Dilêmbe: o pensamento político de José Eduardo dos Santos

Por Patrício Batsikama

Introdução

Quando nasceu o cidadão José Eduardo dos Santos, foi-lhe dado o nome de “Viajante” pelo seu irmão mais velho, o nacionalista Avelino dos Santos. O verbo “viajar” se diz “lembeka” em kimbûndu (Maia, 2010: 668). No dicionário de Óscar Ribas, Lêmba ou Dilêmba é o nome da divindade que se dá a uma criança que nasce nas condições de “viajante” (Ribas, 2014: 130). Na antropologia, Dilêmbe ou Lêmbe “relaciona-se com os espíritos da terra devendo assegurar a paz e a fecundidade dos lares, a protecção dos guerreiros, etc.” (Parreira, 2015:137).

Conceito

Defino dilêmbe como a visão política historicamente instituída pelo Estadista José Eduardo dos Santos. Ela caracteriza-se pela permanente celebração da Paz para garantir a integridade simbólica de Estado Nacional com Segurança. Este estrutura-se na concorrência dialógica entre diferentes capitais humanos que almejam o compromisso económico de produzir riquezas, em busca da prosperidade interna e na gestão de boa-vizinhança.

A fundamentação sobre dilêmbe parte da comparação de: (1) biografia do estadista angolano; (2) episódios de vida política angolana entre 1976-2016; (3) visão económica para a estabilidade política e social de Angola.

A Guerra fria versus Guerra Civil enquanto ordem planetária fez com que haja ausência da soberania e a falta de Estado em Angola: o país nasceu e cresceu com pouco capital humano qualificado. O presidente americano Nixon teria proposto ao seu homólogo português Marcello Caetano o seguinte: “abandone a Guiné, que não interessa a ninguém. Dá-lhes independência. Nós ganharemos tempo e vós, o prestígio. Reforcem a pressão sobre Angola, pois está connosco […] ” (Kuntz, 1975: 71). Essa é a razão da guerra angolana. Voila!

O conteúdo de vários arquivos classificados americanos que consultei certifica quanto Angola serviu de teatro de guerra durante a Guerra fria, no período de 1975-1991 (Guimarães, 1998; Grillo, 1998). Esta é a época embrionária do dilêmbe, especificamente na base da “diplomacia” em busca da integridade simbólica de Angola (territorial, social e cultural). Percebe-se aqui a prioridade da diplomacia, pelo facto de Angola ser reconhecida pela OUA e ONU com realce as habilidades diplomáticas José Eduardo dos Santos em 1976.

Consequentemente, dilêmbe torna-se a “busca de conquista da integridade simbólica através dos princípios da irmandade no respeito do Acordado”. Os arquivos portugueses (Torre do Tombo) e americanos (Universidade Georges Washington) indicam que o presidente José Eduardo dos Santos trabalhou incansavelmente (sic!) em busca dos Acordos que conduziram a Bicesse e Lusaka. Ele fez recurso as arenas favoráveis ao Jonas Savimbi/UNITA, para manifestar a sua “bona vide” nos acordos: (1) Gbadolite/Zaire de Mobutu; (2) Yamousoukrou/Costa de Marfim de Houphoet Boigny; (3) Libreville de Omar Bongo.

Quando Issa Dialo – responsável da missão da ONU – deixou Angola em Dezembro de 1998, havia um pessimismo considerável em relação a Paz. É justamente nessa nebulosidade que José Eduardo dos Santos reforçou a sua visão da pazdilêmbe – no respeito aos acordos. Quer dizer, dilêmbe implica forças sociais diferentes cuja harmonia assenta-se no respeito do acordado, velando pelo valor humano. Por isso que, mesmo quando aconselhado, o chefe de Estado angolano se desinteressou a decretar o “estado de guerra”. Deu maior atenção no “valor humano” para construir Angola.

1992-2002 é de facto o período dos acordos que substanciam o sentido antro-política de dilêmbe. O general Kamorteiro nos revela que o presidente angolano orientou que as conversas preliminares do Memorando de Lwena fossem apenas entre os Angolanos. Sem o saber, este general das FAA apresenta-nos aqui uma informação valiosa sobre o valor consuetudinário de dilêmbe enquanto fonte de harmonia nas sociedades angolanas (khoi khoi, kôngo, lûnda, mbûndu, umbûndu, san, etc.).

A celebração da paz interna para garantir o Estado nacional na base da segurança enquanto visão política do estadista angolano dinamizou-se entre 2002 e 2012 com as eleições de 2008, a Constituição de 2010 e as eleições de 2012. Na minha humilde opinião, são momentos que fortaleceram o plano que José Eduardo dos Santos terá construído para Angola.

Na leitura antropológica dilêmbe busca a paz partindo dos capitais culturais dos integrantes como garantia do bem-estar e a celebração da tranquilidade opera-se a partir do diálogo (cooperativo ou conflictual) das diferenças internas. O valor do trabalho equivale ao bem individual (fecundidade nos lares), que implica capacidade técnica da produção. Para isso. É preciso um aparelho administrativo que gere a prosperidade dos integrantes e a indivisibilidade do território (Exército ao serviço da integridade da nação). Este é o Estado moderno angolano pós-2002 (Parson, 2006), à luz das teorias de Arend Lijphart, Max Weber, Nobert Elias, Georges Burdeau, Adriano Moreira, etc.

