Para aferir a nova realidade, a reportagem do Jornal de Angola esteve na fronteira do Luvo para, junto das autoridades locais, perceber como funcionam os serviços aduaneiros. Manuel Diabanza, que responde pela contabilidade do Posto Aduaneiro da fronteira do Luvo, confirmou a continuidade da venda ilegal de bens de primeira necessidade no perímetro fronteiriço.
O responsável afirmou que o negócio se processa com o apoio de alguns cidadãos nacionais que fogem ao fisco.
A proibição da venda de produtos da cesta básica para o exterior foi exarada pelo Executivo, para travar a reexportação de produtos de primeira necessidade, no sentido de manter-se as reservas e prevenir-se a especulação de preços. O combate ao contrabando de combustíveis na fronteira do Luvo também produz reflexos positivos no sistema cambial.
Manuel Diabanza deixou claro que, apesar de se verificar fuga ao fisco na reexportação de produtos da cesta básica para a RDC, o custo de vida tende a normalizar, na medida em que o valor do dólar baixou no mercado paralelo.
“Todas as mercadorias reexportadas cá na fronteira para a RDC pagam um por cento de emolumentos gerais, em relação ao valor da factura”, explicou o responsável aduaneiro. Apesar da fuga ao fisco, sublinhou, as transacções comerciais tendem a melhorar.
Leon Apayama, cidadão congolês interpelado pelo Jornal de Angola, referiu que, em Janeiro e Fevereiro deste ano, os seus compatriotas baptizaram o kwanza de “ebola”, por ter sido vítima de uma depreciação que se igualava à da moeda da RDC, o franco congolês.
“O nosso dinheiro chegou a estar desvalorizado na mesma proporção a que esteve sujeito o kwanza de Angola, por isso, recusávamos o seu uso e privilegiávamos o dólar cá no Luvo, tanto nas compras como nas vendas”, disse Leon Apayama em lingala, idioma que mereceu uma pronta tradução pelo repórter fotográfico.
Neste momento, os preços dos principais produtos de consumo praticados no Luvo conheceram uma redução considerável. saco de açúcar caiu de 20 mil kwanzas para 10.500, o de arroz de 25 quilos, que custava 15 mil, está agora no valor de 7.500. O saco da fuba de milho de 25 quilos custa 5.500 contra os 16 mil anteriores.
Outro factor que contribuiu para a desvalorização do dinheiro congolês foi a venda do cimento angolano naquele país vizinho. Os comerciantes congoleses preferem o cimento de Angola pela qualidade e o preço de venda em relação ao produzido na RDC.
Cem camiões por dia
Empresários e comerciantes nacionais transportam para o Luvo uma média de 100 camiões por dia, a maioria deles com mais de 720 sacos de cimento cada. Depois de resolvidos os procedimentos aduaneiros, os angolanos transpõem a fronteira e vendem o saco a oito dólares cada, quando o cimento do Congo Central custa 15.
Por este e outros motivos, as autoridades congolesas proibiram, em Maio último, a entrada e a venda do cimento angolano na RDC, medida levantada 25 dias depois de acesas negociações que produziram resultados positivos na relação entre as autoridades aduaneiras de Angola e as do Congo. “A população congolesa revoltou-se, quando tomou conhecimento de que no município do Nóqui estavam retidos, em Maio último, mais de 40 camiões de Angola carregados com cimento”, lembrou Pedro Matos, funcionário público.
Na altura em que vigorou o bloqueio congolês, na fronteira do Nóqui, ficaram retidos mais de 40 camiões idos de Luanda. O cimento encareceu no Congo, devido à paralisação das duas fábricas existentes naquela região, uma em Lukala e outra em Kimpesse.
Informações dão conta de que as autoridades daquela região fizeram um investimento que permitiu a recuperação da indústria cimenteira de Kimpesse em tempo oportuno, para fazer face ao défice de cimento que se assiste um pouco por toda a extensão do território congolês. “Se ontem eram os congoleses que nos abasteciam em cimento, hoje é o inverso. É Angola que assegura o abastecimento do produto para o Congo Democrático”, disse a administradora-adjunta da comuna do Luvo, Paulina Tussamba.
