CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE CONGUESA ANTES DO ESTABELECIMENTO DO CONTACTO COM OS PORTUGUESES

Por Dr MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS. (Administrador da Damba 1945-1953).

Alfredo de Morais Martins.

As obras dos nossos cronistas, fornecendo-nos elementos sobre o estabelecimento das relações com os povos do Congo, alguns um tanto fantasistas e ingénuos, são muita parcas em referências às características da sua cultura. Informações preciosas começam a surgir, no final do século XVI, em escritos de missionários e sobretudo na admirável” Realtione del reame di Congo et delle circonvicine contrade”,redigida  por Filippo Pigafetta com base nos escritos e descrições verbais do português Duarte Lopes e editada em Roma em 1591.

Duarte Lopes era cristão – novo e foi para Banza Congo, futura cidade de S. Salvador, em 1579, onde se dedicou ao comércio. Conquistou aconfiança do rei D. Álvaro I, que o fez fidalgo e o encarregou de uma embaixada junto de Filipe II e do Papa. Foi durante o desempenho dessa missão que se relacionou m Roma com Filippo Pigafetta e lhe forneceu os elementos que o habilitaram a escrever aquela “Relação”.

Tem também especial interesse a “História do Reino do Congo”, conservada na Biblioteca do Vaticano (Bibl. Vat. Codex Vat. Lat., n.º 12.516, fol. 103-160), ale de passagens diversas de outros escritos de missionários e de cartas dos reis do Congo para o Papa e para os reis de Portugal. No final do século XVII (1687) foi publicada em Bolonha a “Descrizione Storica dei tre regni Congo, Matamba ed Angola situati nell’Etiopia Inferiore Ocidental e delle Missioni Apostoliche eserercitatevi dai Missionari Cappuccini” escrita pelo padre capuchinho italiano Giovani Antonio Cavazzi, que por duas vezes missionou no Congo (1654-1667 e 1670-?), e que é, sem dúvida, um valiosíssimo repositório de informações sobre as três regiões estudadas, merecendo especial atenção o livro I, em que abundam preciosos elementos de carácter geográfico e etnográfico.

Todos estes escritos nos fornecem pormenores de real valia sobre a cultura tradicional dos povos do Congo e também das transformações que nela se foram operando mercê das inovações por nós introduzidas.
No que respeita às instituições económicas, as informações são tão completas que, através delas, se pode fazer uma reconstituição nítida do modo de vida das populações.

Quanto às instituições sociais, políticas e religiosas, se bem que abundem as informações, sobretudo na “Descrizione” de Cavazzi, não estão descritas de maneira a darem-nos uma visão exacta da realidade, o que não é de estranhar. Ainda hoje são essas as facetas da vida indígena mais dificilmente apreendidas, sobretudo as últimas, já porque o indígena não gosta de se abrir sobre os aspectos mais esotéricos da sua cultura, já porque os observadores, regra geral, não estão preparados para bem as compreender.

Vamos tentar descrever as características culturais da sociedade conguesa antes do estabelecimento do contacto, valendo-nos das fontes atrás indicadas quanto às instituições económicas e, no que for possível, quanto às sociais, políticas e religiosas, completando a caracterização destas com o conhecimento que temos dos seus raços gerais que, que se mantiveram até aos nossos dias por terem sofrido poucas alterações em contacto com a nossa cultura.

1º. INSTITUIÇÕES ECONÓMICAS

 No estudo destas instituições referir-nos-emos, de uma maneira geral, a todos os aspectos da economia, dando à palavra o sentido que lhe é atribuído por Wilhelm Koppers, isto é, o de “providência usada metodicamente pelos homens, empregando conscientemente meios destinados a servir seus fins, no interesse do seu destino corpóreo”.

Trataremos portanto de apresentar os elementos coligidos na documentação indicada que digam respeito à alimentação, ao vestuário, à habitação, a técnicas diversas, à distribuição e circulação dos bens e à organização do trabalho.

ALIMENTAÇÃO (1)

Quando chegámos ao Congo os seus habitantes tinham já uma vida sedentária, característica das sociedades que utilizam a agricultura. No entanto, a actividade agrícola não era suficiente para a obtenção da totalidade dos géneros vegetais indispensáveis à alimentação, havendo necessidade de recorrer à colheita de produtos espontâneos.

