Debate radiofónico clarifica o imenso contributo dos angolanos para a Rumba-Congolesa

Por Analtino Santos

O portal Wizi-Kongo, dedicado à divulgação dos factos da província do Uíge e da cultura Kongo, e o programa radiofónico Conversa à Sombra da Mulemba, realizaram uma Tarde Tropical, que teve como principal motivação a participação e contributo de artistas angolanos na Rumba Congolesa. O espaço onde o evento decorreu foi bem no interior de uma das áreas onde a presença de descendentes do Mani Kongo em Luanda é muito forte, o Kilamba Kiaxi, mais concretamente no Palanca VIP, um projecto de Nfuca Muzemba há cinco meses no activo.

Sebastião Kupessa Muana Damba e Raimundo Salvador, os mentores da iniciativa que começou a ser desenhada há um ano, tiveram na “sentada” da mesa
oficial Pascoal Masaka, Soky Dya Zenza e Ras Kilunji, com várias figuras anónimas e públicas, antes e depois da gravação do programa, a darem importantes subsídios. Depois da primeira parte, dedicada à gravação do programa, a segunda foi preenchida com música ao vivo com as bandas Supreme e Big Stars, que fizeram uma viagem musical pela Rumba Congolesa.

Foi ao som de Sa Majesté, de Madilu System, angolano que se notabilizou na orquestra TP OK Jazz, de Franco, que se iniciou o debate. Uma recolha do ritmo
tradicional Zombo, refeita por este artista de Kimbele em 1999, serviu de ponte. Kupessa disse que a escolha foi feita para demonstrar que os ritmos da bacia hidrográfica do Zaire são transversais, visto que o Konono é cantado e dançado quer no Norte de Angola como no Sul do Congo Democrático, com variantes
noutras regiões.

O autor do sucesso “Malalanza”, conhecido na voz de Carlos Burity, Soky Dya Zenza, reconheceu que ainda nos 60, em Luanda, ouviu-se e viu-se pela primeira vez este rítmo, protagonizado na altura por Chinês e suas duas bailarinas, provenientes de São Salvador, que participavam no programa de espectáculos itinerantes Kutonoka.

Dya Zenza não escondeu a sua preocupação com a parte final da canção apresentada, que tem um andamento estilizado e que, na sua óptica, retira a originalidade dos sons provenientes dos instrumentos ancestrais. Ras Kilunji, activista cultural e pesquisador, teve uma posição diferente, dizendo acreditar que as transposições de sons, quando bem feitas, não atrapalham. Deu o exemplo do jovem Amosi Just A Label, que da sua guitarra extrai a sonoridade do kisanji.

Masaka e Kupessa, que cresceram ao som do Konono, consideram o estilo Masikilu sem inclusão dos instrumentos de sopro, constituído por chifres de
animais e que tem uma forte inspiração do ritmo Kimbondo, sem a ngoma. O estilo ganha mesmo destaque com o kisanji e o grupo Konono nº 1, que nos anos
2000 conquistou o mundo e foi reconhecido como grupo congolês, com membros-fundadores angolanos.

Os integrantes do painel questionaram o facto de artistas angolanos no Congo não serem chamados para actuar em actividades em Angola, considerando que
tal se deve não apenas à incapacidade, mas à falta de vontade e de identificação institucional.

Neste primeiro programa de inéditos do Conversa à Sombra da Mulemba desde 9 de Junho, a “sentada” dominical, excepcionalmente, aconteceu num sábado. Sebastião Kupessa afirmou que a Rumba Congolesa devia chamar-se Rumba Ango-Kongolesa. Raimundo Salvador reconheceu que, por cá, existe um desconhecimento da participação dos angolanos na chamada Rumba Congolesa durante cinco anos a música congolesa. Precisou que foi em 1948 que, pela primeira vez, um músico africano entrou em estúdio para gravar a sua obra. E tal africano foi o angolano Paulo Muanga, natural da Damba, aldeia de Mafwangi; quando ele saiu do estúdio cruzou-se com o quarteto “São Salvador”, liderado por Mayungu Manuel de Oliveira e que incluía também Jorge Eduardo Dula, Henriques Freitas e Eduardo Bilá.

Masaka foi muito cauteloso. Apesar de reconhecer que todos nasceram em Angola, na região de Kuimba, o seu aprendizado como músicos ocorreu em território na altura considerado propriedade do Rei Balduíno, da Bélgica. Todos foram unânimes em reconhecer que a participação de cidadãos dos países que pertencem à Nação Kongo, que nos anos 40 e 50 do século passado viviam no Congo-Belga, foi determinante para a evolução daRumba Congolesa.

Kupessa, um desbravador da presença de angolanos na pátria da autenticité, então República do Zaire, não se ficou apenas pela primeira geração. Tabu Ley
Rocheraux trabalhou com muitos angolanos, como o guitarrista solo Nseka “8 kilos”. O músico Tabu-Ley pertence a segunda geração.