Neste momento, a fábrica de Kimpesse funciona em regime experimental, enquanto aguarda o aval das autoridades daquele país para definir a data do arranque efectivo. Muitas vozes, sobretudo comerciantes da RDC, levantam-se para contestar a reabertura da fábrica de cimento do Congo, por recearem a aplicação dos preços exorbitantes já praticados no passado, que rondavam os 15 dólares/saco.
“Antes, a população congolesa não conseguia construir, porque se sentia explorada pelos preços altos que vigoravam”, disse Pedro Matos, funcionário da Administração do Luvo. “O cimento de Angola veio acudir a inflação no sector da construção da RDC”, acrescentou.
Pedro Matos referiu ainda que decorrem estudos para definir o preço único do cimento congolês e a data para a reabertura oficial do comércio deste produto.
Angola exporta cerveja
O leque de produtos exportados por Angola, a partir da fronteira do Luvo, que até Agosto último se cingia a material de construção civil, como cimento, chapas de zinco, ferro e pregos, entre outros, abrange agora a indústria cervejeira e de refrigerantes, com a entrada em cena das marcas Cuca, Nocal, Tigra, 33, Top, Fanta e Coca-Cola.A equipa de reportagem apurou na fronteira do Luvo, 64 quilómetros da cidade de Mbanza Congo, que a cerveja nacional conquistou parte substancial do mercado congolês pela qualidade do aroma. Os preços praticados pelos comerciantes nacionais superam as expectativas do mercado por estarem ao alcance do bolso do cidadão comum. Tudo está facilitado, devido, por outro lado, à presença de uma dependência do Banco de Comércio e Indústria (BCI) em funcionamento no Luvo.
O gerente daquela dependência do BCI no Luvo, Afonso Vicente, afirmou que se verificam depósitos avultados de dinheiro por comerciantes e pela população, com o propósito de serem levantados em Luanda, onde adquirem a mercadoria que trazem para a fronteira. “A população evita ficar com o dinheiro em mãos para fugir aos assaltos”, disse.
Três cidadãos congoleses afirmaram que todo o Congo Central tem preferência pelo sabor da Cuca e da Nocal. “O problema é o vasilhame”, disseram. A preferência pelas marcas angolanas deve-se também aos preços praticados. Custam 500 francos congoleses, o correspondente a 250 kwanzas, enquanto as daquele país como a Skol, Primus, Dopel e Turbo King custam mil francos a unidade.
A cervejeira congolesa Bralima, responsável pelos produtos Skol, Dopel, Primus e Turbo King, mostra-se preocupada com a invasão do mercado daquele país pelas cervejas de Angola, disse Leon Apayama.
Novos produtos
Angola interditou em Fevereiro último a circulação e comercialização de produtos da cesta básica para a República Democrática do Congo. A medida, que produziu reacções negativas na altura, resultou na aceitação do kwanza nas transacções comerciais.
O processo de exportação assenta na política de diversificação da economia para se sair da crise económica e financeira. A medida resultou também, na exportação de refrigerantes nacionais, como os sumos Compal e Dika Red, disse Pedro Matos, frequentador assíduo do Luvo.
“Se a mercadoria custar 10 mil, cobramos um por cento. Tiramos proveito porque a exportação é benéfica para o país. O nosso cimento tem melhor aceitação no Congo, pois, as fábricas que lá existem não cobrem as necessidades locais”, afirmou o aduaneiro Manuel Diabanza.
De acordo com o responsável, o protocolo comercial transfronteiriço que regula as transacções em pequenos volumes clama por uma revogação, a julgar pela actual realidade fronteiriça, que envolve um mercado na ordem de 100 milhões de . Para ele, é preciso delinear uma estratégia que permita melhorar a organização do mercado fronteiriço dentro de um quadro legal, para que os dois Estados retirem os devidos benefícios fiscais.
Via JA
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