Cultivavam pelo menos três gramíneas, algumas leguminosas, bananeiras e inhames.
O compilador da “História do Reino do Congo”, conservada na Biblioteca do Vaticano, diz que os Congueses “cultivam doze espécies de plantas alimentícias amadurecendo cada uma dêem mês distinto de maneira que durante todo o ano têm viveres frescos”.Atendendo à época em que foi escrita, pelo menos no final do século XVI ou princípios do século XVII, e ao facto de ser uma compilação de das “Relações” de Pigafetta  (1591) e dos missionários espanhóis     já citados em nota, todos do final do século XVI, nesse número já estão incluídas, certamente, plantas por nós introduzidas. Pigafetta  já se refere ao milho e a outros géneros de introdução recente.

Como averiguadamente anteriores ao estabelecimento do contacto, devemos considerar as culturas de, pelo menos, três gramíneas de origem africana ou asiática, mas estas de introdução antiquíssima.  Pigafetta fala na produção de “grãos de várias sortes” e dá a primeira ao “luco” e a um “ milho branco denominado Maçã do Congo, isto é grão do Congo”

O “luco” é descrito por Pigafetta da forma seguinte: “ o qual é feito a modo das sementes de mostarda, algum tanto maior, e se mói com moinhos de mão e dele sai farinha e se faz pão alvo e de bom gosto e saudável”. Na História do Reino do Congo (Bib.Vat) não se cita esta gramínea pelo seu nome, mas a descrição do produto, que considera o principal da agricultura indígena, corresponde precisamente ao “luco”: “Entre os produtos o principal é um grão semelhante à semente do rabanete que reduzem a uma farinha muito branca. Fazem pão como o de trigo de boa qualidade e agradável ao paladar”. Cavazzi também a ele se refere. O luco ainda hoje é cultivado em toda a província, servindo o grão para alimento e sobretudo para fabrico de cerveja (garapa). É a “Eleusinecorocana Gaertn”, que, segundo Jonh Gosswiller, é originária da Índia.

As outras duas gramíneas citadas são a “massambala” e o “massango”. A Maçã do Congo a que refere Pigafetta deve ser um destes cereais. Cavazzi faz alusão expressa a ambas: “ Sono anche largamente seminate e vengono benissimo, la massa mantirj ( saggina o melega), che in língua ambonda è detta massambella e mambella; la massango, somigilamtissima al nostro miglio, ma dalla spiga assai più grande e dal granello saporito e odoroso;…I Negri la mangiano anche se di péssima qualità e la digeriscono com prolisse danze e abondante sudore”.

A massambala e o massango, antes da introdução do milho, eram os cereais principais da África Tropical e a base de alimentação das populações e ainda hoje ocupam lugar de relevo, sobretudo nas zonas onde as culturas do milho e da mandioca não possíveis, ou são difíceis, das condições ecológicas, ou naquelas, que ainda as há, onde ainda não foram introduzidas. A massambala, que parece originária da África Central, é um sorgo como o nosso milho miúdo; cultivam-se várias espécies em Angola, mas a principal é o “Sorghum caffeorum Beauv.”. O massongo éo “Peninsetum typhoideum Staf & Hubbaerd” e ainda é muito cultivado no Sul de Angola.

Quanto às leguminosas, a História do  ReinoCongo (Bibl.Vat) cita as ervilhas e outros grãos. Estas ervilhas devem ser os frutos “Cjanus cajan Druce”, e ainda hoje muito cultivado no Congo com o nome indígena de “uandu” e que os Europeus chamam ervilha do Congo. Cavazzi a ele alude no seguinte passo: “ Appartengono puré alle luguminose l’ouuando, arbusto che dura due o tre anni e produce in ogni stagione; arieggia il nostro pisello”. Outra leguminosa citada por Cavazzi: “ la ucassa, di colore rossiccio e símile al nostro fagiulo, è una leguminosa di largo rendimento, se condita bene, di ottimo gusto”. É provável que seja o feijão macunde (Vigna unguiculata Walp.”, tão cultivado ainda hoje em Angola e que se assemelha ao nosso feijão frade, ou então o feijão cutelinho (Doliches Lablab L.”, que se cultiva no vale do Bengo.

ALIMENTAçÃO (2)

Apesar de o indígena do Congo designar actualmente o feijão por “ncassa”, aém de outros nomes, este a que Cavazzi se refere não deve ser o feijão vulgar, oriundo da América e por nós levado para a África, pois ele diz apenas que é “símile al nostro fagioulo”. Em Itália o feijão já havia sido introduzido em 1528 ou 1529 e a sua disseminação, ali, deve-se ao Papa Clemente VII .

