Cristianismo e religiões “tradicionais” dos bakongo de Angola

Por Luena Nascimento Nunes Pereira(*)

Angola insere-se na chamada área lingüística bantu, entre as regiões central e austral do continente africano, área de predominância cristã e não suscetível à influência islâmica. Angola é considerada um dos países mais cristianizados de África, pois à parte as imprecisas estatísticas, estima-se que mais de 80% da sua população esteja sob influência cristã.

As religiões “tradicionais” parecem ter, no meio urbano (área de nossa observação), um lugar marginal47. Contudo, da mesma forma que historiadores e antropólogos chamaram atenção para a convergência de símbolos e valores entre sistemas religiosos africanos tradicionais e cristãos, subsiste intensamente uma visão de mundo anterior (que é mais abrangente que a esfera religiosa) amalgamada às crenças e às práticas cristãs. Assim, fenômenos como acusação de feitiçaria, rituais de cura e purificação, além de práticas inspiradas na relação com os antepassados, estão muito presentes no atual campo religioso angolano, tanto de forma separada, independente ou concorrente ao cristianismo, como dinamicamente incorporadas ao sistema cristão, como no caso das igrejas proféticas e pentecostais.
Tentar-se-á aqui indicar como o fenômeno recente da proliferação de igrejas em Angola diz respeito a dois aspectos: um, de escala global, na qual o crescimento das igrejas pentecostais vem sendo apontado em todo o mundo cristão, e outro, no que toca a Angola, onde os Bakongo têm sido os protagonistas principais da onda de multiplicação de igrejas. Neste segundo aspecto, por sua vez, observamos dois processos concomitantes: a religião e as igrejas como participantes na construção da relação do grupo Bakongo com a sociedade circundante e o papel das diferentes igrejas na recomposição interna do grupo bakongo.

Do ponto de vista interno aos Bakongo, a religião parece ser o idioma de rearticulação do grupo, que vem sofrendo um processo importante de transformação social, especialmente de parte de suas referências tradicionais, pela urbanização acelerada. Assiste-se uma reordenação destas instituições tradicionais, tendo em vista sua inserção na sociedade nacional que, por sua vez, também assiste a mudanças importantes em todos os setores da sociedade.

Falar de instituições tradicionais remete principalmente às instituições baseadas no parentesco que, no caso Bakongo, estão ancoradas numa complexa interação entre o princípio matrilinear e a patrilateralidade, esta última relacionada à expansão territorial do grupo e à função sagrada. A tendência ao princípio paterno, consagrado pelo direito ocidental, fortemente absorvido pelas sociedades colonizadas, vem aumentando uma tensão nas sociedades cuja transmissão – de herança, de status e de poder político – se dá pela linha materna, que é o caso da maioria destas.

Essa tendência, bem como uma percepção da diminuição da importância dos laços de parentesco na sociedade “moderna” e urbanizada, onde não se coloca mais o direito sobre a terra, vem gerando a necessidade de recomposição de novas e antigas instituições que, entre os Bakongo, vem sendo levado a cabo, entre outras formas, pela instância religiosa.

 

(*)Luena Nascimento Nunes Pereira é Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Extrato da tese: “Os Bakongo de Angola: religião, política e parentesco num bairro de Luanda”

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