Por MANUEL ALFREDO DE MORAIS MARTINS – 1958
Introdução:
Nas quatro partidas do mundo, onde exercemos influência cultural, ficou indelevelmente marcada nos falares nativos a presença da língua portuguesa.
Mesmo nas regiões onde a colonização portuguesa não foi intensa, onde não nos estabelecemos com carácter duradouro, a acção missionária e o trato comercial disseminaram a Língua de tal maneira que vocábulos nossos ou suas corruptelas ainda hoje se mantêm adoptadas a adaptadas pelas línguas indígenas, como padrões imorredouro que os séculos não destroem.
Era natural, era mesmo fatal, que novas concepções religiosas, actos e alfaias de culto introduzidas pelos nossos missionários, plantas, tecidos, utensílios, etc, antes desconhecidos e que a ocupação ou o comércio levaram para afastadas terras, viessem a ser designados pelas mesmas palavras que os introdutores usavam.
Mas o que causa pasmo e até emoção é que se tenham mantido até hoje, decorridos séculos após contactos culturais mais intensos com outros povos de línguas diferentes e muitas vezes sem parentesco próximo com a nossa, como o inglês.
Caso a salientar no tocante ao Oriente é o do “papiá cristão”, ainda hoje usado pela população católica de Malaca e uns tantos outros dialectos crioulos espalhados pela Índia,Ceilão e Malásia.
Na costa ocidental da África, desde o limite sul de Angola até à Guiné e ainda mais para o norte, não deve provavelmente, existir língua indígena que não tenha adaptado palavras portuguesas. A propósito ocorre-nos um pormenor interessante que foi notado no final do século passado pelo heróico Augusto de Castilho numa viagem do comandante à costa do Daomé e descrito no passo de um relatório seu e cuja transcrição não resistimos: “A língua portuguesa, que é a língua estrangeira mais conhecida em toda esta costa, é indispensável aos comerciantes, aos missionários e a qualquer que queira ter trato íntimo com os indígenas. Os padres, para serem compreendidos, é em português que pregavam;mas tendo ultimamente tal uso proibido pelo Governo Francês, pregam em francês, mas
têm um intérprete que lhes vai traduzindo em português, em voz alta e frase a frase e a oração toda “
Se na vida religiosa a influência do português se manifesta em toda aquela costa, na vida material e na antroponímia ela não é menos intensa.
Ainda não está feito um estudo sistemático e profundo da presença do português em todas as línguas ou dialectos, mas os trabalhos que de eu tenho conhecimento, e que incidem sobre um pequeno número destes, demonstram à saciedade quanto ela é profunda e bem enraizada.
No relatório citado, Augusto de Castilho, aponta como de uso comum entre os indígenas do golfo do Benim, os vocábulos “lama”, “vela”, “garrafa”, “garfo, “copo”,loja”,, “vinho”, “chicote”, “papel”,mesa”, ”tesoura”,”bote”, “moço”, “palavra”, etc. Em outros territórios franceses, sobretudo no Gabão, em relação aos dialectos víli ( este do
quicongo ), orugu e mpongué , devemos assinalar as pesquisas feitas por R. Reynard e pelo abade André R. Walker”
(…) Este nosso trabalho não é mais que um fraco contributo para o estudo da influência que o português vem exercendo na língua quicongo desde o final do século XV. Longe de ser trabalho definitivo e completo, pois para tal bem minguada é a nossa competência,só desejamos que ela tenha o mérito de estimular a curiosidade e o interesse de algum especialista que o venha a conhecer”
A seguir:” Onde se fala o quicongo”
Para darmos uma ordem lógica ao trabalho, dividimos os vocábulos que conseguimos reunir por diversos grupos, segundo um critério de classificação por afinidades.
No primeiro grupo incluímos todos os termos que têm ligação com a vida espiritual e que foram introduzidos pela missionação cristã, separando os que dizem respeito a formas de secretismo religioso, isto é, à adaptação de fórmulas ou de símbolos cristãos à religião tradicional; o segundo é dedicado à antroponímia; o terceiro engloba todas as palavras que têm ligação com a vida material e é subdividido em diversas alíneas, respeitantes à agricultura, à habitação, ao vestuário, aos utensílios, etc.; o quarto grupo refere-se a verbos diversos e um e outro a vocábulos não englobáveis nas divisões anteriores;no sexto arrumámos as palavras que respeitam à ocupação administrativa e sanitária e à instrução, quase todos, portanto, de introdução mais recente; num último grupo reunimos as designações de diversas nacionalidades europeias e termos afins.