Monsenhor Cuvelier inclui os inhames entre as plantas alimentícias cultivadas pelos indígenas do Congo antes da chegada dos Portugueses. Na mais de uma vez referida História do Reino do Congo fala-se no inhame como sendo uma raiz que constituía o alimento quotidiano dos Congueses, a qual era comida assada ou cozida. Essa referência é no entanto feita antes de começar a tratar da agricultura. Cavazzi também não menciona o inhame entre as plantas cultivadas. Somos levados portanto a admitir que o obtinham por colheita, como de resto ainda hoje, em parte, acontece. Das onze variedades de inhames ( Dioscoreaceae) que Jonh Gossweiller indica como existentes em Angola, há oito comestíveis, das quais apenas três cultivadas e, destas, porventura a mais aproveitada não é oriunda de África. É a “Disiosocoreia alata L.), da qual Gossssweiler  diz: “ Esta planta, oriunda da Índia e das ilhas dos mares do Sul, encontra-se hoje dispersa pelas regiões quentes e temperadas do orbe e, em algumas partes, muito cultivada. Os seus tubérculos conservam a vitalidade durante muitos meses fora da terra e foi este motivo que se realizou a sua dispersão pelos traficantes, através do continente africano, antes de aparecer a mandioca e o milho em Angola”. Quer de produção espontânea quer cultivado, o que é certo é que o inhame, planta trepadeira produzindo tubérculos hipógeos ou aéreos, entrava na alimentação dos Congueses.

Outra planta cultivada era a bananeira, mas não aquela que produz as bananas que normalmente consumimos. As únicas bananeiras cultivadas em África nessa época deviam ser variedades da “ Musa paradisiarca L.”, conhecida por banana pão. As bananeiras desta espécie são consideradas como as primeiras plantas cultivadas pelo homem. Originária da Ásia, entrou em África pelo Egipto e daí se difundiu. “Outros frutos há que se nomeiam Bananas, os quais julgamos serem Musas do Egipto e de Sória;… e são frutos muito aromáticos, e de bom alimento”, diz Pigafetta. Cavazzi faz-lhes referência e indica duas variedades, uma de frutos compridos e grossos, “como il braccio nostro ed há circa due palmi di perímetro” e outra de frutos “ più piccoli, quasi la meta”.

Cultivaram ainda algumas variedades de abóboras, pelo menos as cabaças ( Legenaria vulgaris Serv.)que aproveitavam como vasilhas depois de secas, como ainda hoje sucede.

A agricultura era actividade exclusivamente feminina e o amanho da terra limitava-se a uma cava pouco profunda. A História do Reino do Congo (Bibl.Vat) afirma:” São as mulheres  que semeiam e cultivam. Revolvem o solo apenas superficialmente”. Mais adiante insiste: “ Os homens não trabalham. Todo o dia permanecem sentados com as pernas cruzadas. As mulheres trabalham a terra com uma enxada que não revolve mais que a superfície do solo. Elas ocupam-se das culturas alimentares”. Cavazzi traça um quadro muito mais realista do labor feminino e que, mutatis mutandis, ainda hoje é válido: “ Uomini e bestie da lavoro, delle quali esiste piuttosto penúria, no si trovano addetti ai campi: tocca al sesso gentile fino il maneggio della zappa. Le sofferenze delle donne, a questo riguardo, sono incredibili, sfinite debbono riposarsi ad ogni tre o quattro colpi de zappa, e sovente s’abbandonano al suolo finché non si ripgliano in forze. Fanno estrema pena specialmente quando allattano, e peggio se sono incinte. Per tema di lasciare il frutto del loro seno a rischio di essere divorato da belve o da formiche, como narrermo in luogo più opportuno, costumano, le madri, di lascare i bambini cadenti com lunga fascia fino ai lombi, se che, abassando o alzando le spalle, essi trabalzano quà e là, accrescendo la stanchezza e lo sfinimento delle portatrici”.

