformaram a aldeia numa espécie de “Quartel General” onde, quase sem os poucos habitantes darem por conta, passaram a se refugiar quando perseguidos pela Polícia e onde guardam os bens furtados ou roubados.

A aldeia tem uma escola do II ciclo do ensino secundário onde muitos jovens dos bairros Candombe-Velho, Kimakungo, Pedreira, Bungo, Copote e centro da cidade estudam. No ano passado, professores e alunos viveram momentos aterrorizadores, tudo porque os meliantes cercavam a mesma e com recurso a armas de fogo recebiam os pertences dos docentes e discentes.

“Por falta de população o posto de saúde foi encerrado. Com o aumento da delinquência, a infra-estrutura foi transformada em posto policial para se poder devolver a ordem e tranquilidade públicas aos poucos habitantes da aldeia, professores e alunos, porque os ‘habilidosos’ tinham montado aqui o seu posto de comando”, disse a soba Ana Pascoal.

A aldeia natal de Cananito Alexandre, mentor dos músicos Lina Alexandre, João Alexandre, Toya Alexandre, entre outros, já chegou a ter mais de 2.000 habitantes. Hoje, nesta localidade, não habitam mais de 700 pessoas. A maior parte foi para outros bairros em busca de melhores condições de vida.

“Tenho fé que se nos colocarem energia eléctrica nesta aldeia, que, pela sua localização em termos de distância, já é um bairro da periferia da cidade do Uíge, ela pode voltar a ser povoada, mesmo que não seja pelos antigos moradores, mas por gente nova que vai poder arrendar as casas abandonadas. Que sejam também construídos pelo menos mais chafarizes para a expansão de pontos de abastecimento de água em toda extensão da comunidade”, sublinhou.

MBANZA II: Em vias de extinção

A aldeia Mbanza II existe desde 1930. Até 1990, viviam naquela localidade mais de 300 pessoas. Actualmente, apenas cinco residências são habitadas por um total de 27 pessoas, todas com mais de 50 anos de idade, uma situação que mostra à evidência que se não forem criadas políticas e implementados projectos que estimulem o repovoamento, a aldeia pode deixar de existir nos próximos anos.

O ancião Raul Eduardo, 74 anos, é das poucas pessoas que vivem no Mbanza II. Ele recorda que o êxodo populacional na comunidade teve o seu ponto marcante em 1988, altura em que muitos jovens se alistaram ao serviço militar. A maioria deles foi  destacada no Cuando Cubango e no Moxico, onde uns tombaram em combates e outros de lá nunca mais regressaram.

Com o degradar das condições de vida depois do eclodir dos conflitos armados de 1992, os poucos jovens que restavam na aldeia decidiram ir viver nos bairros Pedreira, Cacole, Piscina, Kimakungo e Candombe-Velho onde já chegavam “os ventos da globalização”.

“Ainda me recordo da ida do meu irmão à tropa em 1977 no primeiro grupo de voluntários e, desde essa data nunca mais regressou à província e à aldeia. Muitos jovens foram para outras paragens à procura de emprego. Como se sabe, cada pessoa fica onde se sente melhor. Os mais velhos começaram a falecer e a aldeia passou a ficar despovoada”, lamentou o ancião.

Hoje, a aldeia parece um local assombrado. A maioria das residências foi engolida pelo capim e outras ruíram. O movimento de pessoas é caracterizado por aquelas que saem da cidade do Uíge para irem às suas lavras nas matas próximas da localidade. No período da manhã, quando os poucos habitantes vão às lavras, o subúrbio fica totalmente despovoado.

“Se, porventura, for melhorada a condição da estrada, haver energia eléctrica e outros serviços básicos, como lojas ou cantinas, mercado, posto de saúde e posto policial, algumas pessoas vão decidir regressar à aldeia e refazer as suas vidas. Temos um sistema de abastecimento de água construído em 2003 pela empresa Kazukama que permite à população consumir água em boas condições”, rematou o soba José Ricardo.

COMO MUDAR O QUADRO? Administradora municipal do Uíge diz que já há projectos em carteira

A administradora municipal do Uíge, Sónia Arlete Domingos, encara a situação do despovoamento de muitas aldeias do município que dirige com bastante preocupação. Para fazer renascer estas comunidades, a gestora deu a conhecer que existem projectos para a criação das condições mínimas de habitabilidade.

Sónia Domingos avançou que a administração municipal do Uíge tem, no seu plano de acções para este ano, a construção de infra-estruturas sociais e a criação de serviços para garantir as mínimas condições de vida dos aldeões e, sobretudo, naquelas muito próximas à cidade do Uíge, atrair novos moradores.

Dentre as acções a serem desenvolvidas, a administradora municipal do Uíge disse que constam a reabilitação das vias de acesso, a construção de escolas, postos de saúde e pequenos sistemas de abastecimento de água. Referenciou a aposta do governador provincial, José Carvalho da Rocha, em electrificar os municípios com a energia eléctrica do aproveitamento hidroeléctrico de Capanda e a expansão da rede eléctrica nos municípios do Uíge, Negage e Maquela do Zombo ainda este ano.

“A aldeia Mbanza Polo, que está muito próxima da cidade do Uíge, vai ser contemplada com o projecto de expansão da rede pública de energia eléctrica. Ela possui escolas e um posto de saúde, que, devido à falta de utentes, foi transformado em unidade policial. Também está prevista a construção de mais chafarizes para a expansão da rede de distribuição de água à comunidade”, disse a administradora municipal, acrescentando que projectos iguais estão previstos para as aldeias Ngundo, Mbanza II e Kimanga.

Fonte. J.A

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