Da análise desta sistematização podemos tirar algumas conclusões interessantes,por nos poderem dar uma visão esquemática do processo do contacto da cultura portuguesa com os povos do Congo, pela diferença existente entre o número das palavras introduzidas nos diversos sectores da vida indígena.
O resultado dessa análise servirá como que de espelho do contacto. Para não pormos o carro adiante dos bois, procuraremos atingir essas conclusões e fazer os comentários que elas nos sugerirem após a transcrição ordenada, e comentada quando necessário,das palavras portuguesas que foram adaptadas e padronizadas pelo quicongo .Para
distinguirmos as regiões em que são usados certos vocábulos, servimo-nos das seguintes abreviaturas:
S…. Congo Português e Sul do Congo Belga ——————Vi ….. Dialecto vili
(Gabão, Zona costeira do Congo Médio e parte de Cabinda)
M….Maiombe — E….Região de Kinsantu, no Congo Belga — NE ….. Região a norte
de Brazzaville — BE ….. Região de Bembe, no C.Médio
As palavras que não são seguidas de nenhuma destas abreviaturas são usadas em toda
ou quase toda a área de distribuição do quicongo.
I…. VIDA ESPIRITUAL
Trabalhos de evangelização dos séculos XV e XVIII poucos vestígios ficaram na língua quicongo e mesmo esses desvirtuados no seu significado verdadeiro. Julgamos que, dentro dos vocábulos que a seguir se indicam, apenas “DEZO, MADIA, KLUSU (nas diversas formas) e SANTU representam restos da antiga missionação. Todos os outros devem ser neologismos introduzidos a partir do final do século XIX. . Noutro passo do trabalho de que o presente estudo foi destacado, procuraremos estabelecer a prova desta afirmação.
Segue-se a lista de palavras portuguesas adoptadas pelo quicongo e que respeitam à vida espiritual, as quais dividimos em duas partes: a primeira refere-se à religião cristã pura e a segunda a formas de secretismo enxertadas na religião tradicional:
Cristianismo
Dezu ou Dezo…… Deus ; Klisto ou Klistu ……Cristo;Nkistu ….. Cristão;Diavu ( no dialecto vili )….. DiaboKlusu, Kruzu, Kuluzu e Kulunzi….. Cruz;Katolika ….. Católico ………. Katikisimu….. Catecismo ………Santu…..Santo (Subst) e santo, sagrado (adj.) Kansantu …. Idem (exemplo: Lumbu Kasantu: dia santo)……….Sàtaná….. Satanás Nasimento ….. Natal ( de nascimento) Batisumu….. Baptismo;Batisa….. Baptizar; Nkatikista….. Catequista ;Bensau….. Bençao Bita….. Bento; marca em forma de cruz ;Kòolôa….. Coroa;Madia …..Maria;Bispu….. Bispo;Misa e minsa….. Missa Kólôwa ou Formas de sincretismo; Kuluzu….. Nkixe (feitiço) em forma de cruz, usada na caça………. Santu e ngubu santu (O mesmo);Kulunzi dya kimpanzu ….. Outro feitiço .
ANTROPONÍMIA
Logo nos primeiros anos de contacto, os indígenas do Congo começaram a usar nomes portugueses. O exemplo foi-lhes dado pelos primeiros reis católicos, que, com o baptismo, receberam nomes cristãos, sobretudo os dos reis e fidalgos de Portugal.
O costume passou dos reis para os súbditos e foi-se difundindo entre as populações conguesas, independentemente da envagelização, levado pelas caravanas dos pumbeiros e dos bazombo (1). Esses nomes sofreram alterações impostas pela adaptação às características fonéticas da língua e estão absolutamente integrados na cultura local.