Logo aseguir, Cavazzi faz notar que, dada a ausência quase completa de mão- de- obra masculina no amanho dos campos, não é de estranhar que as áreas cultivadas sejam pequenas e frequentes os períodos de escassez. Nessas ocasiões tinham de alimentar-se quase exclusivamente de ervas até à maturação das searas, pouco faltando para morrerem de fome. Pragas  de gafanhotos aumentavam a carência. Deste passo se pode inferir que o homem não era totalmente alheio aos trabalhos agrícolas, o que está em inteira concordância com o que ainda hoje se passa com todas as populações atrasadas; ao homem cabem alguns trabalhos preparatórios das lavras, sobretudo a derruba de árvores e o corte de arbustos. Outra conclusão a extrair é a de que não guardavam quantidades suficientes de géneros, ou por as produções serem escassas ou por não usarem ainda celeiros. De resto, um passo da História do Reino do Congo é bem elucidativo a este respeito: ” Eles não cuidam de guardar coisa alguma para amanhã. Quando têm vitualhas, comem tudo num dia e jejuam depois”. Cavazzi, no entanto, fala mais adiante da existência de algumas vasilhas destinadas à guarda de raízes, sementes, legumes, unguentos, óleo, etc. Devemos notar que se refere a simples vasilhas (zuchette)  e não aceleiros, podendo portanto deduzir-se que serviriam apenas para guardar pequenas quantidades, logo após a colheita.

Além da enxada, a única alfaia empregue era uma espécie de machado de ferro destinado a rachar lenha e, por certo, a cortar paus e que usavam também nas viagens e na guerra.

Uma operação preliminar da preparação da terra era a queimada. A ela se refere a História do Reino do Congo “ Todos os anos é necessário queimar o capim, porque cada ano ele fica mais alto do que um homem de grande estatura”. Cavazzi também alude às queimadas.

Para a farinação usavam pilões de madeira, onde os cereais eram grosseiramente triturados; moíam-nos depois numa pedra escavada até reduzirem quase a pó.

ALIMENTAçÃO (3)

Como a agricultura era insuficiente para fornecer todos os produtos vegetais destinados à alimentação, valiam-se da colheita de produtos espontâneos para poderem sobreviver. Cogumelos, de tubérculos, folhas e frutos comestíveis não faltavam naquela região, em que as condições de solo e de clima davam origem, como ainda hoje, a uma vida vegetal extremamente rica. De todas as plantas espontâneas as mais úteis para o homem eram sem dúvida as palmeiras. Pigafetta cita pelo menos três espécies e Cavazzi aponta e descreve oito, que considera as principais: De todas elas destaca-se a palmeira dendém ( Elaeis giuineesis Jacq.), que era e é uma planta providencial para os indígenas , fornecendo-lhes duas variedades de alimento, óleo para tempero e para untarem o corpo, vinho e ainda matérias para a construção das habitações e para a confecção de cestos e esteiras .

Vejamos o que Pigafetta diz sobre ela: “ Outra árvore de palma ali nasce, idêntica às sobreditas, da qual extrai azeite, vinho, vinagre, fruta pão; o azeite faz-se de polpa de fruto, que é de cor e da substancia da manteiga; e arde; e com ele untam os corpos; e espremem aqueles frutos como o azeite das azeitonas; cozem-no para o conservar. O pão faz-se do caroço do dito fruto (coconote) , que é à semelhança de amêndoa, mas mais duro, dentro da qual está o miolo bom de comer, sadio e de sustentação; e todo este fruto é verde juntamente com a polpa; e se cru e assado. O vinho tira-se do cimo da árvore, fazendo-lhe um furo, do qual estila um licor semelhável ao leite, que nos primeiros dias é doce e depois se torna azedo, e no processo de tempo vinagre que serve para salada, mas bebe-se fresco e move urina, de tal sorte que não se encontram homens que, naquelas terras, sofram de areias nem pedras na bexiga, e embebeda quem beber dele em excesso, e é de grande nutrimento “. Cavazzi também faz a apologia desta palmeira e descreve todas as formas de aproveitamento dos seus produtos. Segundo ele, o seu fruto era a base de alimentação dos pobres: “ Dentro havvi delle frutta poço differenti dalla castagna per colore,forma e gusto: scaldate e fuoco formano il cibo di tutti i poveri, perchè ognuno puo procurarsene dalla floresta”.