Importa reforçar que fazem parte da primeira geração de músicos angolanos na actual RDC Paulo Muanga, Manuel de Oliveira, Henriques Freitas, Jorge Eduardo Dula, Eduardo Bila com os congoleses como Adu Elenga, Paulo Kamba, Kassongó, Jack Bukaka e Wendo Kolosoy. Todos eles gravaram no estúdio Ngoma, propriedade dos irmãos Benathar, belgas de origem judaica. Mais tarde, um grego fundou Opika e foi nesta gravadora que surgiu a segunda geração e os músicos ditos modernos, formada por Kabasele Tshamala “Gran Kalle*, com o seu African Jazz. Masaka reconheceu que a música cubana penetrou naquele país com a massificação da rádio e foi fundamental no surgimento desta geração.

Segundo Kupessa, Manuel de Oliveira, chamado no Congo “Oliverá”, é a figura principal da Rumba Congolesa, porque desde 1932 galvanizava os bares de Léopoldville, depois de iniciar em Matadi. Em Léopoldivile começou a compor em Lingala, quando antes o fazia em Kikongo. Durante quase uma década ele dominou o eixo Matadi/Léopoldville, de acordo com a  nossa fonte.

Angolano que nasceu em 1914(5) e vai para o Congo Belga em 1924, Masaka confirmou que Miguel de Oliveira nasceu no então Distrito de São Salvador, na
região de Kuimba. Segundo as suas investigações, Papá Oliveira vai para o Congo em 1924 e começa a aprender música em Matadi, em 1938, tendo como mestre
de guitarra o também angolano Ambrósio Normam.

Em 1946 junta-se a Manuel Eduardo e formam o grupo “São Salvador”, tocando em festas de casamento e funerais, antes de entrarem no estúdio de gravação, onde Henriques Freitas junta-se, mais tarde, à formação. O estúdio era o Ngoma, do grego Geriominess. Pascoal Masaka afirmou que os primeiros a entrarem neste estúdio foram Wendo e Boané, com o grande sucesso “Marie Louise”. Um ano mais tarde entra para gravar o grupo São Salvador: num mesmo dia gravaram vinte temas, para dez discos.

Muanga Paul começou a gravar no estúdio Opika, do israelita Mussa Benathar, em 1948. Muanga deixou Angola com 7 anos e em 1944 criou o grupo Astoria Kin, que, quatro anos mais tarde, gravou um disco com a participação de Jimmy Hawayene, um centro-africano, acabando por formar o dueto Muanga and Jimmy.
A tese defendida por Masaka é que não é verdade que a Rumba saiu de Angola para o Congo, pois todos tiverama influência da música afro-cubana, que chegava
através dos marinheiros pelo porto de Matadi e, emgrande escala, quando começaram a exportar discos. Masaka justifica por que a música cubana conquista o Congo: “lá existiam os Kebós, equivalentes às turmas em Luanda, tocando apenas batuque (patenqué) e vôz, com canções com uma cadência que facilmente se identificou com a Rumba.

Masaka também falou da contribuição dos chamados “coastman”, os africanos da África Ocidental, essencialmente ganenses e nigerianos, que introduziram a guitarra, visto que nos anos 1930, naquela região, já existiam estúdios. Não obstante esse posicionamento, Masaka reconheceu que Oliveirá teve muito sucesso e é uma figura central, tanto assim que a primeira geração de músicos angolanos no país vizinho aprendeu muito com os “coastman”.

Simaro e Samangwana

A dado momento do programa radiofónico, uma composição do finado Simaro, na vôz de Sam Mangwana, foi bem aproveitada para se falar do peso destes dois filhos de Angolana Rumba Congolesa.

Kupessa, que aquando da morte de Simaro viu com agrado um texto seu publicado no Jornal de Angola, com emoção afirmou que o compositor é o mentor do que chama estilo “Verbo”, aquele que prioriza a palavra e que não usa apenas a poesia nas composições, mas também os provérbios e a filosofia africana. “E esta
aposta encanta a população, pois a sua música atinge um dos propósitos da canção em Africa, que é o de edificar, exortar e ensinar”, disse, acrescentando que
tudo ficou mais facilitado com Sam Mangwana, que durante três anos foi dos principais intérpretes dos temas de Simaro, grande parte hoje autêntico património da Rumba Congolesa.

Masaka falou da existência das duas principais escolas da Rumba Congolesa, a African Jazz e a Ok Jazz. Informou que a parceria entre Mangwana e Simaro
surgiu em 1972 e que este introduziu o estilo Lolaka na orquestra TP OK Jazz, onde a vôz do cantor é privilegiada e quase se canta do princípio ao fim do tema
musical. Disse ainda que a música Ebale Ya Zaire é um marco na vozz de Sam Mangwana. Raimundo Salvador afirmou que Simaro foi feliz ao introduzir um estilo onde a vôz está acima da instrumentalização e com grande enfoque na poesia. O que pode ser comprovado na frase de um jornalista congolês, que considerou ser “uma aberração tratar Simaro como simples poêta, pois ele foi um filósofo bantu”.

Há duas versões quanto ao local de nascimento de Simaro: uma aponta para Angola e outra para a RDC. Nas considerações finais foi lembrada a contribuição
dos angolanos da terceira geração, que têm em Zaiko Langa Langa a principal referência. Neste grupo o guitarrista angolano Pedro Félix Rodrigues Manuaku “Pépé Felly” foi determinante na aceleração dos ritmos das guitarras presentes no Soukouss e no Dombolo. Manwako tem grau de parentesco com Manuel de Oliveira.

 

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