Por João Mavinga
O fenómeno religioso na província do Zaire está a provocar sérios transtornos na vida social dos habitantes. Várias são as irregularidades imputadas a uma denominação religiosa, identificada por “Bundu dya Kongo”, acusada de promover violência e ignorar o sistema moderno com a evolução global da ciência.
A seita, segundo fontes locais, ao invés de pregar o evangelho com base nos fundamentos bíblicos, incentiva de forma declarada o clima de agitação, como se de fundamentalistas islâmicos se tratasse, e a divisão no seio das comunidades, ao mesmo tempo que promove o tribalismo.
A sua ideologia religiosa assenta no poder exercido pelos mortos e reprova todos os aspectos científicos do mundo globalizado, que o país aspira, dando maior primazia à pessoa de raça negra, como sendo continuadora dos preceitos de “Nzambi a Npungu Tulendu”, o Deus Criador do Céu e da Terra.
Neste momento, as autoridades da província do Zaire intimaram a seita a cessar todas as actividades que exercia à margem da lei em território provincial, como afirmou o director provincial da Cultura do Zaire, Biluka Nsakala Nsenga, durante um encontro com membros do seu pelouro com os deputados da VI Comissão da Assembleia Nacional.
Revelações similares contra “Bundu dya Kongo” foram também reveladas pela administradora municipal de Mbanza Kongo, Mzuzi Makiesse, aos deputados da VI Comissão.
A citada religião, com sede em Luanda, e fundada na República Democrática do Congo tem ramificações em várias províncias.
Devido à promoção da violência, tribalismo e racismo, a sede central da seita Bundu dya Kongo na capital congolesa, Kinshasa, foi encerrada pelas autoridades daquele país, numa acção que culminou com troca de tiros entre as autoridades e elementos afectos àquela denominação religiosa, quando estes protegiam o seu fundador, de nome Nemuanda Nsemi, para evitar a sua detenção.
Outras informações a que o Jornal de Angola teve acesso espelham que o fenómeno religioso não se cinge apenas à “Bundu dya Kongo”, como também se agrega à Aliança das Igrejas Africanas que congrega várias religiões com doutrinas idênticas.
“Se a RD Congo já encerrou as suas estruturas, porque não cá em Angola? Já reunimos várias vezes com os responsáveis dessas seitas que continuam acusar as crianças de feitiçaria”, explicou Biluka Nsakala Nsenga.
A seita “Bundu dya Kongo” venera um deus negro, todo-poderoso, que reprova todos os ensinamentos apostólicos, trazidos pelo cristianismo no mundo. Para essa seita, os cidadãos, com base na lei da natureza, devem respeitar os fenómenos naturais sem recurso a culturas importadas. Na província do Zaire, a Direcção da Cultura controla 96 igrejas das quais 62 são reconhecidas pelo Estado.
Reacção
Contactados pela reportagem do Jornal de Angola em Mbanza Kongo, nas instalações provisórias, dois conselheiros reagiram nervosamente contra as acusações proferidas à religião. Disseram que, a nível de Angola, a denominação religiosa Bundu dya Kongo, com sede em Luanda, abdica de todos os tipos de comportamento nocivos que chocam directamente com a Lei Constitucional angolana.
“Os crentes da Bundu dya Kongo no Zaire não praticam acções de violência”, disse Pedro Lopes António, um dos conselheiros, que acrescentou que tal comportamento é verificado na República Democrática do Congo, onde existe uma representação mandatada pelo líder fundador, Nemuanda Nsemi, que, ao mesmo tempo, lidera um partido político BDM – Bundu dya Mayala, e é candidato presidencial nas próximas eleições naquele país.
Sobre o encerramento da igreja em Mbanza Kongo, que conta com mais de 1.000 fiéis, disse que desconhece a medida evocada. “Nunca fomos intimados pelo Estado angolano a encerrar as nossas actividades em Mbanza Kongo”, afirmou.
“No nosso país, Angola, a seita ‘Bundu dya Kongo’ é bastante moderada. Respeitamos a Constituição, porque também tem 128 leis que, entre elas, contemplam igualmente leis internacionais que proíbem matar e roubar, por exemplo”, assegurou o conselheiro Pedro Lopes António.
Mesa redonda
Depois do fenómeno religioso, os deputados foram informados de que até agora, a província acolheu três mesas redondas à margem do processo de candidatura de Mbanza Kongo a património mundial da UNESCO, cujo reconhecimento e qualificação deve impreterivelmente acontecer em Julho próximo.
O processo de escavação arqueológica exige um orçamento elevado e a situação financeira constitui o principal “bico-de-obra” para o sucesso da acção, como disse Sónia Domingos, coordenadora científica do projecto “Mbanza Kongo a desenterrar para preservar”.