Frutos silvestres comestíveis existiam em grande quantidade, mas os mais citados pelos autores de que nos temos socorrido são o “safu e a”cola”. O safu é o fruto de uma árvore de regular porte cujo nome botânico é “Pachylobus edulus Don” e que actualmente é cultivada pelo indígena. É semelhante a uma ameixa, atingindo 6 centímetros de comprimento e de cor roxa “ Posto Sotto brace è odoroso, aromático e delicatissimo”, diz Cavazzi. Já temos comido a sua polpa à laia de puré e o gosto é agradável, se bem que semelhante a terebentina.
A “cola “ era e é ainda hoje apreciadíssima por todos os indígenas. É o fruto da “Cola acuminata ( Beauv.)” Schott & Endl. E a ela se refere Pigafetta nos seguintes termos: “ Há árvores que produzem uns frutos denominados cola; os quais são do tamanho de uma pinha, e têm dentro outros frutos à guisa de castanhas, em que há quatro polpas separadas, de cor roxa encarnada: trazem-nos na boiça e mascam-nos e comem-nos para mitigar a sede e fazer saborosa a água: conservam o estômago e o ajustam, e sobretudo valem ao fígado. E dizia: (Duarte  Lopes) que, borrifando-se com aquela matéria um fígado de galinha, ou de outra símil ave, que esteja já putrefacto, o torna fresco e quase no primeiro estado; e este alimento é em uso comum de todos e em cópia grandíssima, e por isso é boa mercadoria”.

Como condimento usavam pelo menos “ substancias como a pimenta das Índias, mais pequenas, mas que são muito picantes” e que colhiam nas matas, como diz a História do Reino do Congo. São os  frutos da “Piper guineense Shumach” ainda muito utilizados, tanto por indígenas como por Europeus. Duarnte a ultima guerra chegou a exportar-se para a Europa para substituir apimenta, que escasseava no mercasdo. Em quicongo chama-se “Kupire”.

Além dos vegetais, entravam na alimentação dos Congueses produtos de origem animal, quer provenientes de animais domésticos quer bichos bravos, oi ainda peixes. Quando faltava a carne daqueles animais ou o peixe, o que era corrente, contentavam-se com ratos, lagartos, cobras, e diversos insectos, como gafanhotos e grilos, ou ainda com certas variedades de lagartas “ Di qui il divorare senza neppure lessarli locust, vermi, sorci, luccertoni, serpi e símile: basta che abbiano passati per il fuoco” diz Cavazzi.

Os animais domésticos existentes eram os bois ( só em algumas regiões ) os porcos, as ovelhas e as cabras.. Também criavam galinhas e patos.

Par aprisionarem ou matarem os animais bravios usavam diversas técnicas, como a abertura de grandes fossos para a captura de elefantes, a colocação de armadilhas com laços e o envenenamento da carne, que abandonavam para ser comida pelos carnívoros, sobretudo os leopardos. Além do emprego destes métodos indirectos, também caçavam em perseguição ou espera, utilizando flechas e lanças com ponta de ferro.

Na época do estabelecimento de ralações com o Reino do Congo os seus habitantes não se limitavam a usar, como vestuário, apenas peles surradas ou cascas de árvore batidas. Já sabiam tecer panos de fibras vegetais, bem urdidos e algumas vezes coloridos. Entre os presentes que o rei do Congo enviou a D. João II , por intermédio de Diogo Cão, ocupam lugar destacado esses tecidos. ( “Ho presente do dicto Rey de Congo pêra el Rey, era dentes dalifantes, e cousas de marfim lavradas, e muitos panos de palma bem tecidos, e com finas cores “) . Além das fibras de palmeiras, de que eram feitos os tecidos mais finos, empregavam também as extraídas da entrecasca do imbondeiro ( Adansonia digitata L.) e da “nsanda” ou “mulemba” ( ficus psilopoga Welw.ex Ficalho) .

Do imbomdeiro diz Cavazzi: “ L’aliconde non è per altro una pianta inutile: la corteggia si macera e si reduce in fila grosse e resistenti che, intrecciat, servono a farne cordami, reti, tele per sacchi e panni ruvidi per i naturali”.

