Por Filipe Zau
Uma nova história de Angola, da autoria de Alberto de Oliveira Pinto, refere-se à prisão do Cónego Manuel das Neves pela PIDE, em 22 de Março de 1961 e encarcerado no edifício-sede daquela polícia política durante três semanas.
“Sujeito a torturas como extirpação das unhas dos pés e das mãos com aparelhos eléctricos e queimaduras no corpo com cigarros”, foi posteriormente transferido para a cadeia do Aljubre, em Lisboa, onde ficou durante quatro meses. Só depois foi levado, a 19 de Agosto de 1961, para o Noviciado dos Padres da Companhia de Jesus, em Soutelo, onde faleceu, no dia 11 de Dezembro de 1966, sendo “sepultado no cemitério local, sem a presença de qualquer familiar ou amigo”. Só quase vinte anos após a Independência, os seus restos mortais foram transladados para o Cemitério do Alto das Cruzes, a 5 de Julho de 1994.
“Sacerdote exemplar, de trato afável e grande caridade para com todos”, assim se referiu o Arcebispo Metropolitano de Luanda, D. Moisés Alves de Pinho, citado pelo Cardeal D. Alexandre do Nascimento, antigo sacerdote e companheiro de exílio do Cónego, no seu discurso proferido na Igreja da Sé Nova, em 7 de Julho de 1994, aquando da transladação. Relata ainda o Cardeal D. Alexandre do Nascimento, no seu livro «Discursos e Mensagens», editado em 2002, o seguinte:
“Pode-se ler no jornal ‘O Apostolado’, de 4 de Abril de 1961, com o título «Campanha ignóbil», o artigo de firme repúdio, do qual destacamos esta significativa passagem: «Correu insistentemente por toda a cidade que a Igreja da Sé e a Igreja de Nossa Senhora da Ilha do Cabo se tinham transformado em depósito de catanas. O destino atribuído a essas ‘armas’ é evidente. Estamos autorizados a desmentir categoricamente tão infamante invencionice. Mas correu o rumor de que na Igreja da Sé as hóstias que os fiéis haviam de comungar estavam envenenadas. Se alguém sorria diante de tal disparate, os boateiros mais se inflamavam e afirmavam a pés juntos. Se as pessoas esclarecidas e bem dispostas se mostraram indignadas com esta falta de escrúpulo em difamar o que é digno de todo o respeito, muitas outras, menos esclarecidas e sempre dispostas a tudo acreditar, encheram-se de animosidade contra o clérigo e contra a Igreja, chegando até a recear-se e a anunciar-se desacatos contra pessoas e instituições”.
Na sua alocução o Cardeal D. Alexandre do Nascimento acrescenta ainda: “Concidadãos, a exemplo de Mons. Manuel das Neves, amemos com amor de paixão tudo o que é expressão genuína da nossa Angola (…). Nem tudo o que é angolano é perfeito. Mas tudo o que é perfeito pode ser angolano (…). Só me resta um último adeus, meu cónego Manuel das Neves. Sei que nunca duvidou da futura independência da nossa Pátria: o cálice de oiro que nós lhe oferecemos por ocasião das suas bodas de oiro sacerdotais, deixou-o em testamento «para que fosse entregue ao primeiro sacerdote angolano ordenado depois da independência».
Também, na página 118, do livro de Carlos Alberto Alves, “Esperar pela hora de Deus; o exílio forçado de sacerdotes angolanos em Portugal (1960-1974)”, encontra-se em um dos apontamentos, datado de 1966, de Henrique de Guise [António Henriques Queirós de Guise] sobre o Cónego Manuel Mendes das Neves, o texto seguinte:
“A fotografia em relevo do cónego Manuel das Neves, vice-presidente do chamado Governo Provisório de Angola [Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE)], e que serve para ornamentar o bureau de Holden Roberto, foi cedida pelo senhor José Evaristo da Silva, empregado comercial do estabelecimento de Matadi em Leopoldeville [actual Kinshasa], como oferta pessoal ao GRAE. Esta foto encontrava-se em posse do dito senhor, fazendo parte de uma colecção de fotografias do casamento do seu irmão, casamento esse realizado em Luanda e celebrado pelo cónego Neves. Em conversa tida com Rosário Neto, perguntei porque motivo o cónego Manuel das Neves figurava na equipa do dito Governo, sendo ele mestiço e vocês apologistas duma Angola negra. Ele disse-me que a presença do cónego era por momento imprescindível, em consequência dele representar uma poderosa força política no seio das populações de Angola, principalmente no campo intelectual. Mas disse que a presença dele não significaria que ele viria a fazer parte dum Governo numa Angola independente [In, ANTT, Arquivo PIDE/DGS, processo 519, delegação de Angola, L Gab, Manuel Joaquim Mendes das Neves, NT 8045, folha 15]. Fica assim esclarecido o ardil político.
A mudança do nome da antiga Avenida Paiva Couceiro, em Luanda, pelo do Cónego Manuel das Neves, o grande inspirador da insurreição do 4 de Fevereiro de 1961, representa um reconhecimento. Porém, se prensarmos bem, o mesmo sabe a pouco.
* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais.
Via JA
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