D. FRANCISCO DE MATA MOURISCA, OBRIGADO, POR TUDO!

Por Miguel Kiame

 

 

 

 

 

Foi no longínquo ano de 1967 que conheceu D. Francisco de Mata Mourisca. Eu, na flor da adolescência, 13 anos; ele, jovem prelado, a descer do avião que o transportara para a cidade de Carmona, para assumir a novela Diocese de Carmona e S. Salvador (Uíge e Mbanza Kongo). Conservo, claramente, na minha retina as imagens da augusta e empolgante solenidade desse histórico dia para os católicos das províncias do Uíge e Zaire. De todos os recantos, dos dois territórios, com realce para o Uíge, partiram delegações para recebê-lo e dar-lhe as boas vindas.

O seu primeiro contato com os ficou logo marcado pela sua grande capacidade empática, jovialidade, forte personalidade e, especialmente, pela sua assombrosa clareza linguística e poder de atração irresistível. A primeira impressão, pela positiva, causada pelo Bispo não ficou por aí. Um pouco e pouco se foi apercebendo que algo substantivo acabara de acontecer no destino da vida das gentes do Uíge.

As marcas do seu carisma franciscano foram-se adensando e impondo como uma luz de esperança e ternura que entusiasmava os corações das ovelhas do seu rebanho. Como bom pastor, bastante cedo se posicionou em defesa dos mais fracos e dos mais pobres, obviamente, os autóctones, o que lhe valeu vários epítetos como Bispo dos pobres e/ou Bispo dos pretos. Ficaram famosas como homilias das missas das tardes de domingo, na Sé Catedral. A casa de Deus rebentou pelas costuras, tal era a afluência participativa principalmente dos jovens, porque D. Francisco era simplesmente um exímio pregador, dono de uma eloquência espantosa.

O aumento exponencial de fiéis, começou a gerar preocupações na Polícia política que também se sentiu motivada a assistir as missas para se aperceber de desvios à causa colonial. Por isso, vezes sem conta D, Francisco se confrontou com a PIDE por causa da sua verticalidade na defesa intransigente dos autóctones. A mesma luta travou, nos primórdios da nossa independência, quando lhe foi imposta uma implacável paixão pelas hostes do homem-novo do proletariado e do materialismo histórico. Felizmente, o tal homem-novo não passou da sua infância e a história encarregou-se de estrangulá-lo. A mensagem do AMOR e da PAZ é mais forte que qualquer teoria materialista.

O Povo do Uíge recorda-se, porque não tem memória curta, do monumental trabalho realizado por D. Francisco de Mata Mourisca no campo do desenvolvimento espiritual e humano. É, na verdade, obra de dimensão significativa: Escolas, Colégios, Orfanatos, vasta obra literária e, Angola também não esquece, o programa PRO PACE em que se destacou sobremaneira, tendo criado o que ele próprio designou de “redes de reconciliadores” e “bombardeiros da Paz!

Francisco da Mata Mourisca lutou destemidamente com o seu Povo do Uíge, para o seu Povo do Uíge e com o seu Povo do Uíge, por isso, é justo que se afirma que ele se desprezou da sua natureza de “homem português” e se transfigurou no PAI que conheceu com profundidade a génese do seu Povo, passou por todos os cantos e recantos do Uíge, por todas as ruas e ruelas, pelos becos e “bequitos”, pelos rios e riachos, comunicando-se com a influência em Kikongo, a língua do seu Povo. Por isso, é justo, repito, que seja considerado PATRIMÓNIO DO UÍGE e, obviamente, UIGENSE DE GEMA!

 As imagens que nos chegam do Uíge são a prova mais eloquente de como D. Francisco de Mata Mourisca amou e se doou incondicionalmente à causa do seu Povo, desde o primeiro dia do seu episcopado até à sua morte. Sempre ao lado do seu Povo, mesmo depois de reformado, vivendo na simplicidade e pobreza franciscanas, esbanjando sabedoria a quem se prestasse bebê-la.

A este AMOR e esta DOAÇÃO o Povo do Uíge, com o coração feito em cinzas e em pranto inconsolável, respondeu estrondosamente e em uníssono: Descanse em Paz, nosso Amado Pastor, neste pedaço de Terra que provate ser tão teu como nosso. Por isso, com chuva, com sol, com tudo o que esta Terra-Mãe nos proporcionar, não arredaremos pé, estaremos até ao último adeus.

OBRIGADO POR TUDO, D. FRANCISCO!

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