Sónia Domingos elucidou que vai ser em Julho próximo “que saberemos se a cidade de Mbanza Kongo vai ser ou não classificada como património da humanidade”. A organização precisa de responder com factos palpáveis às exigências impostas pela UNESCO. As dificuldades financeiras têm de vez em quando complicado todo um processo, afirmou.
Em menos de 15 anos o Ministério da Cultura conseguiu reunir os requisitos expeditos e apresentar à UNESCO todos os dados técnicos que lhe permitiram solicitar em tempo oportuno a candidatura da capital do Zaire a património mundial. Para que tal desiderato seja um facto, o Comité de Gestão Participativa deve beneficiar do estatuto que lhe confere o título de ser uma unidade orçamental, de modo a fazer face às condições exigidas pela UNESCO.
A UNESCO proíbe construções anárquicas na cidade e nos arredores do município de Mbanza Kongo e, concomitantemente, veta a construção de prédios com três e quatro andares no perímetro adjacente ao património histórico-cultural. “Para se conseguir tal proeza, devemos tornar a Direcção da Cultura como unidade orçamental”, reiterou Biluka Nsenga, que acredita no sucesso da candidatura em Julho próximo.
Programa dos deputados
Os deputados da VI Comissão da Assembleia Nacional para Educação e Cultura, Assuntos Religiosos e Comunicação Social trabalharam durante 72 horas na província do Zaire, para aferirem o grau de execução dos projectos inseridos nos programas de acção do Governo em curso no domínio social e económico na região.
Chefiada pelo presidente da comissão, Castro Maria, os parlamentares, depois da passagem por Benguela e Huambo, foram ao Zaire, onde para além da constatação da realidade local, recebeu informações convergentes do governador provincial, Joanes André, e dos seus confrades do ciclo provincial do Zaire, encabeçados pelo deputado Pedro Makita Armando Júlia, sobre a situação global da região.
O presidente da VI Comissão fez uma avaliação positiva, dos três dias de árduo trabalho ao Zaire, tendo em conta o leque de informações que recebeu em função das constatações também feitas, na passagem pelo município do Nzeto, onde se inteirou do grande projecto energético da subestação ali instalada no âmbito do projecto do Ciclo Combinado do Soyo-Cambambe e da ligação à rede nacional energética dos municípios do Soyo e Nzeto.
No Nzeto, município piscatório com uma nova ponte cais construída pelo Governo, os deputados da Assembleia Nacional constataram também as obras de construção da auto-estrada que liga a cidade do Nzeto ao Soyo e das estradas asfaltadas do eixo viário Bengo-Mbanza Kongo, assim como os projectos de abastecimento de água à população do Nzeto e de Mbanza Kongo.
“Nós estamos a implementar, no quadro das actividades em curso do nosso programa, algumas visitas a determinadas províncias e o objectivo é, fundamentalmente, constatar algumas actividades em curso e projectos ligados às áreas que representamos ao nível da Assembleia Nacional, como é o caso do sector da educação e cultura, assuntos religiosos e da comunicação social”, afirmou o responsável da comissão parlamentar, Castro Maria, em declarações aos jornalistas.
Sobre o sector da Cultura, o presidente da VI Comissão trabalhou com o sector para os assuntos religiosos, por, segundo ele, serem matérias que de uma ou de outra forma preocupam os parlamentares, devido à onda de proliferação de seitas religiosas que pretendem fomentar o tribalismo, semeando o racismo no seio da população do Zaire.
“Nós temos estado a efectuar as visitas no sentido de que possamos ajudar não só para desenvolver as nossas actividades, como também buscar informações e um conjunto de dados que possamos passar para os departamentos ministeriais do Executivo com quem temos vindo a trabalhar nesse domínio”, explicou o deputado Castro Maria.
Para ele, o trabalho da VI Comissão parlamentar vai auxiliar o exercício para uma governação participativa e no quadro da cooperação institucional, proporcionar competências a nível central do Estado, para gizar sinergias e atender os projectos considerados básicos da população.
Na cidade de Mbanza Kongo, os trabalhos da VI Comissão consistiram, igualmente, na visita a alguns locais e sítios históricos da municipalidade, nomeadamente, o Museu dos Antigos Reis do Kongo, infra-estrutura construída em 1901, e o cemitério, onde repousam os restos mortais dos antigos reis do Kongo, localizado numa zona adjacente à primeira igreja africana erguida ao sul do Equador, vulgarmente, conhecida por Kulumbimbi.
Os deputados também visitaram o Tribunal Tradicional do Lumbu, a árvore milenar Yala Nkuwu, onde o rei do Kongo, na época, reunia para a abordagem de casos conflituosos provocados por problemas de terra e passionais entre as comunidades e o local onde foi sepultada viva a mãe do rei Nvemba Nzinga.
Via JA
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