Em relação a “fertilidade nos lares”, as estatísticas são interessantes (ver a Revista Qualificar Boletim nº.1 de Janeiro/Março de 2016):

  1. Em 1975 Angola tinha 16 escolas técnicas. Actualmente existem 201 escolas técnicas (108 públicas e 93 privadas); existem 102 cursos de formação média técnica em 18 áreas de formação;

  2. Áreas de formação com melhor resposta de emprego: construção civil, electricidade, electrónica e Telecomunicações, indústrias extractivas, mecânica, Química e Saúde. 70% dos estudantes prosseguem os estudos no Ensino Superior.

  3. A Casa Civil da República de Angola identificou 40 profissões com futuro em quatro sectores: (a) energia e águas; (b) transporte e logística; (c) alimentação e agro-indústria; (d) habitação.

Em relação as Instituições de Ensino Superior e a capacidade de mão-de-obra que lançam no mercado de trabalho, as estatísticas oficiais são:

  1. Instituições de Ensino Superior:

  • 1975-2002: uma universidade pública apenas; duas universidades privadas

  • 2003-2014: seis universidades públicas; onze institutos superiores públicos e quatro escolas superiores públicas; oito universidades privadas e trinta institutos privados.

  1. Evolução do número de bolseiros:

  • 1976-1992: (a) internos: 0; (b) externos: 1.291 licenciados; 68 mestres e 105 doutores. Total: 1.464;

  • 1993-2002: (a) 0; (b) externos: 1.347 licenciados; 209 mestres; 250 doutores. Total: 1.806;

  • 2003-2014: (a) internos: 30.169 licenciados; (b) externos: 5.362 licenciados, 595 mestres e 563 doutores. Total: 6.520.

A tragédia angolana (1975-2002) interrompida pela catarse política manifestada pelos militares em formar a maior força social uno-toda em 2002, perspectivou um romantismo político que devolveu a confiança individual entre os angolanos até a realização das eleições legislativas em 2008. Dois anos mais tarde e à luz da Constituição de 2010 (artigo 21º), as Instituições de Ensino Superior foram dinamizadas para rentabilizar o capital humano, reservando ao Estado o fomento de emprego.

Importa salientar as centralidades em todo o país. Na visão de José Eduardo dos Santos (explicação dada pelo arquitecto André Mingas em 2006), “é urgente e prioritário dar dignidade aos angolanos deslocados da guerra em realojá-los com as condições mínimas. A Baixa de Luanda já não tem condições”. Por isso era necessário criar centralidades, permitindo que qualquer angolano assalariado tivesse condições mínimas na aquisição de casa para habitar. Além de eliminar as sequelas da guerra, a urbe destas centralidades dá maior visibilidade em relação ao polis (Estado moderno).

O novo edifício da Assembleia Nacional simboliza a dignificação que se dá à democracia. A sua imponência reflecte a qualidade que os deputados devem dar.

Conclusão

Dilêmbe vela pelo Estado íntegro (espírito da terra) com projecção da Paz construída na base do concerto das diferentes forças sociais, na maximização do capital humano que determina a prosperidade de cada cidadão (fecundidade nos lares). A originalidade deste pensamento político situa-se no contexto histórico (1979-2012) e espacial (África em chamas), sobretudo quando se sabe que estes ganhos foram endógenos e apenas entre 2002-2016. Isto é, há maior interesse em procurar estudar as heranças simbólicas que José Eduardo dos Santos legara para 3ª república de Angola. Precisa-se de conservar a soberania, rentabilizar a paz e maximizar a democracia e o desenvolvimento social através de emprego. Na óptica de estudo sobre as “Figuras Históricas”, penso abordar esse debate junto dos meus estudantes neste ano académico.

Aprendemos a História para não repetir os erros passados e melhorar no futuro. Debater cientificamente sobre dilêmbe significa tomar consciência da História de Angola e das responsabilidades que os Angolanos têm para salvaguardar a sua soberania, a sua paz, a sua democracia e a prosperidade nos lares.

Bibliografia

GRILLO, R.D. 1998, Pluralism and the Politics of Difference: State, Culture, and Ethnicity in Comparative Perspective, Oxford: Clarendon Press

GUIMARÃES, F.A. 1998, The origin of Angola Civil War: Foreign interventions and domestic politic Conflict, Londres: MacMillan Press

KUNTZ, L., 1975, Les fusils et les urnes, Paris: Editions Denoel

PARREIRA, A. 2015, Dicionário de etnologia angolana, Porto: Porto editora

PARSON, I. 2006, War and the formation of State in Angola: Extraversion from the pre-colonial period to post-Independence, Londres: London School of Economics

RIIBAS, O., 2014, Dicionário dos regionalismos angolanos, Luanda: FenaCult

SHUBIN, V. G., 2008, The Hot Cold War The USSR in Southern Africa, London: Pluto Press

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