Todos os nomes tradicionais do Congo têm o seu significado e são postos de harmonia com certas circunstâncias ocorridas antes, durante ou depois do nascimento ou, mais tarde, em face do carácter da criança. Pois alguns nomes portugueses estão já de tal forma enraizados que para eles também existem explicações tipicamente conguesas. È o caso entre outros, dos nomes Domanuele ( D. Manuel.) e Ndonderi ( D.André ) . Domanuele significa “ toma-o, entendo-o; se o entenderes és sábio”
Para Ndonderi a explicação é: “ Ndonderi é como pássaro nzongi-nzádi; a sua força vem de Deus”. Normalmente o nome Domanuele será dado a uma criança tranquila e Ndondei a uma inquieta.
Muitas vezes os nomes portugueses são antecedidos de Ndo ( Dom) quer separado,quer incorporado no próprio nome, como por exemplo em Ndombele ( D.Abel ) Ndombaxe ,( D. Sebastião.), Ndotóni ( D. António ), Ndongala (.D.Garcia ) (…) Como é natural, os nomes masculinos aparecem em maior número do que os femininos. Isso deve-se a várias razões.
Dadas as características da sociedade conguesa, o homem possui maiores condições de receptividade às inovações, funcionando a mulher como elemento conservador ou moderador. Por isso a mulher foi sempre refractária à conversão, e daí a existência de poucos nomes cristãos femininos, introduzidos por via do baptismo. Outra razão
importante, talvez a de maior peso, assenta na circunstância de só há relativamente poucos anos terem começado a viver no Congo mulheres portuguesas. Eis alguns nomes portugueses que o quicongo adoptou e adaptou:
Masculinos
Nzuau João – Mbele……Abel – Zoze e Zuze …… José – Fusu ou Funsu …… Afonso –
Sibatiau Bariau e Baaxe…… Sbastião – Simau…… Simão. Mpételo…… Pedro –Mpaolo …… Paulo – Ngasia ou Ngala ….. Garcia – Manuele….. Manuel – Daniele ….. Daniel – Mbolozi ….. Ambrósio – Mbelenadu….. Bernardo Minguiédi….. Miguel – Ngositinu ou Ngosi ….. Agostinho – Ndéri ….. André – Luvualo ….Alváro – Ndualo ….. Eduardo – Ntoni ….. António – Andiki …. Henrique Nikolai ….. Nicolau – Mateso ….. Mateus – Falusesku ou Fula ….. Francisco — Lumingu …..Domingos – Davida ….. David.
Femininos
Mádia….. Maria – Glasa ….. Graça – Zabela….. Isabel – Kiditina ou Ditina ….. Cristina – Podina….. Leopoldina – Fineza ….. Ines – Losa ….. Rosa.
Todos os nomes atrás indicados são de uso antiquíssimo no Congo, datando a sua introdução dos primeiros tempos de contacto. Nos últimos anos muitos outros têm sido adoptados, tanto masculinos como femininos, devido ao incremento da colonização e à expansão da acção missionária.
Actualmente raros são os jovens, sobretudo do sexo masculino que, além do seu nome tradicional, não possuem também um nome português e até mesmo um ou dois apelidos(…) As mulheres também usam às vezes o nome Ndona, só antecedendo um dos acima indicados. Dona ou Ndona significa “ senhora” e “mulher venerável”.
(1) Pumbeiros : Comerciantes que faziam viagens à região do Pumbo, actual Stanley Pool; Bazombo: grupo étnico que habita parte dos actuais concelhos do Zombo e Damba, caracterizado pela sua ancestral propensão para o negócio.
D) Agricultura
Ananási, nanási, nananzi e nanása – Ananás
Sàbóola,nsàbóola,nsàboboora, bola
e bóola
Buva
Limau,nlimau,e limanu Limão
Fulata
Ngwava e ngalavwa
Nkóve,nkovi, kófe, nkóvya Couve
Lalanza, lalanzi, nlalanzi, nlalánza
Maláala e nlála
Mámau,mamo mámu Mamão/Papaia
Lóoso e lozo (S)
Mmanga e minanga
Mása matrigu
Tumáata e tumáatu
Káfe, káfi e Kafwe (S)
Fúumu
Madióko
Wale (S)
Wôto (Vi)
E) Pecuária
Kaváalu mvalu e kwválo (Vi) Cavalo
Mpatu e mpatwa
Múula
Buru, búula,búuluku e búuluka Burro, cavalo
Kuéia (Vi)
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