As origens e formação da Igreja Tokoista.

Por Cléria de Lourdes Ferreira 

“A religião é o suspiro dos oprimidos, a alma de um mundo sem coração”. Engels e Marx (1844)

A frase acima inspirada por Marx e Engels retrata a alusão dos autores sobre a conduta dos Homens em sociedade, onde, as leis mais fortes os conduzem a buscar uma realidade transcendente geradora do estado de inconsciência, mantedor do equilíbrio entre um sistema regulador e a sociedade. Se no século XIX vivido pelos autores, a religião cumpria este papel, no século XX superou a posição de apanágio social em África, elevando-se na sustentação das populações ao nível de consolo material e espiritual, quando ainda perdurava o sistema colonial.

Baseando-se nessa premissa, antes de dar conhecimento da origem da Igreja Tokoista, aqui se faz necessário analisar o contexto do ambiente social onde estiveram inseridos agentes precursores das reformulações e esquemas socioculturais inéditos que propiciaram o surgimento das comunidades sócio religiosas independentes.

De acordo com o pensamento do sociólogo Emile Durkheim63, não se pode conceituar fenómenos sociais “a partir do espírito”, mas analisá-los com rigor eliminando posturas preconceituosas “tradicionais”, pois “o objecto de qualquer ciência é descobrir, e qualquer descobrimento desconcerta mais ou menos as opiniões correntes”. Contudo, entre vários discursos, foi justificado o surgimento dos movimentos religiosos no Norte de Angola e Baixo Kongo Belga, como desejo de restaurar o antigo Reino do Kongo. Mas, neste caso, baseando-se na afirmação de Luena Pereira, não se deve considerar este posicionamento pois, nem todos os grupos dessa população estiveram preocupados com esta questão como no caso dos Bazombo de Maquela do Zombo que estavam mais interessados com as “dinâmicas comerciais” que lhes trariam novos contactos culturais, permitindo-lhes afirmar e renovar a própria identidade.

Após a Conferência de Berlim, (1884-1885), Angola passou a ser palco da proliferação das muitas igrejas ocidentais que procuravam outros espaços como vias autonómicas de afirmação cristã. Para além de criar condições que autorizaram os europeus a proceder à demarcação progressiva dos territórios africanos, de acordo com seus interesses estratégicos e dos acordos bilaterais (ou trilaterais) das diferentes potências colonizadoras, a Conferência abriu o caminho à instalação de diferentes igrejas cristãs, não católicas. As novas concepções religiosas vieram a impor-se em parte significante dos espaços colonizados, onde situava o cristianismo católico.

Em 1878, missionários Baptistas68 fixaram-se no Kongo e, na atribuição evangelizadora, fundaram a primeira missão em Mbanza Kongo, capital do antigo Reino do Kongo, actual cidade de São Salvador em Angola. Em 1899 no norte de Angola, os missionários baptista, John Thomas e Lewis Gwen Pinnock criaram a missão do Kibokolo onde, em 1906 baptizaram o primeiro convertido, Garcia Mayungulu, e, em 1910 construíram a primeira Igreja Baptista onde realizaram mais quatro baptizados inaugurando assim, o início da nova comunidade missionária em Angola que, em pouco tempo, converteram um elevado número de adeptos.

A presença das duas missões, com interesses religiosos convergentes, criou um intercâmbio missionário entre o Norte de Angola e o Baixo Kongo que permitiu uma interacção identitária entre as diferentes populações Bakongo. A aceitação da nova missão pelos africanos pode ser compreendida pelo facto, como descreve o sociólogo José J. Gonçalves, de ser a Igreja Baptista de origem cristã não conformista e marcada por valores e práticas da modernidade.

Este factor pode ter sido determinante na adesão de muitos fiéis, uma vez que, historicamente o catolicismo não tinha suscitado a adesão das populações angolanas, não só pela sua natureza rígida em relação aos comportamentos africanos, mas também pela falta de interesse dos missionários em dinamizar uma missionação que se aproximasse dos angolanos.

Segundo Wheeler e Pélissier, a missão Baptista permitiu aos africanos um outro olhar sobre a religião cristã, possibilitando-lhes a educação e o acesso a bens materiais, como também contribuiu para divulgar novas ideias que os libertavam dos laços de dependência tanto em relação aos chefes “tradicionais”, como às autoridades portuguesas.

De acordo com Opoku, os protestantes, ao longo das relações que tiveram com os africanos, davam maior relevo ao ensinamento bíblico na língua local, possibilitando uma melhor compreensão das Sagradas Escrituras de forma que se integrassem como catequistas dessas missões.

Porém, com o esclarecimento bíblico, os catequistas adquiriram uma autonomia religiosa criando as suas próprias igrejas, as quais, a administração colonial portuguesa não via com bons olhos por razões de ordem política no controlo das populações.

Se no contexto ideológico verificou-se a fixação de novas categorias para designar os africanos, como é o caso do “indígena” substituindo as formulas “inferior”, “atrasado” ou “primitivo”, foi também necessário definir uma grelha classificatória destinada a integrar de forma desvalorizadora, as igrejas independentes de linha protestante, criando-se categorias como “seita” e “profético – messiânica”, que opunham às igrejas instituídas pelo catolicismo, as quais, também foram inseridas no rol das designações inferiores, sendo estas nomeadas como “clero indígena”, “clero nativo” ou “clero autóctone”, por serem vistas como “diferentes” do “verdadeiro” clero europeu.

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