O mesmo autor, logo a seguir, também se refere a tecidos de fibras de “nsanda” ou” mulemba”, feitos de maneira semelhante. Pigafetta, porém, ao referir-se à ilha de Luanda, diz existir nela uma árvore a que chama “ençanda” e que pelo nome e descrição deve ser a “nsanda” do Congo, ou “mulemba”, em cuja “ primeira casca nasce uma certa quase tela que, batida e limpa, a estiram ao comprido e largo; e dela vestem os homens e mulheres de ínfima condição”. Como Cavazzi viveu no Congo quase um século depois de Duarte Lopes, informador de Pigafetta, ter-se-á dado o caso de nesse período se ter modificado a técnica do aproveitamento da casca da mulemba? Ou acultura dos Congueses seria mais evoluída, empregando a tecelagem, ao passo que as dos Ambundos, mais rudimentar, a desconhecia? Dadas as ligações que existiam entre as duas regiões, visto que a ilha de Luanda era dependente do Rei do Congo e constituía, por assim dizer, a sua Casa Moeda, pois era nela que se apanhavam as conchas denominadas  “nzimbo” ou “”jimbo”, usadas como moeda, é natural que entre elas existisse grande diferença cultural. O mais provável é que coexistissem as duas técnicas e que os panos tecidos constituíssem apanágio dos mais abastados, só usando as cascas batidas “os homens e mulheres de ínfima condição”.

Os panos de fibra de palmeira eram tecidos em quase todas as regiões do Congo, mas variavam no tamanho, na qualidade na perfeição do acabamento. Para essa diferenciação contribuía sobretudo a qualidade das fibras. Em todos os livros citados se encontram referências várias a estes tecidos.

A matéria prima era extraída da “Raphia textils Welw.”, a conhecida palmeira de bordão, cujo nome quicongo é “ditombe”. Ainda hoje existe na circunscrição do Cuango a industria de tecelagem das chamadas “mabelas”, utilizando fibras de “Raphia” designada pelos indígenas pelo nome de “maimba”, que chega a ser cultivada. De resto, já no século XVI eram dedicados certos cuidados culturais a essas palmeiras, como se deduz de um passo da Relação de Pigafetta:” Mas tecem panos devanditos de folha de palma, conservando as árvores rentes à terra, e todos os anos cortando-as e podando-as com fundamento de, na nova estação, virem mais tenras”.

A fibra era extraída à mão “ da página inferior dos folíolos que se encontram dum outro lado ráquis das folhas como as barbas duma pena…”

A tecelagem fazia-se em teares verticais muito primitivos. A maneira de vestir variava com as classes sociais e grau de riqueza. Regra geral, tanto os homens como as mulheres usavam apenas pequenas tangas, diferindo somente no material que eram feitas. O rei e os chefes traziam peles de animais sobre as tangas, à laia de aventais, e usavam também uma cobertura de mabela sobre os ombros. Os trajos são pormenorizadamente descritos por todos os autores citados.

As habitações descritas pelos autores em que apoiamos em pouco diferem das que ainda hoje constituem a maioria em todo o Congo. São as mesmas cubatas de planta rectangular, feitas de paus espetados a um prumo, nos quis se apoia uma armação em forma de grade, feita de varas ou de canas de “madiadia” ( Pennissetum purpueum Shumach) ligadas por lianas e revestida de capim. A cobertura, de duas águas, é constituída por capim seco espalhado sobre uma estrutura de varas de palmeira bordão que se apoia nas paredes e num pau de fileira. Para que não seja levado pela ventania, seguram o capim por meio de varas ou canas colocadas longitudinalmente e presas por lianas àquela estrutura.

A cubata na Damba em 1945

Eram e são de reduzidas dimensões e de pequeno pé-direito e possuíam apenas uma pequena abertura para serventia e para a entrada da luz. Algumas eram forradas interiormente com esteiras. No centro ardia durante toda a noite uma fogueira.

O recheio era pobríssimo; apenas existiam as esteiras que serviam de camas, cestos entrançados para o transporte e guarda de alimentos vegetais, cabaças para a água e vinho de palma e algumas panelas de argila, algumas vezes ornamentadas. A técnica da olaria era simples, igual à usada actualmente. Amassavam a argila e à mão lhe davam a forma desejada; assim moldadas, eram as vasilhas secas ao sol e envolvidas depois em capim seco a que deitavam fogo. Não ficavam totalmente cozidas, mas suficientemente resistentes.

As cubatas agrupavam-se em pequenas povoações, normalmente localizadas acerta distância dos caminhos principais, as quais eram circundadas por fortes sebes vivas, com pequenas entradas e formando algumas vezes complicados labirintos, para se defenderem das feras dos ataques dos inimigos. As sebes eram feitas quase sempre com estacas de “minguengue”, que pegam com muita facilidade. ( minguengue – Não conseguimos apurar o nome botânico desta árvore. É muito comum no Congo e usada ainda hoje para formar sebes e consolidar aterros. Produz um fruto do tamanho e cor das nêsperas, muito saboroso e aromático )

 

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